Artigo compartilhado do site ALMANAQUE BRASIL
Anselmo Duarte
Escrito por Bruno Hoffmann
O galã que conquistou Cannes
O garoto que sonhava ser projecionista no interior de São Paulo tornou-se uma das figuras mais importantes do cinema nacional. Maior galã das nossas telas, enfrentou preconceito de tudo que é lado quando resolveu ir para trás das câmeras. Mas tornou-se nosso único vencedor em Cannes.
Quando pequeno, ele tinha uma certeza na vida: queria seguir a profissão do irmão Alfredo, projecionista do Cine Pavilhão, em Salto, no interior de São Paulo. Era o auge do cinema mudo, e o menino se encantava assistindo aos sucessos da época. Até que conseguiu um emprego: era o novo molhador de telas da sala local – ofício que consistia em umedecer o tecido que recebia a projeção, evitando que ele se queimasse. Mal sabia que chegaria bem mais longe do que o irmão. Anselmo Duarte seria um dos maiores – se não o maior – galã do cinema brasileiro, e o único diretor a conquistar a Palma de Ouro, em Cannes.
Seu caminho rumo ao sucesso foi vertiginoso. Aos 14 anos, mudou-se para São Paulo. Entre outros bicos, tornou-se dançarino de cassinos. Logo partiu para o Rio de Janeiro. Na cidade, foi figurante do lendário É Tudo Verdade, documentário inacabado sobre o Brasil, dirigido pelo diretor norte-americano Orson Welles.
Com talento e pinta de galã, foi se encaixando em outros filmes. A partir de 1946, brilhou nas chanchadas da Cinédia e da Atlântida, em filmes como Terra Violenta, Carnaval no Fogo e Pinguinho de Gente. Muitas vezes, no papel principal. Em 1951, assinou contrato com a Vera Cruz – com direito ao maior salário da companhia. Mas o galã que fazia as donzelas suspirarem aspirava por projetos ainda maiores.
Atrás das câmeras
Ao mesmo tempo em que a fama de galã lhe abria portas, também trazia dificuldades. De todos os tipos. Costumava se dar mal ao encontrar valentões na rua, dispostos a encarar o bonitão mais famoso da cidade. Talvez por isso tenha se tornado praticante de judô e faixa preta de jiu-jitsu, chegando inclusive a fazer apresentações no Maracanãzinho ao lado de Hélio Gracie, um dos grandes disseminadores da luta no País. “Todo mundo queria me bater”, disse, anos mais tarde, se divertindo.
Mas não pense que Anselmo tinha orgulho de ser galã. Era algo que lhe incomodava, principalmente pela carga pejorativa do termo. Numa entrevista à revista Época, em 2003, confessou que não se sentia à vontade sequer atuando, quanto menos como o mocinho dos enredos. “O meu azar foi ser galã. Eu era tímido. Nunca desejei ser ator. Queria ser diretor de filmes. Então me definiria, sem soberba, com honestidade e coragem, depois de 55 anos de cinema, como um realizador de filmes. Aqui ou em qualquer parte do mundo. Essa é minha profissão.”
E o grande preconceito que encontrou foi justamente quando resolveu ser diretor. Em 1957, rodou a comédia Absolutamente Certo – sucesso de público que lhe rendeu muito dinheiro. A crítica e os diretores, no entanto, torceram o nariz. Perguntavam-se, num tom carregado de deboche: “Como é que pode um mero galãzinho se atrever a ser diretor de cinema?”
As desconfianças aumentaram ainda mais quando comprou os direitos de filmagem de O Pagador de Promessas, peça de Dias Gomes que discutia a reforma agrária, preconceito de classes e intolerância religiosa. Até o autor ficou desconfiado. Chegou a anunciar que, dependendo do resultado nas telas, tiraria seu nome dos créditos.
As consequências todos sabem: o filme no qual ninguém acreditava, com Leonardo Villar interpretando o papel principal, levou a Palma de Ouro em Cannes, em 1962. Até hoje, Anselmo é o único diretor brasileiro a realizar a proeza. Boa parte da intelectualidade da época torcia por Anjo Exterminador, do politizado diretor espanhol Luís Buñuel. Anselmo respondeu às críticas décadas depois, numa entrevista ao site Memória Viva: “Eles não admitiam que eu tinha ganho do Buñuel. Para mim, melhor que o Buñuel tinha uns cinco lá. Gostavam dele porque falava mal dos Estados Unidos, falava mal do patrão. Mas os filmes dele são primários. O Anjo Exterminador era uma fita chata, imbecil. Vai sofrer assim nos quintos dos infernos. Cinema não foi feito pra isso”.
“Se vencer, não presta”
A vida seguiu, e Anselmo continuou rodando filmes: Vereda de Salvação (1964), Um Certo Capitão Rodrigo (1971), baseado em O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, O Crime do Zé Bigorna (1977). Alguns elogios no exterior, muitas críticas no Brasil, principalmente do pessoal oriundo do Cinema Novo. Ele desabafava: “No Brasil, se você não é o vencedor, você é formidável. Mas se você ganhar, dizem: ‘Não era tudo isso’. Brasileiro não gosta de quem vence”.
Com o tempo, passou a filmar menos, a ser menos falado. Mas sua produção o fez um dos mais atuantes cineastas da história do Brasil. Entre ator, diretor e redator, participou de quase 50 filmes, de todos os gêneros. Poucos chegaram a números parecidos.
Dias depois de sua morte, em 7 de novembro de 2009, Glória Menezes, uma das atrizes de O Pagador, declarou: “Todos tínhamos profundo respeito por Anselmo. Seguro, determinado, sem pose de gênio, sem gritos, sem exibições megalomaníacas”. E lembrou, com um quê de puxão de orelha nos críticos: “Lamento por quem não conheceu Anselmo. Perdeu suas histórias, perdeu suas mentiras, perdeu seu afeto e amizade”.
Texto reproduzido do site: almanaquebrasil com br