Réquiem.
Por Petrônio Gomes.
No dia 25 de setembro de 2002, foi demolido o Cine Rio
Branco, último bastião da Aracaju histórica, depois de alguns anos de injusta
agonia. Quem não é daqui ou quem chegou há menos de trinta anos, pelo menos,
não tem motivos para lamentar coisa alguma, do mesmo modo como não sentem a dor
pelo desaparecimento de alguém os que a este conheceram há pouco tempo.
Depois do “Rex”, do “Vitória” e do “Pálace”, foi a vez do
querido "Rio Branco" de Juca Barreto e de toda a cidade-menina de
então. Mas como poderia permanecer sozinho, quando o seu berço já começara a
ser desmontado? Que é do Hotel Marozi, do hotel de Rubina, do Colégio das
Freiras, do Trapiche Lima?
Parece-me estar vendo o velho Juca Barreto com seu terno de
linho branco, diante da porta do seu cinema, a receber, sorridente, os
espectadores. Era o ponto tradicional dos aracajuanos para as sessões de
domingo, o local preferido dos namorados que ainda não se podiam encontrar, mas
que sabiam lá encontrar-se o outro. Quase ninguém acredita hoje que pudesse
existir esse namoro de longe, alimentado por sorrisos trocados à distância, por
olhares que pretendiam dizer tudo...
Juca Barreto era uma espécie de parceiro de Rubina, a
impagável proprietária do hotel mais popular da cidade, que ficava onde
atualmente se ergue o Palácio da Justiça. Quem vinha a Aracaju para se
apresentar no Cine Teatro Rio Branco, fatalmente escolheria o hotel de Rubina.
Era mais cômodo, mais barato, e era o mais lógico, afinal de contas.
Juca e Rubina também foram parceiros de prejuízos, pois o
calote não foi inventado neste século nem no passado. Rubina virava uma fera
quando isto acontecia, primeiro porque era honesta, segundo porque trabalhava
muito para manter o seu estabelecimento.
Juca, entretanto, não se alterava. Tinha alguma coisa de
filósofo, era bondoso, era um pai. A meninada pobre ficava apinhada na calçada
do Rio Branco quando passava um filme de bandidos, olhando fixamente para o
dono do cinema, como um cachorrinho que pede um bocado. E Juca Barreto não
aguentava. Cerca de meia hora antes do final, ele abria um pouco a cortina da
porta e a meninada se esgueirava pelos corredores do cinema.
Foi também ele o inventor da “Matinée do Perfume”. Nas
tardes de domingo, estando próximo o fim do ano, ele oferecia um prêmio à garota
mais bem vestida que estivesse no cinema. Nunca se soube qual era o critério
adotado, mas a verdade é que o cinema ficava lotado, com dezenas de rapazes que
assistiam de pé ao espetáculo, fazendo fila diante das portas laterais.
Os artistas mais famosos do país estiveram no Cine Teatro
Rio Branco, e para todos eles Juca Barreto mandou colocar placas comemorativas
na parede. Assisti aos espetáculos de Mesquitinha, de Joracy Camargo, do mágico
espanhol Rocambole; nossos cantores também foram recebidos por Juca, e tenho na
lembrança Hélio Chaves Freire, cantando “A Vida Continua”, assim como Guaracy
Leite França.
Quando regressei a Aracaju, tive a satisfação de assistir ao
recital do famoso Tito Schippa, o grande tenor napolitano, já no ocaso de sua
carreira.
Não se pode deixar de registrar outro fato importante: foi
Juca Barreto um dos mais antigos exibidores da Fox em todo o Brasil, razão pela
qual foi brindado com o aparelhamento técnico para o Cinemascope, que estreou
em Aracaju com o filme “O Manto de Cristo”, também por ocasião de minha segunda
vinda.
Depois, veio o declínio. Triste, injusto, pois fizeram do
Rio Branco uma casa de espetáculos de péssima ordem. Transformaram-no em chaga
aberta no coração da cidade, com seus cartazes sórdidos, seus programas
imundos. O velho Cine Teatro de Juca começou a apodrecer, por dentro e por
fora.
Com a desfiguração completa por que passa Aracaju, ele
também já caiu no esquecimento, como todos os outros. Mas foi o símbolo de uma
época diferente, mais humana, mais alegre, mais feliz.
Construíram um teatro moderno e confortável, com ar
condicionado e poltronas reclináveis. Deram-lhe o nome de "Tobias
Barreto", um poeta que nada teve a ver com teatro e que, além disso, já
tem seu nome até em um município de Sergipe. Não teria sido mais justo
batizá-lo de "TEATRO JUCA BARRETO"?
Fotos e texto reproduzidos do Facebook/Fan Page/Petrônio Gomes.
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