Boletim emitido pela revisora da filial MGM em Curitiba.
Logo da Rank.
Publicado originalmente no site da Revista Ideias, em 5 de julho de 2016.
As distribuidoras cinematográficas.
Por José Augusto Jensen.
Perto da Cinelândia curitibana, no início da rua Des.
Ermelino de Leão, principalmente, situavam-se quase todas as filiais dos
grandes estúdios que faziam a distribuição de seus filmes por estas bandas.
Metro-Goldwin-Mayer, Columbia, Fox, Paramount, a Art Filmes, que aglomerava
produções europeias, principalmente francesas, alemãs e italianas, a Rank
inglesa, e outras. Atendiam todo o Paraná e Santa Catarina. Eram frequentadas
principalmente pelos exibidores do interior que, no início da semana, vinham pagar,
marcar os filmes para seus cinemas, devolver e pegar cartazes, trailers.
Movimentavam os cafés, hotéis, restaurantes, lojas de materiais
eletroeletrônicos, com o que mantinham seus cinemas, e encomendas para suas
cidades de origem. Assistiam a alguns filmes para, se gostassem, e verificando
a renda na capital, posterior contratação. Gerava grande disputa para datas e
primazia em filmes de grande sucesso entre eles.
Eram grandes espaços onde havia um gerente, a tesouraria, o
arquivo de filmes, a seção de remessas (recebia e enviava as latas contendo
filmes), a de cartazes e fotos, os fiscais para os filmes com porcentagem na
bilheteria (se não, eram negociados a um preço fixo), as revisoras e o
programador. Este era a alma da distribuidora. Ele manuseava um “livrão”, onde,
em cada página, constava o nome de um filme, sua entrada e a saída, o período
de permanência na filial. Recebia o exibidor, ou sua carta, solicitando a
marcação de tal filme, negociando as datas ou a semana, anotando na página
correspondente. Eram poucas cópias para o Brasil e elas tinham curta
permanência em cada distribuidora. O exibidor tinha que ter disponíveis, antes
da data acertada, os cartazes, as fotos, o trailer, material para publicidade
no seu cinema. Só pegava o material se tivesse acertada a data três semanas à
frente, pois também eram poucos e tinha que devolver em bom estado, ou pagava.
Nesta relação exibidor-distribuidora, existia muita tensão, dependendo da força
ou importância de cada um, negociações duras, principalmente para os pequenos
com seus longínquos cinemas, ou os chamados poeiras e “segunda linha” de
bairros da capital. No balcão da distribuidora, atendia também qualquer pessoa
interessada em alugar alguma produção para clubes, associações, eventos, festas
e famílias que possuíam projetores em casa.
As revisoras eram principalmente mulheres, que revisavam e
consertavam (faziam emendas) nas cópias e emitiam um boletim sobre o estado
destas, a metragem de cada parte, que era colocado na primeira das latas do
filme, para a leitura do operador cinematográfico. Se acontecesse algum
problema na exibição, era confrontado com o boletim e, conforme o caso, também
era cobrado o pedaço estragado do último exibidor. As emendas tinham a marca da
distribuidora, não notada na projeção, pois muitas pessoas colecionavam quadros
de filmes ou roubavam cenas inteiras. Mas depois de tanto passar, algumas
cópias ficavam em péssimo estado e as revisoras, com muito trabalho, não
ficavam procurando tal identificação. Todavia, se o filme arrebentasse na
exibição, o próprio operador na cabine do cinema emendava, se houvesse mais
sessões pela frente.
O fiscal da distribuidora ficava na porta do cinema com um
contador na mão, e depois o resultado era confrontado com o relatório, o
chamado borderô, das entradas vendidas no cinema a cada sessão.
As distribuidoras disponibilizavam folhetos com a sinopse de
filmes e frases publicitárias para divulgação na mídia, os press-sheets,
chamados aqui de “prechites”.
Um exibidor de Guarapuava estava em Curitiba e assistiu a
“Capitão Blood”, (Captain Bloo), com Errol Flynn, Olivia de Havilland, direção
de Michael Curtis, Warner, produção de 1935, grande sucesso de público. Adorou
o filme e fez o maior empenho com o programador da distribuidora, pagou caro,
mas contratou para seu cinema, antes de algumas cidades bem maiores. Chegou lá
e fez tremenda publicidade. Chegou a cópia no trem, foram conferir e faltava a
primeira lata (parte de dez minutos nesta época). Ficou desesperado, pensou “se
não exibir o filme, me quebram o cinema; se exibir deste jeito, quebram
também.” Telefone não havia; carta, telegrama foi transmitido para a
distribuidora, mas não dava mais tempo.
Naquela noite, abriu a bilheteria, o cinema lotou, subiu ao
palco e contou a história quase chorando. A plateia começou a ficar agitada,
barulho. E continuou: mas é só dez minutos de filme, eu vou contar como começa,
tenham paciência que quando vier a parte eu passo, darei um cupom para cada um.
Terminou o relato do que faltava e fez sinal para o operador iniciar. Foi tudo
bem, o filme tinha dezoito partes, nem apareceram para assistir ao início no
outro dia.
Também havia exibições clandestinas, a pirataria da
época. Convém lembrar que os filmes eram transportados, de norte a sul do país,
fundamentalmente de trem. Nas latas, junto ao destinatário, sempre um aviso:
seguir no primeiro trem. Matreiramente, um exibidor da cidade de Tangará (SC),
última estação antes da fronteira com o Rio Grande do Sul, pactuou com o chefe
da composição, para interceptar os filmes que estavam seguindo para Porto
Alegre. Deixava num dia e pegava no outro. Exibia clandestinamente antes da
capital gaúcha.
Às vezes deixava cinco filmes, e eram exibidos a noite toda:
começava às 20 horas e ia até as 5 da manhã. Sem reprise, inverno rigoroso,
cinema sempre cheio. Na manhã seguinte, tudo no trem novamente. Até que um dia,
não havia filmes no trem, ficou quieto, não podia falar nada para ninguém na
estação. Segundo dia, nada; terceiro dia, nada também. Foi ao chefe da
composição e perguntou pelo seu comparsa. – Foi preso, por contrabando. Ficou
quieto, teve que voltar às distribuidoras, exibir cópias surradas e com muito
atraso, assim era a vida dos pequenos exibidores em pequenas cidades por este
Brasil de então. Um amigo meu, nascido em Morretes, brinca, contando que quando
passou o filme “Os dez Mandamentos” do DeMille, nesta cidade, ele deve ter
visto só uns sete minutos, tal o estado da cópia!
Quando os cinemas do interior foram cerrando suas portas,
também as distribuidoras fecharam, pois os grandes circuitos negociavam
diretamente com as matrizes, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, que
centralizaram a distribuição para o país.
Texto e imagens reproduzidos do site: revistaideias.com.br
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