Publicado originalmente no site DVD Magazine, em 16/10/2017
Onde Começa o Inferno - Um western clássico
O clássico Onde Começa o Inferno (um inadequado e apelativo
título nacional) é essencialmente um filme de personagens
Por Jorge Ghiorzi
Um dos últimos grandes westerns clássicos do cinema
norte-americano, Onde Começa o Inferno (Rio Bravo) foi dirigido em 1959 pelo
versátil Howard Hawks, mestre que transitou com desenvoltura por diversos
gêneros cinematográficos, da comédia ao terror, do musical ao romance, do
policial ao drama. Naquele período o western já estava entrando no seu período
de declínio. Os últimos mitos e heróis estavam se despedindo e pouco
significavam para as novas gerações que assumiriam as radicais transformações
no cinema de Hollywood nos anos 60/70. Portanto, o filme de Hawks era uma posta
arriscada, ainda mais por contar no elenco com um monstro sagrado do cinema,
herói e símbolo dos tradicionais ideais norte-americanos: John Wayne.
Ele interpreta John T. Chance, o xerife da cidade de Rio
Bravo, no Texas. Seus dois auxiliares fogem do padrão: o velho e rabugento
Stumpy (Walter Brennan) e o habilidoso pistoleiro e alcoólatra Dude (Dean
Martin). Posteriormente um terceiro ajudante se une ao grupo – o jovem e
destemido Colorado Ryan (Ricky Nelson). Após uma confusão no bar, que acaba com
uma morte, o xerife Chance prende o pistoleiro Joe Burdette (Claude Akins).
Enquanto aguardam a chegada das tropas federais para levar o perigoso
prisioneiro para a capital, Joe fica detido na pequena prisão, sob permanente
ameaça de ataque do bando do irmão, o poderoso rancheiro Nathan Burdette, que
pretende resgatá-lo da forca.
O enfrentamento, quase solitário, do xerife contra uma
gangue de foras da lei remete à memória de outro western famoso, Matar ou
Morrer, dirigido por Fred Zinnemann em 1952, que também conta uma situação
semelhante. Porém, a lembrança não é casual. É de caso pensando mesmo. Consta
que Howard Hawks (e John Wayne também) não gostava daquele filme por julgá-lo
por demais antiamericano ao narrar a história de um herói essencialmente
covarde (no caso, o delegado interpretado por Gary Cooper). Assim, Onde Começa
o Inferno seria uma espécie de resposta ao filme de Zinnemann.
Matar ou Morrer é um belo exercício de estilo e tensão, pois
narra sua história em tempo real, ou seja, a duração do enredo equivale à
duração do filme, sem elipses ou truques de montagem. O efeito é a crescente
tensão na medida em que os minutos transcorrem, marcando a iminente chegada do
trem que traz os assassinos. O filme de Hawks também trabalha o efeito da
tensão crescente, mas com outros artifícios e recursos fílmicos. Não submete a
ação cinematográfica à passagem do tempo, pelo contrário, expande a narrativa
alongando a passagem do tempo, a ponto de transformar a tensão em suspense.
Sabemos estar diante de um western realmente diferenciado
quando toda a sequência de abertura de Onde Começa o Inferno, que se desenrola
por longos cinco minutos, transcorre sem diálogo algum. Não seria exatamente
surpreendente não fosse um detalhe: não se trata meramente de uma sequência
contemplativa, descritiva de cenário ou paisagem. Fosse assim, seria até
convencional como tantas outras. O que torna a sequência de abertura ousada e
criativa é o fato de ser amplamente narrativa, apresentando o elemento humano
no teatro das ações. O mote do conflito que deflagra a história se estabelece
de forma direta num clássico episódio de luta no saloon.
A presença do personagem do xerife Chance, interpretado por
John Wayne, é ampla e abrangente em todas as tramas e sub-tramas da história.
Funciona como elo de ligação e ponto comum entre todos os demais personagens. A
cada um dele assume uma representação e significado. Para o resmungão Stumpy
oferece sua face mais bonachona e boa praça. Para o beberrão e inseguro Dude
(num desempenho inspirado e comovente de Dean Martin), se mostra compreensivo e
sobretudo companheiro, sempre pronto a apoiar a recuperação do parceiro. Ao
jovem Colorado Ryan o xerife encarna o papel de mestre e mentor. Para o
oponente, o vilão Nathan, a figura de John Wayne personifica a expressão máxima
da lei e da ordem. Há ainda uma personagem feminina na trama, a jovem Feathers
(interpretava pela novata Angie Dickinson), uma golpista de bom coração e
intenções sinceras. Para ela o xerife revela seu lado mais sensível, frágil e
amoroso. Afinal, os brutos também amam.
O clássico Onde Começa o Inferno (um inadequado e apelativo
título nacional) é essencialmente um filme de personagens. Sua trama, que beira
o convencional, traz poucas novidades. É por vezes lento e sua história não
parece rumar para um desfecho definido. Howard Hawks se detém na exposição da
psicologia das personagens, em detrimento do privilégio da ação, que é quase
uma exigência das regras do western. Mas, mesmo optando por esta abordagem
diversa, o filme não cai na armadilha de ser tedioso e dispersivo. Há sim um
ritmo incomum para o gênero, mas Hawks não perde as rédeas da narrativa em
nenhum momento. É cinema clássico da maior ordem. Uma peça orquestrada por um
mestre. Exige tempo e imersão, antes de soarem os tiros.
Em 1976 John Carpenter dirigiu Assalto à 13ª DP, uma
homenagem ao filme de Howard Hawks, que conta a história de uma delegacia de
polícia do subúrbio de Los Angeles atacada por uma gangue de delinquentes.
Texto e imagem reproduzidos do site: dvdmagazine.com.br

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