segunda-feira, 13 de agosto de 2018

O Mundo Fantástico de Fernandinho


Publicado originalmente no site Meus Sertões, em 18 de julho de 2017 

O Mundo Fantástico de Fernandinho 

Por Paulo Oliveira 

Hidroaviões aterrissavam no rio São Francisco, a locomotiva e os vagões dos trens de carga e de passageiros eram desengatados para serem transportados por ferry-boat de Sergipe para Alagoas. O cenário fantástico de Propriá, entre 1948 e 1980, tinha tudo a ver com os filmes que os cinemas existentes nesse período passavam em suas telas.

O faroleiro da reserva da Marinha, Luiz S. Britto, um dos 15 filhos do empresário Clementino Brito Jr., lembra do tempo em que trabalhou de bilheteiro e projetor de filmes no Cine Fernandes, construído por seu pai. O nome do estabelecimento é uma referência ao sobrenome de parentes renomados do proprietário e valeram ao dono o apelido de Fernandinho.

“Eu ficava na bilheteria quando meu pai viajava para Salvador, onde assinava os contratos com a distribuidora de filmes, na Avenida Sete. Na época, só passavam grandes filmes: Ben Hur, Dez Mandamentos, E o Vento Levou, Último Tango em Paris. Tinha sessão todos os dias e nos finais de semana havia matinê. As latas com as películas chegavam em sacos de algodão trazidos pela empresa de ônibus Bonfim” – recorda Luiz.

Entre os 13 e 14 anos de idade, o filho de Fernandinho operava um dos projetores à carvão:

“O cinema tinha o porteiro e mais dois funcionários. Enquanto o que trabalhava na projeção apagava uma das máquinas, eu acendia a outra. Normalmente, as películas dos filmes vinham em dois rolos. As sessões aconteciam das 20h às 22h. Na plateia tinha gente de Itabi, Canhoba, Cedro, Amparo de São Francisco, Colégio e outras cidades e localidades de Sergipe e Alagoas” – acrescenta.

O cine Fernandes era muito mais que um cinema. Era uma casa de espetáculos, dotada com palco onde foram realizados shows memoráveis. Por ali passaram Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Waldick Soriano, Cauby Peixoto, Agnaldo Rayol, Jerry Adriani, os comediantes Oscarito e Grande e muitos outros.

Antes do show era projetado um filme, segundo Luiz. Isto dava tempo para os artistas hospedados no Hotel Florelisa se prepararem com calma. Permitia ainda que os espectadores lotassem os 850 lugares e o bar do mezanino, que tinha 12 mesas. Era possível ver filmes e shows, saboreando aperitivos e tomando bebidas.

Já a sorveteria, no andar térreo, fazia sucesso com a garotada que sorvia deliciosos picolés de coco e chocolate.

QUEM ERA FERNANDINHO?

Luiz define o pai como um homem apaixonado por cinema. Filho de um rizicultor da região, o empresário casou quatro vezes e teve 15 filhos (na ordem de casamentos teve 2, 2, 5 e 6 filhos). Foi proprietário de dois cinemas (o Fernandes e outro no município de Cedro de São João), em períodos diferentes, e arrendou o Cine Odeon, em 1965.

“Não acompanhei essa fase do Odeon, porém, sei que fechou e no mesmo local surgiu  outro chamado Veneza. Propriá teve três cinemas funcionando ao mesmo tempo” – diz.

Ainda de acordo com militar da reserva, o pai costumava escrever para os estúdios de cinema, atores e estações de rádio no Brasil e exterior , pedindo fotos autografadas. Fazia o mesmo para obter lembranças de cantores brasileiros e políticos internacionais.

O faroleiro guarda mais de 60 retratos e cartas que Fernandinho recebeu. Na lista de fotos que preenchem quatro álbuns estão Charles Chaplin, Harold Lloyd, Carmem Miranda, Bobby Brenn, Oliver Hardy e Stan Laurel (O Gordo e o Magro), Abott e Costelo, Alexis Smith, Francisco Alves, Orlando Silva, Quarteto de Bronze e muitos outros. Algumas fotografias têm apenas o autógrafo de pessoas, outras possuem dedicatórias endereçadas a Clementino. Há casos, como o de Margareth Thatcher, que a correspondência foi respondida por um de seus secretários.

No acervo de Luiz constam ainda panfletos de propaganda de filmes como Quo Vadis, Ben Hur, Terremoto. Interessantes também são os panfletos que anunciavam os shows de grandes cantores (ver galeria de fotos abaixo).

Luiz Britto conta que o pai ficava na sorveteria durante as projeções. Para entender o que os artistas diziam, já que só escutava os diálogos, fez curso de inglês no Instituto Canadense e ficou fluente.

O CÉU POR TESTEMUNHA

Em artigo publicado no site Propriá News, o professor de história Aderval Marques conta que Fernandinho cresceu assistindo filmes no Cine Odeon. Em 1950, comprou seu primeiro cinema, no município de Cedro de São João. O estabelecimento foi vendido três anos mais tarde quando o pai do empresário morreu.

Aderval conta que Fernandinho resolveu comprar cinco casas da rua Serapião de Aguiar para construir o que viria a ser o melhor cinema da cidade, “talvez do Nordeste”, após perder a concorrência da compra do cine Propriá para seu primo Jackson Figueiredo Guimarães. Assim, no dia 24 de julho de 1959, surgiu o Cine Fernandes. A renda do filme de inauguração, “O céu como testemunha”, foi cedida para ajudar na reforma da Igreja Matriz.

“Ir ao Cine Fernandes aos domingos era uma grande festa, todos vestiam sua melhor roupa para o desfile que acontecia antes das projeções (…). O melhor lugar para namorar era na parte térrea, logo abaixo da cabine de projeção, no “escurinho do cinema”, local conhecido como o “ boi” onde retratava na parede o bumba meu boi do nosso folclore. Nas laterais visualizava-se o colorido do navio “Comendador Peixoto”, que durante a festa do Bom Jesus dos Navegantes, conduzia a imagem do santo durante a procissão no leito do Rio São Francisco, em Propriá, feito pelo pintor canhobense Olívio Matias, o “mestre Olívio”, além das placas comemorativas de cantores famosos, quando das suas apresentações no palco do cine Fernandes” – descreve Aderval.

Em 1982, Fernandinho vendeu o imóvel.

Texto e imagem reproduzidos do site: meussertoes.com.br

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