Publicado originalmente no site Cine Set, em 18 de abril de 2014
Crítica do filme “Bye Bye Brasil”
Por Susy Freitas*
Interessante como alguns filmes não são excepcionalmente
bons, mas são extremamente emblemáticos. Seja pela direção acertada ou pelo
caráter profético que sua temática adquiriu com o tempo, “Bye Bye Brasil” entra
nessa categoria de filme. Sua estrutura narrativa é linear, simples e tão
direta quanto os personagens que nela são apresentados, além de ser totalmente
alinhada ao que se convenciona perceber como o gosto popular do público
brasileiro. O que seria uma receita de filme esquecível é justamente o seu
maior trunfo.
Antes de explicar a razão de o filme equilibrar sua faceta
“povão” com a qualidade, vamos à trama. Em “Bye Bye Brasil”, acompanhamos a
Caravana Rolidei, trupe de artistas que percorre diversas cidades do país.
Liderada por Lorde Cigano (José Wilker, fantástico!) e Salomé (Betty Faria), a
caravana escolhe lugarejos que não são dominados ainda pelas “espinhas de
peixe”, ou seja, pelas antenas das televisões, a novidade do momento que rouba
o público de outras atrações. Numa dessas cidades, unem-se a Cigano e Salomé o
casal Ciço (Fábio Jr.) e Dasdô (Zaira Zambelli), o que mais tarde gerará uma
espécie de “quarteto amoroso” na trama, à medida que eles se dirigem ao Norte
do país, embalados pela canção-título de Chico Buarque.
Alternando entre momentos de comédia e drama, a aventura da
trupe perpassa discussões políticas e sociais relevantes em suas entrelinhas.
Em seu subtexto, estão a busca desesperada do Brasil pelo “progresso” tão
alardeado pelo governo militar, a sensação de integração nacional através da
construção de estradas e pela chegada da própria televisão a locais antes
isolados, além da luta das atrações populares como o circo contra o
entretenimento que se torna cada vez mais mediado pelas tecnologias. Esta
última cobre o filme com certo véu metalinguístico, uma vez que o próprio
cinema enfrentou dificuldades com o advento da televisão, numa pendenga similar
ao que hoje passa contra a web. Nesse sentido, “Bye Bye Brasil” está anos-luz
da, para citar só um exemplo, tentativa de abordar um tema sério como o
trabalho escravo no recente “Crô”.
Divertido e despretensioso, “Bye Bye Brasil” segue uma linha
que lembra filmes mais recentes como “Cine Holliúdy” (2012) e “Cinema,
aspirinas e urubus” (2005). Ele representa um momento único da história
brasileira, no qual uma nova mídia (no caso, a TV) traz mudanças aos hábitos e
práticas sociais. Através do filme, relembram-se situações que hoje as gerações
mais jovens devem ter conhecido através de relatos de seus pais ou avós, que se
amontoavam em praças para assistir à “TV pública”, ou seja, ao único televisor
da cidade, com direito à presença do prefeito e do padre, enquanto as
quermesses e aparições de artistas viajantes se tornavam menos reluzentes e
atrativas frente à pequena tela do aparelho.
Também é claro em “Bye Bye Brasil” o espírito de uma época
calcado na esperança de uma abertura política iminente. A força que move cada
personagem, do principal aos secundários, é ter uma vida plena de alegria e
bens, longe do fantasma do subdesenvolvimento brasileiro. É dessa maneira que
os paupérrimos habitantes de um vilarejo se encantam quando Lorde Cigano faz
“nevar no sertão”, porque lembra a Europa e Estados Unidos, ou quando a rumba
de Salomé é anunciada um pedaço do Caribe; já os indígenas retratados no filme
desejam andar de avião, beber coca-cola e ficar com o ouvido colado no aparelho
de rádio. Resumindo: tenta-se vender uma imagem de patriotismo e integração,
mas tudo que é bom não é autóctone e o fato desses “produtos internacionais”
chegarem ao Brasil é o que valida o país como rumo ao moderno. Passadas décadas
desde o lançamento de “Bye Bye Brasil”, essa ironia implícita no filme só se
fortaleceu.
Ao listar todos esses elementos, pode-se pensar que “Bye Bye
Brasil” é um “filme cabeça”, de difícil fruição. Não mesmo! Se, por um lado, o
personagem de Wilker vive de maldizer a televisão, o filme traz uma leveza e um
riso fácil tranquilamente associável a bons programas humorísticos televisivos,
sustentado principalmente pela atuação excelente do ator. Vale frisar que essa
é uma característica que remete à atmosfera do filme, e não à sua estrutura:
“Bye Bye Brasil” está longe de ser “novela filmada para a tela grande” como
algumas comédias brasileiras atuais insistem em ser.
Como nem tudo são flores, há problemas em “Bye Bye Brasil”,
tal como as cenas de sexo esquisitas, mas o mais gritante deles responde pelo
nome de Fábio Jr. O ator-cantor nem de longe consegue transmitir a complexidade
de seu personagem, Ciço. O que deveria ser um homem quieto e rústico, encantado
pela possibilidade de encontrar amor, aventura e dinheiro pela estrada, mas que
se perde na espiral de promessas que nunca se cumprem vira simplesmente… Fábio
Jr. olhando para o vazio! Até mesmo Zaira Zambelli, que definitivamente não
brilha como a esposa Dasdô, consegue fazer melhor. A atuação do galã fica ainda
mais comprometida pelo fato de ele contracenar bastante com Betty Faria, que
interpreta a sensual e blasé Salomé. Esta não é dada a conversa e tem a
languidez de um gato, mas com a interpretação de Faria, mesmo o silêncio
expressa algo.
Falando em Dasdô e Salomé, ambas trazem algo interessante à
presença feminina no cinema. Ciço é obcecado por Salomé, e era de se esperar
que ela e Dasdô protagonizassem uma disputa por ele, situação essa que o cinema
e a televisão adoram colocar como prioritária às personagens mulheres. No
entanto, não é isso que ocorre em “Bye Bye Brasil”. Ainda que Salomé seja
libertária e Dasdô seja extremamente passiva, percebe-se que ambas têm tomadas
de decisão por si próprias. Dentre alguns exemplos está o fato de que Ciço não
obriga Dasdô a seguir com a Caravana Rolidei, coisa que ela mesma escolhe; em
outros momentos, Salomé deixa claro que teve relações sexuais com Ciço porque
quis, mas isso não significa que ela esteja apaixonada ou deva explicações a
ele. Mesmo quando Salomé e Dasdô despontam para a prostituição posteriormente
na trama, essa parece ser não uma imposição dos personagens masculinos, mas uma
difícil decisão que tomaram em prol do grupo.
Ainda sobre a atuação, há de destacar novamente a excelência
de Wilker. Em “Bye Bye Brasil”, percebe-se que não é de tempos recentes que ele
tinha um faro apurado para a comédia. Outro ator não faria melhor ao soltar, na
maior naturalidade, pérolas como “mar de cidade é cheio de cocô” ou chamar os
genitais de sua amada de “crica roxa” e, ainda assim, trazer carga dramática
para momentos pesados como quando Lorde Cigano explicita a Ciço que Salomé terá
que se prostituir para conseguirem dinheiro. Sua interpretação dá um senso de
unidade muito bem definido ao personagem em situações bem diversas, e isso num
filme “povão” e sucesso de bilheteria, o mesmo tipo de filme no qual muitos
atores ligam o “piloto automático” e atuam da maneira mais robótica possível.
Ao relembrar a associação do diretor Carlos Diegues com o
Cinema Novo, movimento cinematográfico de forte caráter político, vê-se que o
teor crítico das produções intelectualizadas daquela época ainda ecoaram no
popular “Bye Bye Brasil”, embora numa roupagem bem diferente. É curioso
conferir também que esse foi seu um de seus filmes de maior sucesso comercial,
ao passo que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1980. Saudade
de quando investiam mais em filmes divertidos que não duvidavam da capacidade
do público de pensar e rir ao mesmo tempo.
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* Formada em Letras e Jornalismo e mestre em Ciências da
Comunicação pela Universidade Federal do Amazonas. Atua como professora na área
de Comunicação. Escrevia sobre cinema em blogs pessoais e fez parte da equipe
do Set Ufam. Integra a equipe do Cine Set desde 2013. É membro da Associação
Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e das Elviras – Coletivo de
Mulheres Críticas de Cinema.
Texto e imagem reproduzidos do site: cineset.com.br

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