domingo, 2 de setembro de 2018

Crítica do filme: "Os Brutos Também Amam"


Crítica: Os Brutos Também Amam (Shane, 1953)
Por Alexandre Koball
Avaliação: 8.0
 
Uma das obras-primas do gênero faroeste, com um vilão muito bem construído.

Shane, o personagem de Alan Ladd, apresenta-se ao espectador como alguém totalmente misterioso. Cavalgando por uma belíssima planície, ele encontra a família Starrett, colonos que sonham em possuir uma fazenda para seu auto-sustento e acabam convidando Shane para trabalhar para eles. Assim conhecemos nosso herói, que neste faroeste é cheio de problemas e foge bem do estereótipo de herói invencível e auto-confiante encontrado na média de filmes do gênero.

Um fato curioso é que, durante todo o tempo, não ficamos sabendo praticamente nada da vida anterior de Shane. Talvez não seja necessário. Como outro clássico do gênero, Sete Homens e um Destino (dirigido por John Sturges, de 1960) bem demonstrou, a vida desses heróis errantes é solitária e triste, e é assim que Shane comporta-se durante todo o filme. Mesmo com todo carinho e aceitação da família Starrett, ele não consegue perder as feições de um homem que é infeliz. Isso o transforma em um personagem bastante especial e identificável. Não é apenas o herói infalível dos filmes de faroeste. Embora seja óbvio que ele tem grandes habilidades com a pistola, o espectador confirma isso (ou não) apenas no final do filme.

Configurando-se mais como um drama do que como um filme de ação com grandes duelos, Os Brutos Também Amam foi certamente uma grande inspiração para muitos filmes posteriores. O clássico moderno Os Imperdoáveis tem características muito semelhantes a ele, citando um exemplo (como a confrontação final, que é muito parecida). O filme também chega a arriscar outras vertentes, com temas como adultério (uma leve insinuação, que pode passar desapercebida por muitas pessoas) e coragem (nunca desistir do que é seu e do que você considera o certo – há vários exemplos motivadores).

Temos também um personagem muito interessante: o garotinho Joey, interpretado pelo ator Brandon De Wilde. Brandon tinha 11 anos na época de lançamento do filme, e muitos críticos consideram que ele roubou a cena de Alab Ladd, o protagonista do filme. Brandon foi indicado ao Oscar no ano seguinte por seu papel, onde ele passa o filme todo idolatrando Shane. Brandon conseguiu algo bastante difícil: levar sua carreira adiante em um status bastante elevado durante sua adolescência e início da idade adulta, atuando em um bom número de filmes, mas acabou morrendo em um trágico acidente de carro logo aos 30 anos de idade. Poderia, quem sabe, ter se tornado um dos grandes nomes de Hollywood.

Além de Brandon, o filme arrecadou outras cinco indicações, incluindo melhor filme e direção para George Stevens, mas acabou vencendo apenas melhor cinematografia a cores que, por sinal, é realmente esplendorosa. É um dos faroestes mais bonitos que existem, para falar a verdade. As planícies quase sem fim se encontram muito ao fundo com lindíssimas montanhas cobertas de neve, enquanto verdes pastos e belas casinhas rústicas servem de locação para a história. A sensação de liberdade apenas não é maior por causa do vilão do filme, que quer expulsar os colonos (entre eles a família Starrett, a mesma que acolheu Shane em sua casa durante sua passagem por suas terras) do vale e tomar para si as terras.

Aqui chegamos a outro ponto forte do filme. O vilão (Ryker) é muito bem caracterizado e sabe justificar muito bem seu comportamento, em um discurso bem ensaiado de direitos. Ele é tão convincente que pode até mesmo gerar dúvidas se pode não estar certo. Além do quê Ryker não é apenas um vilão inescrupuloso: ele se importa com a lei e tenta expulsar os colonos sem quebrá-la. Para isso contrata o pistoleiro Wilson (Jack Palance), este sim um personagem sem muita profundidade que está lá apenas para causar preocupação nos colonos – ele fala muito pouco durante todo o filme, mas causa impressão forte devido ao seu porte, fazendo de sua figura uma ameaça constante por onde quer que ande. O filme, claro, tem também uma mocinha, Marian, interpretada por Jean Arthur, atriz que fez muitos filmes maravilhosos como A Mulher Faz o Homem, de Frank Capra. Ela não é uma típica e irritante mocinha de faroestes, tipo que se caracteriza por ser chata e arrogante (veja minha crítica para Rio Vermelho), e sim uma mulher de valores e que causa simpatia no espectador.

Os Brutos Também Amam é uma adaptação do romance de Jack Schaefer e um dos grandes faroestes que Hollywood já produziu. Não apresenta nada de realmente novo para o gênero, mas é desenvolvido em cima de personagens e valores bem fortes, além de ser lindo e, às vezes, emocionante de ser assistido. O filme possui algumas falas memoráveis que hoje são famosas (“- Uma arma é uma ferramenta, Marian. Não melhor nem pior que qualquer outra ferramenta. Um machado ou uma pá ou qualquer coisa. Uma arma é tão boa ou tão ruim quando o homem que a usa. Lembre-se disso.”). Se há um ponto fraco marcante é a falta de uma trilha sonora melhor, ou pelo menos um tema marcante, como o encontrado em Matar ou Morrer, filme da mesma época. Ainda assim, Shane é um faroeste mais que obrigatório para os amantes do bom cinema.

Por Alexandre Koball, em 11/11/2004 

Texto reproduzido do site: cineplayers.com

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