quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Crítica do Filme: “BABEL”

Cartaz de divulgação do filme, postado pelo blog, 
para ilustrar a presente crítica.

Texto publicado originalmente no site Críticos, em 22.01.2007

BABEL de Alejandro González Iñárritu 
Por Luiz Fernando Gallego

Festa para Masoquistas

Em Babel, fazendo jus ao título, escutamos falas em inglês, espanhol, árabe, japonês e até mesmo duas frases em francês. Diferentes locações e personagens de diversas nacionalidades sofrem uma inesperada verticalização em suas vidas subitamente "globalizadas" a partir de um tiro de fuzil disparado pela inconseqüência de dois meninos marroquinos em posse de uma arma de fogo. Para tornar o significado já óbvio do título ainda mais explícito, uma personagem é surda-muda e, ao se deter sobre ela, algumas cenas se alternam entre tomadas objetivas - cheias de som e de fúria em discotecas de Tóquio - e cenas como que vistas pelos olhos da jovem Chieko (Rinko Kikushi, comovente em ótimo desempenho) - quando o que se escuta é o som do silêncio no qual vive imersa.

Mas não precisamos ser surdos para não escutarmos e/ou não entendermos nossos semelhantes, tão próximos e tão distantes - seja geográfica, seja culturalmente. Esta seria uma das “mensagens” explícitas do filme. Para demonstrar seu teorema (que é auto-explicativo), o diretor Alejandro Iñárritu e o roteirista Guillermo Arriaga pesaram a mão nas desgraças encenadas, indo além do que já nos ofertaram em matéria de infelicidade nos seus filmes anteriores, Amores Brutos e 21 Gramas, sugerindo que as raízes dos antigos dramalhões mexicanos invadiram a sua torre de Babel.

Tal como em seus outros filmes, a narrativa segue uma linha anacrônica de exposição dos fatos, o que parece ser um golpe de efeito para deixar a platéia em estado de tensão quase intolerável. Pois o espectador acompanha, alternadamente, uma espécie de ação “atual” no México fronteiriço com os Estados Unidos enquanto tem acesso a eventos ocorridos “antes”, no Marrocos. Neste país, os turistas Brad Pitt e Cate Blanchett encontram seu dia de O Céu que nos Protege – e melhor seria dizer “não protege”: numa terra estranha, em crise pela perda mais anterior de um filho, ela foi atingida por uma bala - nem tão - perdida e o calvário da falta de assistência numa estrada que corta a região, árida e semi-desértica, nos é mostrado em detalhes tantalizantes. Destaque-se a carência de solidariedade dos demais companheiros de viagem - ocidentais - chocando-se com a tentativa humilde de auxílio, ainda que primitiva e sem recursos, prestada por árabes em atitude conformada e fatalista, mas não necessariamente indiferente. Claro que estamos falando das pessoas simples de vilas miseráveis e não das “autoridades”, sejam marroquinas ou americanas, que encaram a situação como “política”, temendo que tenha havido um ato terrorista.

Já a “ação” mexicana, cronologicamente subseqüente ao que se acompanha no Marrocos - embora exibida simultaneamente - envolve um casalzinho de filhos de Pitt e Blanchett atravessando a fronteira, levados ao México pela governanta (ilegal nos EUA) que não tem com quem deixá-los para ir ao casamento de seu filho. Novamente a inconseqüência algo naïve – agora dos chicanos, especialmente por parte do personagem interpretado caricaturalmente por Gael García Bernal – vai colocar as crianças e a (até então) cuidadosa babá (Adriana Barraza, excelente) em sérios e graves riscos, incluindo a desorientação em um deserto como aquele onde estão os pais das criancinhas americanas, em situação tão ou ainda mais difícil. A escolha sobre quem sofre mais lembra a (falta de) "escolha de Sofia".

O espectador acompanha as duas ações em cenas que se alternam, sabendo que uma desgraça antecedeu a outra, mas sem saber o que de pior ainda poderá acontecer a uns e outros. Em algum momento, o desfecho já não importa: não interessa mais se os perigos se atenuarão ou se tudo vai ficar pior ainda do que já está, pois a platéia já foi levada a um estado de expectativa e angústia que faria a festa do mais dedicado masoquista.
  
Paralelamente, a história da jovem japonesa fica – em parte – como um corpo estranho em relação às duas outras narrativas, o que por um lado enfraquece este segmento que, isoladamente, poderia redundar num filme à parte até bem interessante. O problema é que, mesmo existindo uma conexão Tóquio com os demais eventos, o que se passa com a surda-muda Chieko pouco ou nada tem a ver com os mesmos fatores que desencadearam as duas outras ações. A moça, que perdeu a mãe há menos de um ano, sente-se rejeitada e marginalizada por sua deficiência auditiva; e apenas a presença de um detetive (outro ótimo desempenho) em busca de informações sobre a origem do fuzil que foi parar nas mãos dos meninos marroquinos é que liga o drama da jovem ao restante da ação. A ligação mais forte acaba sendo através de algo menos concreto do que um tiro, mas talvez tão forte quanto: o desamparo e a solidão nossa de cada dia, seja nos desertos, seja nas grandes cidades.

Já não importam tanto a força dos atores ou a habilidade manipuladora do cineasta com os golpes de efeito do roteiro (algumas vezes com causas e conseqüências passíveis de algum questionamento): a soma rebarbativa de desgraças para a família americana chega às raias do intolerável enquanto a exposição da insensatez humana em seus preconceitos e desgovernos fica em pano de fundo - e até mesmo por sua obviedade. A exasperação a que o espectador pode ser conduzido atinge seu auge quando uma ameaça de amputação alimenta o clima de expectativa de que o pior ainda pode estar por vir ( !!! ) . Desta vez, os recursos novelescos embalados por narrativa cinematográfica artesanalmente eficiente não foram suficientes para que Iñarritu reproduzisse os melhores resultados de 21 Gramas e deixam novamente em situação bem questionável o cineasta que “comentou” o “11 de setembro” em um filme coletivo com as imagens concretamente óbvias e chocantes dos corpos caindo das torres.

Texto reproduzido do site: criticos.com.br

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