Texto publicado originalmente no site Literário e Cinematográfico,
em 12/07/2012
Duas Mulheres
La Ciociara. Itália, 1960, 100 minutos, drama. Diretor:
Vittorio De Sica.
Sophia Loren apresenta uma das melhores interpretações
femininas do cinema!
Quando começou a produção de La Ciociara, filme que mostrava
as conseqüências da guerra numa família simples, composta de mãe e filha, numa
pequena cidade italiana, que dá nome ao filme, Anna Magnani deveria estrelá-lo
interpretando a personagem Cesira, enquanto Sophia Loren interpretaria Rosetta,
sua filha. Devido a algumas exigências de Magnani, que à época já havia
concorrido duas vezes ao Oscar, seu nome acabou desligado do filme e, por
indicação dela mesma, Loren ficou com a sua personagem, participando dessa
produção italiana depois de já estar há alguns anos filmando nos Estados
Unidos.
É de Alberto Moravia a história de que o roteiro se
apropriou para tomar forma e, no romance, Moravia nos conta sobre duas
mulheres, mãe e filha, que, durante a Segunda Guerra Mundial, saem de Roma
assim que a cidade começava a ser bombardeada pelas tropas alemãs. As duas
partem de trem, mas são obrigadas a percorrer um grande trecho a pé, chegando,
por fim, à pequena região da Ciociara, local onde Cesira cresceu e onde estão
ainda alguns de seus parentes, inclusive Michele, um rapaz que não cumpriu seus
deveres militares a fim de continuar lecionando. Aparentemente fora do alvo
alemão, cabe à mãe e à filha encontrarem meios de sobreviver naquele lugar.
O enredo da história relega aos dramas pessoas a sua força.
Não há muita ação, nem muitos percursos percorridos pelas personagens, que só
verdadeiramente se deslocam poucas vezes no filme, sobretudo no começo e no
fim. O seu drama se encontra na situação das personagens e no modo como elas
encaram aquilo que está por vir: estão ágoras seguros naquelas colinas, mas não
têm o que comer, o que não é nada animador – pelo contrário, é bastante
preocupante. Cesira inclusive encontra um homem que lhe vende um queijo – com a
inflação, o preço do alimentou subiu de maneira exorbitante, resultando num
simples produto com um valor que não se justifica pela qualidade. Não é à toa
que Cesira se lança a uma procura por farinha e açúcar, tudo em nome da filha,
a pequena Rosetta, que, como ela mesma diz, não tem nem sequer treze anos, e
que precisa ser cuidada.
Uma das cenas iniciais já mostra uma Cesira bastante forte:
a mulher se deita com Giovanni, um amigo da família, mais especificamente
suposto amigo de seu falecido marido, com quem Cesira parecia não se dar bem.
De Sica a apresenta a nós agistralmente nessa cena: é aí que conhecemos toda a
grandeza dessa mulher, até mesmo no ato de transar: as luzes somem pouco a
pouco enquanto a mulher se deita, a câmera enquadrando seu rosto, numa
fotografia perfeita, num olhar singular de Loren que demonstra desejo e tensão.
Não ver mais nada – afinal, tudo fica escura e já se muda a cena – não quer
dizer nada: conhecemos já uma vertente fundamental daquela mulher. Digo
fundamental porque o desejo é o elemento que não se mostrará em Cesira até o
fim da narrativa, ainda que, eventualmente, ela tenha outra aventura amorosa –
ela agora está totalmente dedicada à filha e, como ela mesma diz, quando se tem
uma filha como ela tem, não resta tempo para pensar em romance ou em sexo. A
personagem é completa, afinal, dotada inclusive de libido.
Apresento essa informação porque, honestamente, é dificílimo
assistir a esse filme e não observar Sophia Loren. Às vezes, olhamo-la mais do
que vemos o que realmente está acontecendo em cena, tamanha é a sua
grandiosidade como intérprete e, também, a sua feminilidade aflorada do começo
ao fim. É linda, desses rostos que não se esquece – nem se quer esquecer.
Quando ri, o espectador ri junto: sua risada é espontânea e alegre, basta ver a
cena que Michele, sem querer, ao falar com ela pela janela, vê sua filha a
tomar banho – a garota e ele se envergonham, e ela ri da situação, ri com tanto
charme e desenvoltura – desenvolta até na risada – que cabe ao espectador
acompanhá-la naquele momento fugaz de contentamento. Cabe dizer que a dona de
casa e mãe batalhadora de Sophia Loren é provavelmente uma das mais sensuais do
cinema, mesmo que esteja trajando vestes que pouco insinuem suas curvas ou que
pouco queiram chamar a atenção. Penso que seja o pleno domínio de Loren que a
levou, dois anos depois, a ganhar o Oscar, tirando-o das mãos de Audrey
Hepburn, que competiu por “Bonequinha de Luxo” (1961), uma das concorrentes
mais queridas da edição de 1962,
Acredito que seria bastante fácil que esse filme se tornasse
monótono. Como disse, as movimentações bruscas e verdadeiramente notáveis
acontecem no começo e no final da película, havendo apenas um “pequeno grande
momento” em meados da narrativa. Não se trata de uma obra cujo roteiro
justifica por si só o entretenimento do espectador nem garante que ele vá assistir
ao filme até o final sem bocejar, pois, definitivamente, a mãe desse título é
diferente da mãe de “Erin Brokovich – Uma Mulher de Talento” (2000), que está
inserida numa causa transpiratória que, querendo ou não, alavanca muito mais
ação do que aqui. Seria fácil que o filme se tornasse desinteressante, uma vez
que também, entre os personagens, não há o conflito que se vê em “Quem Tem Medo
de Virginia Woolf?” (1966), no qual, ausentes outros ambientes e objetos de
intriga, os personagens se entregam à completa devastação física e moral
através de longas agressões uns contra os outros. Em “Duas Mulheres” – bastante
apropriada a escolha do título – mostra a relação entre as duas mulheres cujos
dramas pessoais dão corpo à trama, e, vale apontar, nem sempre elas vivem
situações perigosas, que instiguem tensão ao espectador: às vezes, há somente a
sensação de calmaria, de tranquilidade. E De Sica soube conduzir
assombrosamente bem a trama, fazendo-nos atentar para cada segundo do que
acontece ali, tornando o seu filme uma película prazerosa de se assistir.
Os minutos finais chocam o espectador, não que não esperava
nenhuma surpresa – ainda mais uma tão grosseira e bruta como a que vemos.
Cesira, num momento, se joga em frente a um comboio vindo de um campo de batalha
e grita aos soldados ingleses se eles não percebem o quanto faz mal toda aquela
guerra. É o ápice da trama e também o momento no qual nos deparamos com a
grande dor da narrativa, tornando-nos cônscios da magnitude da interpretação de
Sophia Loren, que antes nos havia conquistado com seu riso, mas agora também
nos conquista com seu choro. De Sica transforou uma miudeza numa obra singular,
elogiável, cuja qualidade não se dissipou, apesar de passados cinquenta e dois
anos desde o seu lançamento oficial – a obra é atemporal e excelente para
mostrar o quanto uma guerra é capaz de afetar negativamente as pessoas,
independentemente de suas classes sociais, credos ou gêneros. Definitivamente,
é uma produção para se assistir mais de uma vez.
Texto reproduzido do blog: literarioecinematografico.blogspot.com
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