quinta-feira, 23 de julho de 2020

Paulo Emilio Salles Gomes (1916 - 1977)



Publicado originalmente no site da ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL

Paulo Emilio Salles Gomes
Data de nascimento de Paulo Emilio Salles Gomes: 1916
Local de nascimento: Brasil/São Paulo/São Paulo
Data de morte: 09-09-1977
Local de morte: Brasil/São Paulo/São Paulo)

Biografia

Paulo Emilio Salles Gomes (São Paulo, São Paulo, 1916 - Idem, 1977). Ensaísta, crítico de cinema, professor, escritor, roteirista. Em 1935, em parceria com Décio de Almeida Prado (1917-2000), publica a única edição da revista Movimento, de inspiração modernista. Ainda jovem, é militante de esquerda e em dezembro de 1935, é preso pelo governo Getúlio Vargas. Em 1937, escapa do presídio Maria Zélia e parte para a França, onde fica até eclodir a 2ª Guerra Mundial, em 1939. Lá, conhece Plínio Sussekind Rocha (1911-1972), antigo membro do Chaplin-Club (1929-1931), responsável pelo seu interesse em cinema, conhece Victor Serge, dissidente do regime soviético, e acompanha os processos de Moscou (1936-1938). Volta ao Brasil e ingressa no curso de filosofia, da Universidade de São Paulo (USP), em 1940, graduando-se em 1944. Com Antonio Cândido (1918), Décio de Almeida Prado e outros intelectuais, funda o Clube de Cinema de São Paulo, em 1940, fechado em 1941 pelo Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP), e a revista de cultura Clima (1941), em que é responsável pela seção de cinema.

Participa da Batalha da Borracha1, dentro dos esforços brasileiros na 2ª Guerra Mundial, primeiro ao realizar um documentário, nunca concluído, e, depois, como chefe do Posto de Altamira, no Pará. Ao voltar, milita em grupos socialistas independentes, como a União Democrática Socialista. Em 1946, com o fim da guerra, volta à França, quando se engaja na preservação cinematográfica e pesquisa o cineasta francês Jean Vigo (1905-1934) e seu pai, o militante anarquista Miguel Almereyda (1883-1917). A pesquisa resulta no livro Jean Vigo (França, 1957), vencedor do prêmio Armand Tallier. As biografias são publicadas no Brasil, postumamente, como Jean Vigo (1984) e Vigo, Vulgo Almereyda (1991).

Retorna ao Brasil em 1954 para realizar o 1o Festival Internacional de Cinema de São Paulo, parte integrante das festividades relativas ao quarto centenário da cidade de São Paulo. Participa da fundação da Cinemateca Brasileira, em 1956, que dirige, e implementa diversas atividades, como exibições de filmes e debates.  Colabora no “Suplemento Literário”, do jornal O Estado de S. Paulo entre 1956 e 1965, quando escreve Uma Situação Colonial?. Em 1964, participa da criação do curso de cinema na Universidade de Brasília, interrompido em 1965 pelo Regime Militar. Também é o criador da 1ª Semana do Cinema Brasileiro, em 1965, evento que origina o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Escreve, entre outros, o livro 70 Anos de Cinema Brasileiro (1966), com Adhemar Gonzaga (1901-1978), e o ensaio Cinema: Trajetória do Subdesenvolvimento (1973) para a revista Argumento. Com sua esposa, Lygia Fagundes Telles (1923), faz o roteiro do filme Capitu (1968), de Paulo César Saraceni (1933-2012) e, com David Neves (1938-1994), o de Memória de Helena (1969), de Neves. Integra o corpo docente da Escola de Comunicações Culturais da USP, em 1967. Doutora-se em 1972. A tese gera o livro Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte (1974). Publica, em 1977, a única incursão na literatura com a série de novelas Três Mulheres de Três Pppês, vencedora do Prêmio Jabuti.

Análise

Paulo Emilio Salles Gomes transita por diferentes segmentos no campo do pensar o cinema. Duas vertentes destacam-se e complementam-se: o crítico de cinema e ensaísta, que busca a reflexão e a pesquisa histórica, publicando em jornais, revistas e livros e o educador e preservador, que acredita no do debate e na difusão dos filmes. Até a primeira viagem à França, seu principal interesse é a política e a literatura.

Na revista Clima, Paulo Emilio desenvolve o trabalho como crítico de cinema e ensaísta. Em seus textos, debruça-se para além do tema e do conteúdo, como era costume na imprensa brasileira, e versa sobre a linguagem do cinema, além de fazer análises detalhadas dos cineastas. Nessa fase, escreve apenas sobre filmes estrangeiros. Volta para Paris em 1946. Lá, faz a longa pesquisa Jean Vigo, sobre o cineasta de vanguarda. No livro, busca desvendar as fontes de inspiração, as características e o estilo da obra do cineasta, que, segundo Paulo Emilio, fundamenta-se na compreensão do legado do pai.

Quando retorna ao Brasil em 1954, projeta outra forma de pensar o cinema: uma cinemateca fortalecida e uma crítica atualizada, centradas na produção local que antes ele ignorava. Dedica-se à batalha de consolidação das atividades de preservação de filmes e é um dos fundadores da Fundação Cinemateca Brasileira, em 1956, instituição que teve como origem a Filmoteca do Museu de Arte Moderna de Sâo Paulo, que havia sido criada dentro do espírito do antigo Cine-Clube criado na USP por ele e seus amigos. Na sua atividade crítica, introduz análises dos entraves encontrados pela produção de filmes no Brasil.

A condição do cinema brasileiro ganha relevo no final dos anos 1950, no texto crítico “Uma situação colonial?”, publicado em 19 de novembro de 1960, no “Suplemento Literário” do jornal O Estado de S. Paulo. O ensaio transcreve a comunicação proferida na Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica, base para os estudos e a militância de Paulo Emilio pelo cinema. A partir de meados dos anos 1960, dedica-se à formação e preservação do cinema brasileiro. Nesse sentido, o texto “Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento”, publicado na edição nº 1 da revista Argumento, de outubro de 1973, aprofunda o do “Suplemento” e renova a interpretação historiográfica do cinema no Brasil. Segundo o autor, pelo subdesenvolvimento do país, o cinema nacional não pode ser protagonista em sua terra de origem. A começar pela condição de colônia, sem identidade própria, no que ele chama de “a dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro”. A identidade brasileira é emprestada do ocupante e o país, mesmo depois de independente, permanece submisso ao estrangeiro. O cinema, assim, vem ao Brasil como mercadoria importada, que exerce o domínio sobre a população. No ensaio, Paulo Emílio expande a ideia de que o cinema brasileiro tem uma “incompetência criativa em copiar”. Os filmes nacionais, apesar de simularem uma narrativa estética e estilística de Hollywood, trazem na precariedade da realização marcos distintivos de nossa cultura uma falsa assimilação. Criam uma prática tipicamente nossa que encontra respaldo no público, como a chamada bela época (1908-1911) e a chanchada. Para o autor, só com o cinema novo que a produção brasileira rompe com tal tendência, ao inferir, divulgar e refletir sobre a condição subdesenvolvida, sem respaldo de um público massivo.

A formulação de uma historiografia é evidente na tese sobre Humberto Mauro (1897-1983). A pesquisa traça a origem do cineasta, sua formação e afins. Delimita as influências de Mauro, como a conjuntura histórica de sua cidade natal, Cataguases, Minas Gerais, ou o respaldo e diálogo com a revista Cinearte (1926-1944). Como resultado, no livro Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte, o autor alterna crônica, descrição, perfil biográfico e análise dos filmes para apresentar a obra do cineasta em Cataguases, antes de se profissionalizar no Rio de Janeiro a partir de 1930. A obra de Mauro ganha contornos de formação do cinema brasileiro, que tem continuidade dentro de uma historiografia2.

Além do texto escrito, Paulo Emilio acredita no poder da exibição e da discussão dos filmes. Resgata, assim, uma atitude política com ênfase ao cinema brasileiro. Como professor, promove debates semanais sobre um filme brasileiro em cartaz. Dá continuidade ao seu sistemático empenho pela consolidação da Filmoteca do Museu de Arte Moderna (MAM/SP) e da Cinemateca Brasileira.  Apesar de demonstrar predileção pelo cinema novo e pelo cinema marginal, Paulo Emilio evidencia a necessidade de estudo e difusão de todo o cinema brasileiro, desde os “maus” filmes até os “bons”, contrariando a crítica do período. Dessa experiência, em texto para o Jornal da Tarde, aponta:

“O filme ruim, pelo simples fato de emanar de nossa sociedade, tem a ver com todos nós, e adquire muitas vezes uma função reveladora. Abordar o cinema brasileiro de má qualidade implica numa luta tenaz contra o tédio mas é raro que o esforço não seja compensado. O subdesenvolvimento é fastidioso, mas sua consciência é criativa.” Com tal premissa, Paulo Emílio cria parâmetros para outra forma de enxergar o cinema brasileiro.

Notas

1 Campanha do governo do Estado Novo para o fornecimento de matérias-primas aos Estados Unidos, especialmente a borracha, durante a 2ª Guerra Mundial. A mão de obra necessária vem do recrutamento de trabalhadores nordestinos, os soldados da borracha, enviados à Amazônia para extrair o látex.

2 Cf. MENDES, Adilson. Trajetória de Paulo Emilio. Cotia: Ateliê Editorial, 2013, p. 77-78.
3 Presente no texto A alegria do mau filme brasileiro, publicado em Movimento, 1 set. 1975. Cf. CALIL, Carlos Augusto; MACHADO, Maria Teresa (Org.). Paulo Emilio: Um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense; Rio de Janeiro: Embrafilme, 1986, p. 307.

PAULO Emilio Salles Gomes. 
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. 
São Paulo: Itaú Cultural, 2020.
Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa7873/paulo-emilio-salles-gomes>. Acesso em: 23 de Jul. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7

Texto reproduzido do site: enciclopedia.itaucultural.org.br

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