sábado, 17 de abril de 2021

Análise do filme: "O Padre e a Moça" (1965)

O Padre e a Moça

Artigo da seção obras

Cinema 

Data de criação O Padre e a Moça:1965

Atualizado em: 14-06-2016

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 O Padre e a Moça [cartaz] , ca. 1965 , Joaquim Pedro de Andrade

Reprodução fotográfica autoria desconhecida

Análise

O Padre e a Moça é escrito e dirigido por Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988). Com Helena Ignez (1939) e Paulo José (1937) no elenco e fotografia de Mário Carneiro (1930-2007). Inspirado no poema O Padre, a Moça, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o filme é o primeiro longa-metragem de ficção de Joaquim Pedro, que já havia chamado a atenção da crítica com o curta-metragem Couro de Gato (1961), episódio do longa-metragem Cinco Vezes Favela, e com o documentário Garrincha, Alegria do Povo (1963). Faz parte da corrente estética e política do Cinema Novo.

Filmado em Minas Gerais, O Padre e a Moça teve sua exibição proibida no estado e, cerca de duas semanas depois, duas cenas centrais suprimidas pela censura federal: a do ato que consuma o amor do casal, e a cena final, em que o casal é encurralado na gruta. Estes dois cortes provocam protestos veementes de críticos e jornalistas como Ignácio de Loyola, do jornal Última Hora, que classifica o ato de criminoso, "um abuso de autoridade, uma cocorocagem policial, um assassinato". No dia da estréia do filme em São Paulo, o Jornal da Tarde faz uma pesquisa entre os espectadores, que, em uníssono, discordam da sua proibição.

O Padre e a Moça narra a história, inspirada no poema de Drummond, do amor de um jovem padre e uma bela moça em uma pequena cidade conservadora do interior. Com a morte do velho padre e a chegada de seu jovem substituto (Paulo José - 1937), a pequena cidade sai do seu marasmo habitual para iniciar um rearranjo da velha ordem, com a apropriação pelas beatas da atenção do recém-chegado e com a retomada do ritual de obediência ao poder local que é a visita que o padre faz, no início do filme, ao seu Honorato (Mário Lago (1911-2002)), chefe do garimpo e padrasto incestuoso da moça Mariana (Helena Ignez).  A gradual aproximação entre o padre e Mariana se dá à medida que a história dela lhe é contada por três homens diferentes: o primeiro, o padre velho, que no seu leito de morte pede para o seu sucessor protegê-la; o segundo, o farmacêutico alcoólatra Vitorino, amante de Mariana e que é por ela apaixonado, e o terceiro, o seu Honorato, que cuidou de Mariana desde os dez anos de idade e que com ela mantém uma relação de concubinato.

O filme mostra o embate entre a vontade de viver dos dois jovens e a opressão vinda do moralismo das velhas beatas e do poder coronelista do velho Honorato; entre a vontade de expressão e da de repressão; entre a liberdade e o aprisionamento. Há o uso deliberado de contrastes e contraposições que estão presentes no poema de Drummond, como as antíteses claro/escuro e demônio/deus. Palavras como "sombra, negro amor, rendas brancas, negro destino, escureza da batina, alvas espadas, coisa preta no ar, meia-treva, ensombrada, breve clarear, noitidão, primas de luz" permeiam todo o poema e, transformadas em imagens, também todo o filme, que tem na fotografia de Mário Carneiro a sua grande forma de expressão.

Ao privilegiar a iluminação lateral nas cenas noturnas, o fotógrafo acaba por criar sombras e deixar rostos ora no claro, ora no escuro. A cena em que este recurso é mais eloqüente é a da fuga da cidade, que acontece pouco após Mariana ir à casa do padre, onde ela demonstra seus sentimentos em relação a ele. Após ser visto ao lado de Mariana, o padre é hostilizado pelas velhas beatas, que a consideram uma ameaça à moral. Isso o impele a tirar a moça da cidade, fugida, antes que ela se case com seu Honorato e se renda à sentença que, persistindo na cidade, seria inexorável. O padre vai procurá-la em sua casa e a chama para fugir dali, e os dois correm pela cidade à noite numa sucessão de luzes e sombras, claros e escuros, pretos e brancos. A batina preta do padre e o vestido branco da moça se misturam às paredes brancas das casas e ao negrume do céu, às ruas iluminadas e becos escuros.

No dia seguinte, andando na estrada de terra, a satisfação de Mariana está estampada em seu rosto alvo, plácido, enquanto a expressão do padre é a de um homem atormentado, em trevas. Ela aceita o amor que sente pelo padre e também as suas conseqüências: não parece se importar de virar uma mula sem cabeça. E é com grande tranqüilidade que fala: "Não sei se é o demônio mesmo ou se é Deus que está no meu corpo". A cena em que o amor dos dois é consumado é construída com extrema delicadeza: os planos são muito próximos e quase não há ação. No momento da posse, o quadro divide-se no preto da batina e no branco da carne de Mariana, num plano sem movimento aparente.

A estrofe que narra a cena final do poema: A gruta nem é negra/ de tantos negrumes que se fundem/ nos ângulos agudos/ a gruta é branca, e chama, é também a cena final do filme. E essa cena é de suma importância pois, se o filme é inspirado no poema, o poema teve como inspiração a existência de uma gruta chamada Gruta do Padre, no interior de Minas, terra do poeta. É lá que nasce o poema e morre o casal, sufocado pela fumaça do incêndio causado pelas beatas e capangas do seu Honorato - personagens vividos pelos próprios habitantes do vilarejo de São Gonçalo das Pedras, onde o filme foi feito. Após a cena final, o filme se encerra com um verso do poema de Drummond, numa imagem que se alterna em negativo e positivo: "Ninguém prende aqueles dois, aquele um negro amor de rendas brancas".

 A recepção crítica do filme foi predominantemente positiva, com comparações a Robert Bresson feitas por críticos como Rubem Biáfora (1922-1996) (O Estado de São Paulo), que o classifica como "o filme mais bonito e tocante de todo o nosso cinema", e Antônio Lima (Jornal da Tarde), que exalta os "dons de poeta" do diretor e define a história como "o mais lírico caso de amor do cinema brasileiro". Recebeu ainda uma ótima recepção de críticos-cineastas como Maurice Capovilla (1936) e Rogério Sganzerla (1946-2004), ambas publicadas no JT, que exaltam a interpretação contida e suave de Helena Ignez, em seu quarto longa-metragem, e a revelação do talento de Paulo José, em sua estréia no cinema e já chamado por Rubem Biáfora (1922-1996) de "o primeiro grande intérprete masculino lançado pelo cinema-novismo". A música, de Carlos Lira (1939), recebe elogios até mesmo de críticos que antes desaprovaram seu trabalho em Gimba, Presidente dos Valentes (1963).

O poeta Mário Chamie (1933-2011), em artigo na revista Práxis, faz também um elogio ao filme, afirmando que ele "universaliza a situação confinada, projetando-a como uma estrutura-símbolo de uma sociedade em que a transformação é condenada e a auto-libertação proibida", e que não é "um filme inspirado num poema, mas um filme que confere a veracidade crítica do poema".

O Padre e a Moça, porém, não alcança sucesso de bilheteria. Sua recusa ao melodramático, em explicar as intenções e motivações, sua insistência na inação, nas elipses, seu ritmo lento, é algo que afugenta o público.  Nas palavras de Alex Viany (1918-2012), temos uma "narrativa quase taquigráfica", de "discrição quase pundorosa", e uma "falta de motivação psicológica para aquele amor em particular". Todavia, como muitos dos críticos da época, ele vê, no filme, um "sincero empenho de dizimar os remanescentes medievais que, em pleno século XX, pretendem ainda sofrear e bitolar os mais legítimos sentimentos humanos".

O filme concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Berlin em 1966 e, no mesmo ano, venceu o troféu Candango no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (na época, chamado de Semana do Cinema Brasileiro) nas categorias Melhor Atriz e Melhor Fotografia.

Ficha Técnicada obra O Padre e a Moça:

Data de lançamento

1965

Autores

Joaquim Pedro de Andrade

Representação (1)

Título da obra: O Padre e a Moça [cartaz]

Artigo da seção obras

Temas da obra: Artes visuais 

Data de criação O Padre e a Moça [cartaz] :ca. 1965

Autores da obra:Joaquim Pedro de Andrade

Imagem representativa da obra

Legenda da imagem representativa:

Reprodução fotográfica autoria desconhecida

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Fontes de pesquisa (3)

ANDRADE, C. D. Lição de Coisas. São Paulo: Ed. José Olympio, 1962.

ANDRADE, J. P.; VIANY, A. Crítica e autocrítica: O Padre e a Moça.  Revista Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, ano I, n.7, maio de 1968. pp 251-257.

CHAMIE, M. Casa da Época. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979. pp 205-207.

O Padre e a Moça. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67265/o-padre-e-a-moca>. Acesso em: 17 de Abr. 2021. Verbete da Enciclopédia.

ISBN: 978-85-7979-060-7

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