quarta-feira, 30 de julho de 2014

”Seu Fernandinho” e o Cine Fernandes.

Prédio onde funcionou o Cine Fernandes.
Foto reproduzida do site: revistacaninde.com

”Seu Fernandinho” e o Cine Fernandes.
Clementino Britto, grande entusiasta da arte cinematográfica de Propriá.

Por José Alberto Amorim *

No ano de 1984 em Propriá existiam dois cinemas: Odeon e Propriá. O cinéfilo Clementino Britto Jr., ou melhor, Fernandinho, filho de rizicultor, cresceu assistindo a filmes no cine Odeon.

Em 1950 Fernandinho inaugurou em Cedro de São João o seu primeiro cinema que após três anos, com a morte de seu pai, vende o cinema para o fotógrafo Rocha, outro propriaense apaixonado por filmes, e volta a residir em Propriá para trabalhar na cultura do arroz. Grande entusiasta da arte cinematográfica Clementino sempre estava em contato com várias celebridades de Hollywood e personalidades políticas internacionais, sendo correspondido com inúmeras fotos e cartas autografadas pelos famosos, como: Margaret Thatcher, primeira-ministra da Inglaterra, Oven Hardy (o gordo e magro), Stan Laurel, Charles Chaplin, dentre muitos outros.

Fernandinho então, tenta comprar o cine Propriá do grupo baiano Afonso Cavalcante, porém, seu primo Jackson Figueiredo Guimarães, dá uma oferta maior e assim adquire a sala de projeção. Mas Fernandinho não se conforma e compra cinco casas na Rua Serapião de Aguiar, e constrói o que viria a ser o melhor cinema da cidade, quiçá um dos melhores do Nordeste.

Inaugurado no dia 24 de julho de 1959, o Cine Fernandes já nascia diferente do seu rival mais antigo, o Cine Odeon. O cinema contava com 800 poltronas, um palco para apresentações musicais, um mezanino onde funcionava bar e lanchonete. Era obrigação dos viajantes e visitantes que passavam pela cidade conferir a exibição de alguma película na casa de espetáculo mais famosa da região, tomando refrigerantes e sorvetes de camarote.

O cinema mantinha todos em contato com as culturas Americanas e Européias, além de possibilitar ver os ídolos do rádio. Os grandes cantores da época se apresentavam nos palcos dos cinemas Propriá e Fernandes, porém, neste último, era melhor, pois exibia sempre uma atração por mês. Por ali passaram cantores como Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Orlando Silva, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Agnaldo Rayol, Jerry Adriane, Valdick Soriano, Cauby Peixoto, grandes atores e comediantes, Oscarito, Grande Otelo e até artistas internacionais como o grupo mexicano Marimbas Mexicanas.

Roberto Carlos só não se apresentou no palco do Cine Fernandes porque ao meio dia já estavam esgotados todos os ingressos e o show foi transferido para o estádio do Esporte Clube Propriá.
Ir ao Cine Fernandes aos domingos era uma grande festa, todos vestiam sua melhor roupa para o desfile que acontecia antes das projeções, os rapazes em passeios tomando o tradicional sorvete de chocolate ou de coco pelo pavimento superior do prédio, com um sinal maroto, os mais atrevidos pediam às garotas do térreo que guardassem “suas” poltronas e ao início da música italiana, após o apagar das luzes fluorescentes e o acender das luminárias amarela, verde, azul e roxa, quando da abertura das cortinas, ouvia-se o barulho das poltronas sendo ocupadas: nesses momentos quase sempre dali nasciam romances embalados pela música envolvente.

O melhor lugar para namorar era na parte térrea, logo abaixo da cabine de projeção, no “escurinho do cinema”, local conhecido como o “boi” por haver uma pintura na parede onde retratava o bumba meu boi no nosso folclore. Nas paredes laterais visualizava-se a pintura do navio “Comendador Peixoto”, que durante a festa do Bom Jesus dos Navegantes, conduzia a imagem do Santo durante a procissão no leito do rio São Francisco, em Propriá, as plantadoras de arroz, tudo feito pelo pintor canhobense Olívio Matias, o “mestre Olívio”, além das placas comemorativas de cantores famosos, quando das suas apresentações no palco do cine Fernandes.

Não se pode esquecer o seu Antônio “Véio” da pipoca, do senhor Cícero, Manoel Joaquim Lessa, o seu Quincas, figura folclórica, com seu enorme chapéu e sua roupa cáqui, seu Jura e seu Tripa, ficais de tributos da prefeitura e os comissários de menores,Antônio de Alexandre e Antônio Cavalcante que cumpriam a censura.

Os maiores clássicos do cinema assistiam-se nas soirées como Ben Hur, os Dez Mandamentos e Terremoto, nas matinées um bom e movimentado faroeste. Nas tardes de domingo o cinema nacional com Roberto Carlos em Ritmo de Aventura ou Mazzaropi.

Uma vez por mês, nas manhãs de domingo a alegria dos shows de auditório comandados por Antônio de Oliveira Barreto “Totozão” e suas graciosas “totozetes”, acompanhados pelo conjunto musical os Átomos.

O Cine Fernandes além de produzir cultura e entretenimento já promovia a inclusão social, crianças carentes assistiam gratuitamente às várias programações do cinema. Fernandinho cedeu à renda do filme de inauguração “O Céu como Testemunha” para colaborar com a reforma da igreja Matriz de Propriá.

Em 1982, a ilusão vinda dos filmes de Hollywood se apagou na tela do Cine Fernandes. O então Clementino Britto Jr., cedeu à tentação do lucro da poupança, beirando os 20% e, se desfez do imóvel.

Hoje, Propriá não tem uma sala de projeção, que pena!

* José Alberto Amorim é professor, historiator, ativista político e cultural e atualmente Secretário Municipal de Cultura e Meio Ambiente de Propriá.

Referências:
Enciclopédia Completa de Conhecimentos Gerais. ed. três.São Paulo,1993.
JUNIOR, Clementino Britto. (entrevistado)
Jornal da Cidade. Aracaju. Se. Caderno C, p.4. terça-feira,12.08.2003.
MELO, Marcos. Propriá mente falando. Aracaju, Se. ed. do conde,2003.

Texto reproduzido do site: tribunadapraiaonline.com
Postagem migrada da página do Facebook/MTéSERGIPE.

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