Publicado originalmente no site mnemocine
Primeiro Cinema em Aracaju-SE
Categoria: História
do Cinema
Publicado em: 12 Setembro 2012.
Escrito por: Vinicius
Dantas
Quem me chamou a atenção para o texto que os leitores
tomarão contato foi o livro de Ary Bezerra Leite sobre os exibidores ambulantes
que circularam pelo Brasil no final do XIX e no primeiro decênio do século XX,
aproximando os nacionais da novidade da imagem em movimento...
Vários nomes citados na (incompleta) bibliografia de Memória
do cinema: os ambulantes no Brasil são sobejamente conhecidos como Vicente de
Paula Araújo, Máximo Barro, Pedro Veriano e Euclides Moreira pesquisadores que,
desde os anos 1960-70 estudavam origens do cinema em cidades como São Paulo,
Rio de Janeiro, São Luiz e Belém do Pará.
O fenômeno ampliou-se com o tempo, mapeando-se outras
capitais como Porto Alegre, Manaus, Curitiba, Natal e, em anos mais recentes,
Belo Horizonte (Márcio da Rocha Galdino, 1983) e Florianópolis (Zeca Pires e
colegas em 1987). Faz pouquíssimos anos que Jailson Dias Carvalho publicou sua
pesquisa sobre Montes Claros sem destacar, ou por força da documentação
incompleta, ou mesmo pela inexistência, os exibidores ambulantes que circularam
pela cidade como tinha ocorrido nas capitais dos estados.
Como escreveu Vinicius Dantas na sua Nota, o impulso que
levou um adolescente a passar suas férias enfurnado na biblioteca pública de
Aracaju, pesquisando o período mudo na sua cidade, veio na forma de uma
diretriz da VII Jornada Nacional dos Cineclubes (1968), que pediu aos
cineclubistas dedicação à conservação e restauração de filmes e documentação da
produção local, incentivando o levantamento filmográfico e histórico das
práticas cinematográficas ocorridas no âmbito da sua comunidade.
Não se pode deixar de lembrar que o mandamento cineclubista
ecoava o artigo de 1956 de Paulo Emilio Salles Gomes publicado no Suplemento
Literário de O Estado de S. Paulo, agora com um viés de combate à ditadura
militar. Porém os impulsos decisivos foram dados pelo livro de Alex Viany,
Introdução ao cinema brasileiro, e Vicente de Paula Araújo, A Bela época do
cinema brasileiro, erguendo os pilares fundamentais da prática da pesquisa militante.
O primeiro organizou a primeira filmografia decente da produção nacional; o
segundo deu-nos o orgulho nacionalista de que tínhamos tido no passado o
domínio do nosso território cinematográfico, e que não fôramos mera província
de Hollywood.
Hoje, taxados pejorativamente de “historiadores
positivistas”, sem que se ressalte a historicidade dos textos, esses esforços
de pesquisa militante foram abandonados em favor de outros paradigmas, menos
combatentes e menos ambiciosos em termos de conhecimento do Brasil. O texto de
Vinicius Dantas, pouco lido na bibliografia do cinema brasileiro em geral,
merece um novo olhar, um olhar historiográfico, sem dúvida, no qual
reconhecemos os esforços passados de várias gerações na construção de uma
“história vista da província” que, contudo, nunca alimentou uma questionável
História do Cinema Brasileiro.
José Inacio de Melo Souza (org.)
NOTA DO AUTOR
Esta pesquisa foi feita em outra época e por outra pessoa –
quase cinquenta anos se passaram. As fontes de documentação eram poucas e
raras, tanto que desconhecíamos, como se verá, a variedade sonoplástica do
primeiro cinema e o uso de tingimentos e viragens. José Inacio de Melo Souza,
que promoveu esta republicação, recheou-a de muitas notas que demonstram como a
informação cresceu em matéria de dados sobre exibidores, companhias ambulantes
e equipamentos de nomes estrambóticos, no período que vai da passagem do século
até os anos 1930.
O estímulo para esse tipo de pesquisa chegou a Sergipe por
volta de 1968 na esteira da VII Jornada Nacional de Cineclubes, que havia se
reunido em Brasília em julho, em meio às tensões características daqueles anos
(ameaças da censura, protestos e boicotes). Na sua Declaração de Princípios, um
documento até hoje impressionante da seriedade estético-política do
cineclubismo brasileiro, recomendava-se que os cineclubes também se dedicassem
à conservação e à restauração da produção local, documentando-se o máximo sobre
os pioneiros e os profissionais em atividade no passado.
Incentivar o levantamento filmográfico e historiar os
primeiros passos da exibição eram na província o caminho natural, quando os
sinais da produção local estavam dispersos, e as condições de restauração
inacessíveis. Já não me recordo quais os membros do Clube de Cinema de Sergipe
(CCS) que foram a Brasília, mas Ivan Valença e José Rosa de Oliveira Neto me
catequisaram para começar o trabalho e vasculhar o acervo da Biblioteca Pública
Epifânio Dória, em Aracaju.
Encontrei esses dias no Boletim Informativo do CCS, de julho
de 1969, um artigo anônimo, “A presença do cinema em Sergipe”, com um resumo
das pesquisas existentes e uma espécie de convocação: “Está aí o campo para
Vinicius Dantas e Djaldino Moreno, se quiserem”. O trabalho me custou algumas
férias e acho que só foi concluído em março de 1970 – o que me marcou muito
porque não sabia que se levava tanto tempo para fazer uma pesquisa. Logo foi
publicado em versão abreviada com o título “Quando o cinema chegou a Sergipe
(Um resumo de Alvorada de relatório de pesquisa)” na revista Alvorada, nº 36,
julho, 1970.
Saiu em seguida na versão completa, que é esta aqui
reproduzida, no Jornal da Cidade, de 13 a 19/9/1971. De lá para cá, Djaldino
Mota Moreno reeditou-o algumas vezes em folhetos mimeografados – a última
edição que conheço é de 1982 em parceria do Cineclube do Atheneu Sergipense e
do Clube de Cinema de Sergipe. As três notas finais foram retiradas desse
folheto.
(Vinicius Dantas)
ASSIM NASCEU O CINEMA
EM ARACAJU.
Sobre o aparecimento do cinema em Aracaju existe uma série
de fatos e nomes estranhos, além de muita confusão nos jornais da época, o que
aumenta nossas dúvidas e pouco esclarece com certeza. Sobre os cinemas que
existiram aqui fica mais fácil a pesquisa, devido ao melhor estado da
conservação dos jornais, que são mais recentes, mas mesmo assim surgem casas de
exibição que nunca foram registradas e uma dúvida muito grande em relação ao
ano, dia ou mês de sua inauguração e/ou seu fechamento.
Até agora, as duas mais importantes pesquisas feitas sobre o
tema – a de Lincoln Souza, publicada na revista Novidade, número 4, em agosto
de 1936, e a de Rubem Vergara, publicada no Correio de Aracaju de 17 de janeiro
de 1945 – dão um excelente levantamento do que foi o aparecimento do cinema em
Aracaju, com uma lista dos acontecimentos mais importantes. Ambas apresentam
pontos em comum, sendo, por exemplo, a de Rubem Vergara (pseudônimo do
jornalista Alfredo Gomes), 45 anos de cinema em Aracaju, baseada nos dados
fornecidos por Lincoln de Souza, quase dez anos depois.
Por ambos, Cypriano Duarte é apresentado como o pioneiro da
exibição cinematográfica em Sergipe. Alguns apontam Anísio Dantas, mas está
comprovado que este foi o pioneiro em casas de exibição. E a data oficial sendo
desconhecida, é apontada no correr do ano de 1899. Conseguimos nos jornais
antigos descobrir novas exibições ainda mais antigas, de certos aparelhos
misteriosos, que se não do cinematógrafo dos irmãos Lumière, ou de outros
fabricantes de aparelhos semelhantes, são de aparelhos ainda mais antigos,
precursores, que projetavam imagens fixas, desenhos ou gravuras.
O NASCIMENTO DO CINEMA
A 28 de dezembro de 1895, no Grand Café, no Boulevard des
Capucines, em Paris, o cinema teve a sua primeira exibição, pelos Irmãos
Lumière, que apresentaram uma série de seus filmes, preparados desde o início
daquele ano. Esta é a data oficial do nascimento do cinema, mas há gente que
contesta, querendo afirmar que Edison fez exibições cinematográficas muito
antes. O aparelho de Edison era o Kinetoscópio, que apresentava imagens em movimento
em forma do filme, projetadas dentro de uma grande caixa, assistida por uma só pessoa de cada vez, através de um
pequeno visor. E foi 8 de julho de 1898 o dia da chegada do cinema no Brasil
conforme os historiadores. A primeira exibição foi na rua do Ouvidor, 57, no
Rio de Janeiro, às duas horas da tarde, e o aparelho era o Omniographo, de
Vittorio di Maio (1).
O País, jornal que aqui existia, dá a notícia que poderá ser
da primeira exibição cinematográfica em Aracaju, na edição do dia 19 de janeiro
de 1899, uma quarta-feira. Aqui está uma parte da notícia: “Realizou-se no dia
18, às 8 e 30 da noite no Theatro São José o espetáculo gratuito que o Sr. H.
Kaurt, proporcionou ao público desta cidade, como o melhor reclame de seus
Quadros Ilusionistas [...]” (2). Depois dá uma descrição da frequência e do
espetáculo, quando foram exibidos vários programas, destacando-se o “quadro
religioso da crucificação do ‘Nazareno Jesus’, transfigurado repentinamente na
simbólica ascensão. Apresentou também várias vistas dos Estados Unidos[...]”
(3).
No dia 30 de janeiro ofereceu seu último espetáculo, segundo
o mesmo jornal, “[...] fazendo a volta ao mundo em 80 minutos...”. Sobre esta
exibição existem dois pontos de curiosidade:
1 – foi ou não um filme? Porque, como vimos na notícia,
trata-se da projeção de imagens e de alguma forma que pode estar ligada ao
cinema pela descrição da cena (“[...] transfigurado repentinamente na simbólica
ascensão [...]”) há sugestão de movimento. Na mesma notícia, encontramos ainda
o seguinte trecho: “[...] A silfcrania teve momentos interessantes [...]”. O
que é “silfcrania” ? Não conseguimos descobrir em parte alguma.
2 – a outra notícia fala num espetáculo de 80 minutos, dando
a impressão que foi uma sessão longa, quando foram exibidos todos os filmes do
Sr. H. Kaurt, pois, naquela época, os espetáculos cinematográficos nunca
passavam de trinta minutos(4).
De O Estado de Sergipe, de 17 de novembro de 1899: “Têm sido
bastante freqüentadas, e sobretudo muito aplaudidas, as exibições do
Kinetoscópio, essa maravilhosa invenção de Edison, que todas as noites no
Theatro São José faz as delícias do nosso público, ávido de distrações. Ontem a
enchente foi real, o theatrinho mal conteve os numerosos frequentadores”. Esta
é a exibição seguinte de que conseguimos registro, sendo já o aparelho
conhecido, o Kinetoscópio de Edison (5).
A exibição seguinte também está nas páginas do mesmo jornal
de 7 de setembro de 1901: “Realizou-se ontem, anunciado pelo nosso patrício
Pedro Silvino de Andrade Cortes, a exibição do Cinematógrapho e Gramophone,
admirável invento do notável Edison. Os quadros a exposição, ou melhor a
exposição dos quadros (?) lhe toleramos o tão grande treme-treme, mas não
podemos lhe tolerar era o lusco-fusco, causado de não intuição das cenas pelo
espectador, o mais penetrante que fosse ele”. Da mesma notícia: “Antes de começar
o espetáculo e nos intervalos, fazia-se ouvir o Gramophone” (6).
Nova exibição ocorreu a 9 de novembro de 1901: “Estamos
autorizados a informar ao público que hoje às 8 ½ da noite, haverá no Teatro S.
José uma importante sessão de lindíssimas exibições, feitas com o auxílio do
moderno aparelho intitulado Bioscópio(7). Tomará parte nos trabalhos célebre
homem de quatro cabeças(8) que fará prodígios de prestidigitação e além de
outras coisas interessantes, será exibida também a pantomima fantástica com o
título O Pesadelo do Astrônomo ou A Luta do Homem com a Luz (9). É um
extraordinário trabalho em que se vê a Lua em enorme tamanho e a poucos metros
de distância...”
Pela primeira vez iríamos registrar o nome de Cypriano
Duarte nestas exibições, no jornal de 12 de novembro do mesmo ano: “Assistimos
a exibição de quadros vivos que realizou-se no sábado último no S. José, sob a
direção do nosso ilustre patrício Sr. Cypriano Duarte. Foi uma exibição
bastante agradável, onde o Homem de Quatro Cabeças mereceu estrondosos aplausos
da plateia. Outros quadros mereceram igualmente muitas palmas destacando-se
dentre esses a Batalha Naval (10) que foi apresentada com enorme felicidade.
Trata-se do aparelho cinematógrapho, porém com o concurso das novas e belas vistas”.
Mas, nas opiniões de Lincoln de Souza e Rubem Vergara, já em
1899, desconhecendo-se o dia e o mês, este mesmo Cypriano Duarte exibira O
Crime pela Honra (11) que seria o “primeiro filme que Aracaju assistiu”,.
Maiores informações sobre esta provável exibição de Cypriano Duarte está no
artigo de Lincoln de Souza: “O comprimento dos filmes variava de 18 a 30
metros. Os aparelhos para a produção da luz – os mais complicados que
imaginar-se possa exigiam o emprego de várias substâncias químicas, as quais,
misturadas, formavam um gás, que era armazenado num saco de borracha, daí
passando para o local em que, inflamado, iluminava a película projetada (...)
Continuando a não dar lucro o negócio, regressou a Aracaju,
onde encostou os aparelhos, vendendo mais tarde, o de projeção, pela quantia de
70$000. O aparelho completo do cinema dos Srs. Duarte e Hannequim, incluídas as
importâncias relativas à compra das substâncias químicas para a produção da luz
e os filmes, importou doze contos de réis. Ao terminar a sua empresa o Sr.
Duarte após minucioso balanço viu que o prejuízo montava a 3:500$000”. Apenas
podemos certificar: Cypriano Duarte fez exibições cinematográficas, mas quanto
ao seu pioneirismo e à data que até hoje predominou – 1899 - nada asseguramos.
CINEMA FALADO
O cinema já havia surgido, mas não foi bem recebido pelo
público, e recebeu a denominação de “Presepe de Sombras”. Aracaju da época já
era um povo “ávido de distração”, e dispunha de apresentações teatrais
constantemente, e algumas vezes de grupos famosos vindos de outros Estados. A
imprensa era primitiva, mas bastante corajosa e satisfazia plenamente à época.
Novas exibições prosseguiram em 24 de agosto de 1904: “A
convite do Sr. Francisco Carlos Braga fomos ao Theatrinho S. José ver a instalação
dos aparelhos motores e projetores do Bioscope. Consta um motor dínamo de força
de 8 cavalos para fornecimento de luz elétrica não só para projeções como para
a iluminação interna do Theatro. Para esta dispõe a companhia de uma lâmpada de
carvão, de força de 600 velas, no centro da sala e diversos bicos laterais”. A
26 de agosto: “Consta a exibição de três partes, sendo a primeira uma coleção
de belíssimas vistas representando a Guerra do Transwaal (12), a segunda, outra
coleção de vistas animadas, a terceira, “Os Sete Castelos do Diabo” (13),
constando de quarenta vistas”. A 3 de setembro: “Depois de fatigante demora,
cerca de 10 horas da noite, começou a exibição pelas vistas fixas do programa,
retratos de personagens ilustres da história antiga e contemporânea. Passou-se
à segunda parte depois de um intervalo de 10 minutos, a qual constava de 10
fitas com vistas variadas e interessantes, entre as quais, uma cena de “Quo
Vadis?” (14) que produziu o mais deslumbrante efeito”. A última exibição desta
companhia ocorreria a 31 de agosto.
Dando um pequeno pulo nos anos, em 1908 verificar-se-ia um
fato digno de registro: o aparecimento de um “cinema falado”. Sobre o
acontecimento vamos encontrar no Correio de Aracaju de 27 de março: “Esteve em
nosso escritório em companhia do Sr. Nicolau Pungitori, o Sr. Pécautet, digno
representante da Empresa Star Cy. do cinematógrapho falante, moderno e
aperfeiçoado aparelho que brevemente funcionará no Theatro Carlos Gomes.
As referências da imprensa do Sul do País sobre o referido
cinematógrafo são deveras lisonjeiras. Pelo primeiro vapor chegarão todas as
peças constantes do aparelho, a fim de realizar-se a sua estreia.”(15) O
“Cinematógrapho Star” estreou no dia 4 de abril, e tornou a se apresentar nos
dias 5, 7, 8 e 9. Do mesmo jornal de 9 de abril: “Os dois últimos espetáculos
que essa aplaudida empresa realizou no Theatro Carlos Gomes, agradaram
geralmente, porquanto os filmes e vistas coloridos apresentados, tiveram o mais
satisfatório êxito”.
Esta exibição propõe dois fatos: o cinema falado e o
colorido. Quanto ao falado apenas podemos dizer, que se poderia tratar de
efeitos sonoros, conseguidos através de pessoas encarregadas, escondidas atrás
da tela, ou mesmo acompanhamento de discos. Em relação à cor, poderia tratar-se
de sequências coloridas por processos primitivos de uma única cor.
Novo acontecimento semelhante ocorreu em julho de 1909
segundo o ’O Estado de Sergipe: trata-se de um representante da Empresa A.
Joulie que chegou à Aracaju trazendo o “que há de mais perfeito em
cinematógrapho (16). Tem planos de dar vários espetáculos no Theatro Carlos
Gomes. Aparelho falante, syncrophone automático Pathé Frères, último e colossal
sucesso do Cirque d’Hiver de Paris.” Do mesmo jornal de 24 de julho: “Foi extraordinária
a enchente de anteontem no Carlos Gomes [...]. Além do importante funcionamento
do aparelho, é excelente a coleção de filmes que possue a empresa [...]. O
programa de estreia foi muito bem organizado, cada fita mais sensacional no seu
gênero.”
Houve novas apresentações nos dias 25, 29 e 1º. de agosto.
Estes dois fatos, de modo algum, estão ligados ao cinema falado do processo de
som ótico, mas mesmo assim tornam-se curiosos. Na mesma revista Novidade acima
citada, encontramos o seguinte: “O cinema sonoro foi do conhecer dos sergipanos
em 1917, por um exibidor ambulante de nacionalidade americana, que trabalhou
com seu aparelho pouco mais de uma semana no “Rio Branco”. O cinema sonoro
regular, porém, foi introduzido em novembro de 1930, cessando dessa época até
hoje, naquela casa de diversões os filmes mudos. Como em toda parte o cinema
sonoro aqui começou com o Vitaphone passando mais tarde a ser empregado o
movietone.
O cinema sonoro estreou com Hollywood Revue (17) a 28 de
novembro de 1930. O cinema colorido, surgido em 1935, teve muitos precursores,
processos medíocres ou aceitáveis, várias experiências com a cor. No Correio de
Aracaju, de 2 de dezembro de 1917 encontramos um anúncio do filme A Pupila do
Banqueiro:(18) “É um trabalho de fôlego, transformado pela fábrica Pathé, em
filme célebre e maravilhoso”. O mesmo acontece no Sergipe Jornal de 2 de julho
de 1929, o anúncio do filme Jardim do Éden (19) no cinema Universal, “filme com
várias cenas coloridas”.
Não obtivemos com precisão a data da exibição do primeiro
filme colorido, mas damos uma série de prováveis títulos: muita gente acredita
ser Ramona (com Don Ameche e Loretta Young) (20) o primeiro, em todo caso não
há nos jornais nenhum anúncio de que se trata de filme colorido (21). Ramona
foi exibido no Rio Branco a 5 de novembro de 1937. A 22 de dezembro de 1937
está o filme que pode ser o primeiro: Porque o Diabo Quis (22) anunciado no
“Rio Branco” como “um filme com as cores do arco-íris”. Se A Cruzada de
fevereiro de 1936 estiver certa, pois nenhum outro jornal anuncia, o “Rio
Branco” exibiu, portanto, um ano antes dos dois citados, A Mascote do Regimento
(com Shirley Temple) (23), “um filme em Technicolor”. Entre estes deverá estar
o primeiro.
OS CINEMAS DE ARACAJU
Foi em 1909 que funcionou regularmente um cinema em Aracaju,
e foram Anísio Dantas e João Rocha os seus proprietários. Instalado no “Theatro
Carlos Gomes”, chamou-se “Cinema Sergipe” tendo mais ou menos um ano de vida.
Ainda no “Carlos Gomes” funcionou o “Cinema Ideal” de João Firpo e Flávio
Quintella, mais tarde vendido a Alcino Barros e Luiz França, passando para as
mãos de Juca Barreto e Hermindo Menezes, recebeu o nome de “Cinema Rio Branco”,
e ficou com Juca Barreto até sua morte, sendo hoje administrado por seus
herdeiros.
Em 1910, Anísio Dantas e João Rocha fundaram outro “Cinema
Sergipe”, na rua Aurora, hoje avenida Rio Branco, que também não teve mais de
um ano e meio de vida. “Cinema Elite” fundado em 1912 por João e Deocleciano
Mota, arrendado a Arnoud Coelho que o chamou de “Cinema Royal”, funcionou até
1915. Joaquim Soares Nogueira fundou o “Cinema Guarany” em 1912, na rua de
Japaratuba; funcionou um ano e meio. “Cinema Éden” (1913) de José Magalhães e
Manoel Leal, passou mais tarde para o padre Solano, que lhe deu o nome de
“Cinema Phênix”, e finalmente Juca Barreto e José Freitas Andrade o adquiriram;
funcionou até 1918.
“Cinema da Fábrica de Tecidos Confiança”, fundado pela fábrica
para os operários em 1918, funcionou até 1928. “Cinema da Fábrica de Tecidos
Sergipe Industrial”, fundado para os mesmos fins do anterior em 1921, funcionou
até 1933 (Os dados sobre estes dois cinemas foram retirados da pesquisa de
Lincoln de Souza, mas Mário Cabral no seu livro Roteiro de Aracaju, publicado
em 1948, coloca entre os cinemas aqui existentes com os nomes “Cinema
Confiança” e “Parque Cinema”, respectivamente naquele ano; acredito que
poderiam dar sessões, mas sem muita freqüência). “Cinema Universal” de João
Firpo e Saul de Oliveira Sampaio, passou por diversos donos e finalmente chegou
às mãos de Anísio Dantas. Funcionou até 1930.
“Cinema Ivo do Prado” fundado em 1922, funcionou pouco mais
de um ano, pertencia ao Capitão Deoclides Azevedo, e estava localizado na rua
N. S. da Glória, esquina com avenida 24 de Outubro (atualmente D. José Tomás
com avenida Augusto Maynard). “Cinema Bento XV”, privativo do “Salão Bento XV”,
fundado em 1922 pelo padre Solano Dantas funcionou até 1926.
“Cinema Tobias Barreto”, fundado em 1924 por Antonio Lima
Sobrinho, funcionou até 1934. “Cinema Arabutan”, fundado em 1923, funcionou até
1926, era instalado na rua Siriri. “Cinema Popular” fundado em 1925, instalado
na avenida Pedro Calazans (então rua do Rosário) por Anísio Dantas, tendo mais
tarde Augusto Luz como sócio. Funcionou até 1928. “Cinema Rio Negro”, fundado
por Juca Barreto em 1926, funcionou até 1930. “Cinema Guarany”, fundado em
1931, na rua Estância por Augusto Luz, fechou em 1933 e reabriu em 1938, sendo
em 1966 transformado em supermercado.
“Cinema São Pedro” funcionou durante alguns meses de 1930
(não consta na lista de Lincoln de Souza). “Cinema São João”, fundado em 1931,
na rua Siriri, por Anísio Dantas, funcionou até 1938. “Cinema Ideal”, fundado
em 1934, no mesmo prédio do “Rio Negro” por Anísio Dantas, passou em 1936 para
Arthur Costa, mas funcionou até 1937. “Cinema Rex”, fundado por Anísio Dantas,
na rua de Pacatuba, em 1935, mais tarde transferido para a rua de Itabaianinha,
funcionou até 1961.
Em 1938 foi fundado o “Cinema São Francisco”, no bairro
Santo Antonio, precisamente na Praça Siqueira de Menezes, fechado nos primeiros
anos de sessenta. Em outubro de 1934, foi inaugurado o “Cinema Vitória”
pertencente à Ação Solidária dos Trabalhadores. Funciona até hoje à rua
Itabaianinha. A 7 de abril de 1945 foi inaugurado o “Cinema Tobias Barreto”,
pertencia a empresa Moron e Cia. Fechou, em 1946. Em 1949, encontramos no
Sergipe Jornal uma única citação de “Cine Lar” localizado à rua Bahia, no
bairro Siqueira Campos: de qualquer forma, aqui fica o seu registro.
Em setembro de 1950 foi inaugurado o “Cinema Tupi”,
funcionando no prédio do “Tobias Barreto”, na rua Simão Dias, esquina com a rua
da Vitória. Fechou em 1961. “Cine Vera Cruz” foi inaugurado no primeiro
semestre de 1951, instalado no bairro Siqueira Campos, também pertencente à
Ação Solidária dos Trabalhadores. 1954 é o ano de inauguração do “Cine Bonfim”
(atual “Cine Siqueira Campos”, arrendado a José Queiroz, pertencente ao
município desde 1962) (24). Em 31 de dezembro de 1955 foi inaugurado o “Cinema
Aracaju” e a 1º. de janeiro de 1956 o “Cine Palace”. Em 1966 é inaugurado o
“Cine Star”, em 1968 o “Cine Grageru” e em 1969 o “Cinema Atalaia”, no bairro
Santo Antonio (25).
Os nove cinemas da cidade, atualmente, já não satisfazem
mais à população, que é cada vez maior, sendo que cinco são cinemas de bairro.
O que se nota é um visível declínio do número de cinemas, como aconteceu no
princípio do século com nossos teatros, que hoje não existem. A televisão ainda
não é uma ameaça, principalmente quando nascida do “complexo de cidade pequena”
sem condições técnicas nem artísticas de manter certo nível (26).
Notas:
[1] A ligação entre di Maio e a primeira exibição do
Omniógrafo provavelmente foi retirada dos textos sobre os primórdios da
história do cinema em Aracaju; pesquisas anteriores e posteriores (Viany, 1958;
Araújo, 1976), não referendavam esta união, que foi recusada de vez em 1996 com
os lançamentos de Palácios e poeiras, de Alice Gonzaga, e Verdades sobre o
início do cinema no Brasil, de Capellaro e Ferreira. (Nota do Organizador)
[2] H. Kaurt, como assinalou Ary Bezerra Leite em Memória do
cinema: os ambulantes no Brasil, foi um dos que mais correram os estados
brasileiros proporcionando exibições pioneiras e sobre o qual há menos dados
biográficos. Talvez o fato de ter evitado as grandes capitais, como Rio de
Janeiro e São Paulo, tenha favorecido o obscurecimento do seu nome na história
do cinema brasileiro. (N. do O.)
[3] Embora Bezerra Leite assinale as exibições como de
“cinematógrafo” e “quadros ilusionistas”, o texto de Vinicius Dantas não se
refere ao aparelho dos irmãos Lumière. A presença de “várias vistas dos Estados
Unidos” sugere, antes, um projetor de origem norte-americana. (N. do O.)
[4] H. Kaurt exibiu imagens em movimento e imagens fixas por
meio de um “silforama”, nome pelo qual ficou mais conhecida uma “espécie de
lanterna mágica”, como a classificou Alice Trusz. Vários exibidores ambulantes
portavam lanternas mágicas entre os seus equipamentos, citando-se além de
Kaurt, Enrique Moya e Faure Nicoalay. (N. do O.)
[5] O próprio autor já assinalara parágrafos antes que o
Kinetoscópio era de visão individual; provavelmente trata-se de um Vitascópio,
projeção na tela, também de invenção e fabricação dos laboratórios de Edison,
ou uma contrafação que se utilizava do nome Edison como propaganda. (N. do O.)
[6] A utilização do gramofone como forma de atração de
público foi usual na primeira década da chegada do cinema; era comum a
descrição dos problemas de geração de energia.
[7] O primeiro Bioscópio exibido em São Paulo deu-se com o
estranho nome Bioscope Captotricon de Farragut, sobre o qual não há nenhuma
referência técnica, pertencente à Imperial Companhia Japonesa Kudara, que
correu o país de norte a sul; O mais famoso foi o Bioscope Inglês do ambulante
José Filippi. (N. do O.)
[8] O texto jornalístico é confuso; somente mais à frente
saberemos que é o título de um filme, e não o trabalho de um ilusionista.
Possivelmente trata-se de L’Homme à la tetê de caoutchouc, prod. e dir. de
Gerrges Méliès (1898) para a Star Film. (N. do O.)
[9] Le rêve de l‘astronome, prod e dir. de Georges Méliès (1897)
para a Star-Film. (N. do O.)
[10] Possivelmente Quai de La Havane, explosion du cuirassé
“Le Maine”, prod. e dir. de Georges Méliès (1898), para a Star-Film. (N. do O.)
[11] Não há outras referências que identifiquem este título.
(N. do O.)
[12] Título não identificado; em São Paulo foi exibida uma
Guerra anglo-boer, em 1901, pela empresa ambulante N. Fernandez; talvez tenha a
mesma procedência. (N. do O.)
[13] Les sept chateaux du diable, prod. e dir. de Georges
Méliès (1901) para a Star-Film. (N. do O.)
[14] Quo vadis?, dir de Ferdinand Zecca para a Pathé Frères
(1901). (N. do O.)
[15] As sessões paulistanas da Star Co. indicam como
exibidor J. M. Coutet, grafia próxima do Pécautet do jornal de Aracaju; sobre
Nicolau Pungitori não há referências; o mais próximo seria a família Muratori
de Fortaleza, mas entre estes não consta um Nicolau, segundo Bezerra Leite. (N.
do O.)
[16] A Empresa A. Joulie trabalhou como ambulante de
Salvador a Manaus entre 1906 e 1909. A partir de março de 1909 exibiu-se com um
aparelho Pathé sincronizado (imagem acompanhada de som por discos), como
especifica o citado anúncio de O Estado de Sergipe sobre o aparelho “falante”. (N. do O.)
[17] The
Hollywood revue of 1929, dir. Charles Reisner para a MGM, processo sonoro
Western Electric. Lançada em São Paulo no Alhambra em 7/1/1930, também
tinha partes em Technicolor, mas a matéria, aparentemente, não se refere a
isso, indicando que, talvez, os moradores de Aracaju tenham assistido a uma
cópia em PB. (N.do O.)
[18] Não foi localizada nenhuma referência a este filme. (N.
do O.)
[19] The garden of Eden (1928), dir. de Lewis Milestone e
distribuição da United Artists; lançado em São Paulo em 7/2/1928, tinha partes
coloridas; na ordem de apresentação, este filme antecede ao de Shirley Temple,
exibido em 1936, dentro dos processos técnicos norte-americanos, diversos do
Pathécolor de1917. (N. do O.)
[20] Ramona, dir. de Henry King para a 20th. Century Fox
sonorizada pela Western e colorida (Technicolor), foi lançada em São Paulo no
Odeon (Sala Vermelha) e no São Bento em 22/3/1937. (N. do O.)
[21] O que é estranho porque, como avalia o senso geral,
esse deve ter sido o primeiro filme totalmente colorido exibido em Aracaju. (N.
do O.)
[22] Porque o diabo quiz (God’s country and the woman) foi
dirigido por William Keyghley para a Warner Bros., sendo lançado em São Paulo
no Broadway em 19/11/1937, com o anúncio “todo colorido”. (N. do O.)
[23] The little colonel, dir. de David Butler para a Fox
Film tinha processo sonoro (Western Electric) e partes coloridas (Technicolor);
foi lançada em São Paulo em 12/8/1935 no Odeon (Sala Vermelha). (N. do O.)
[24] O Cine Bonfim, que passou a chamar-se Cine Siqueira
Campos, depois de muitos anos arrendado ao Sr. José Queirós, foi fechado pelo
Município, a despeito da longa luta travada pelos intelectuais da terra para
transformá-lo em cinema educativo, e hoje funciona em seu prédio o Centro de
Ensino Supletivo (nota da edição de 1982, acrescentada pelos editores, N.do
O.).
[25] O Cine Star localizado no Bairro Cidade Nova foi
transformado em supermercado, destruído depois por um incêndio, hoje só
restando suas paredes; o Cinema Grageru no bairro do mesmo nome e o Cine
Atalaia também já não existem (nota da
edição de 1982, acrescentada pelos editores, N. do O.).
[26].A Televisão já é uma ameaça. (nota da edição de 1982,
acrescentada pelos editores, N.do O.).
Texto reproduzido do site: mnemocine.com.br
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