terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Breve Panorama do Cinema Sergipano



Publicado originalmente no blog Filmes Polvo.
Seção: Fora do Quadro.
Por: Nísio Teixeira

Artigo: Breve Panorama do Cinema Sergipano

Procurei, mas não achei na seminal Enciclopédia do Cinema Brasileiro, de Fernão Ramos, alguma referência ao cinema sergipano. Na primeira oportunidade - uma junina tarde de pesquisa rápida na biblioteca da Universidade Federal de Sergipe (UFS), ano passado, nos intervalos do que seria um vitorioso concurso para professor de “Teoria da Imagem” na referida universidade – pude consultar algumas monografias (ver textos citados ao final) e, na biblioteca pública de MG, alguns artigos da revista Carioca para me ajudar a construir esse breve panorama que ora apresento aos leitores da Filmes Polvo. Este texto seria o primeiro que enviaria de Aracaju e surgiu como uma forte vontade de ter aí uma porta de entrada para mergulhar e conhecer um pouco mais da cena cinematográfica e da cultura de Sergipe, do nordeste, enfim, do Brasil. Bem, vamos a ele.

Publicou-se a lenda que, em sua segunda viagem ao Brasil, o comandante do Graf Zeppelin definiu Aracaju como sendo “a mais bela cidade vista das alturas”. A referência está num exemplar de 1943 da revista Carioca. Rente ao chão, contudo, a Aracaju da década de 1940 trazia problemas básicos de infra-estrutura, os quais pareciam reverberar nas poucas salas de cinema existentes, pois assim descreve o jornalista Raymundo Dantas em uma edição de 1941 de Carioca: “os poucos cinemas da cidade funcionam duas vezes por semana, a 2$200 o ingresso. De quinze em quinze minutos a gente é obrigado a bater nas poltronas, pois quando não é o som que falha, a projeção fracassa”.

Contudo, para o jornalista (e para outros que escreveriam sobre a capital na revista) o verdadeiro espetáculo estava nas ruas: na praia de Atalaia, no mercado e, voltando a Dantas, na maestria de virtuoses como Sinhô Boi e Lindolfo da Sulamérica.  Na Aracaju dos anos 1940, um ponto de encontro era a Praça Fausto Cardoso, onde as pessoas se encontravam ao som da banda do 28º BC e saboreavam gelados na sorveteria Primavera (depois Bingo Palace). Tânia Maia (2002) aponta que somente por essa época teve início uma produção mais sistemática em Sergipe, com as primeiras filmagens de Clemente Freitas em 16 mm e 8 mm para festas cívicas e populares, além do drama das enchentes do rio Piauitinga, um dos principais da região da cidade de Estância.

Mesmo com tantos problemas, Juarez Conrado salienta em Aracaju dos meus amores (1983) a importância do cinema para o lazer das pessoas naquele tempo. O comerciante José Anselmo Barros dos Santos, também citado pela autora, lembra ainda que, na venda e troca de gibis, por exemplo, muitos usavam o dinheiro para assistir o faroeste do domingo às 10 da manhã. Outra fonte de renda era a féria recebida com o serviço de engraxate. À noite, o cine Vera Cruz deixava as portas abertas – não só pela ausência da  luz solar, mas também para permitir uma maior ventilação no combate ao calor. Assim, outra travessura possível era subir no muro dos vizinhos e espiar o filme ao longe, pelas frestas das portas abertas.

Exibição.

Este breve panorama quer voltar mais atrás no tempo e remonta ao início do século XX, em 1909, quando foi fundada aquela que seria a primeira sala de cinema de Sergipe, batizada com o nome do próprio estado da federação. Contudo, Sheila Santos (2004) afirma que, apesar de funcionar com este nome desde 28 de março de 1909, o Kinema Sergipe foi oficialmente inaugurado na rua do Barão (atual João Pessoa) como Theatro Carlos Gomes cinco anos antes pelo italiano Nicolau Pungittori. Um detalhe é que, sem conseguir um grupo teatral que pudesse apresentar um espetáculo na estréia da casa para aqueles que ocupavam os 700 lugares do teatro, Pungittori trouxe uma caixa misteriosa para chamar a atenção do público: o gramofone.

Ao que parece, a data de inauguração do Kinema Sergipe coincide com a morte de Pungittori, momento em que, agora como sala de cinema, torna-se uma associação empresarial de Anízio Dantas e João Rocha. Dantas permanece apenas um ano na sociedade, quando passa a investir em outras salas, como o Cine Rex. O Sergipe alternava atrações teatrais e cinematográficas, que permanecem mesmo após 1911, quando dois novos proprietários, João Firpo e Flávio Quintella,  assumem o local em 26 de julho de 1911. Mas logo em seguida, Alcino Barros e Luiz França adquirem o teatro, repassando a administração para Juca Barreto e Hormido Menezes em 1912, quando o local passa a ter o seu nome mais longevo: Cine-Teatro Rio Branco, em homenagem ao Barão do Rio Branco, morto naquele ano.

José Barreto de Mesquita ou Juca Barreto desfez sua sociedade na Farmácia Universal para dedicar-se ao teatro. Tinha experiência como operador do cinema Éden, existente na travessa José de Faro. Instala, no Rio Branco, um cinematógrafo que traz A Vingadora (Áquila Film), O Cavaleiro das Neves (Star Film), com espaço para a orquestra do local, composta por Clarisse Andrade (piano), Sr. Rocha (violino) e Joaquim Abel (flauta). Dentre os espetáculos destacam-se Beijo do Safo, Vendedor de melancias e Minha sogra comeu o meu camelo, mas também uma série de atrações nacionais e internacionais, como as peças de Ítala Fausta, que fez 28 espetáculos na casa quando em passagem por Aracaju – dentre eles A ré misteriosa e A mãe.

Em 1928, Barreto coloca a cabine de projeção mais à frente do espaço e, em 1930, a edificação ganha contornos em Art Deco. Época dos cassinos, o Rio Branco operava como tal sempre a partir das 21h30. O Rio Branco também se torna o único teatro da cidade até 1951, quando foi criado o auditório do colégio estadual Atheneu Sergipense. No ano anterior, funciona como local de exibição da Sociedade Artística de Sergipe (SCAS. Falaremos dela adiante) e, em 1955, o Rio Branco oferece o Cinemascope ao seu público.

Com a morte de Juca Barreto em 7 de julho de 1961, os irmãos, capitaneados por Paulo Barreto Mesquita, decidem arrendar o espaço para o bancário José Queiroz. Logo começa uma concorrência com o cine Palace, que desde 1956 já conseguia arregimentar mais público devido a melhorias no som, poltronas e, principalmente, pela oferta de ar condicionado ao público. Na década seguinte, o Rio Branco torna-se pólo de exibição das produções paulistanas da Boca do Lixo e, na sequência, um point pornô – Garganta Profunda exigia sessões contínuas das 15 às 20 horas.

O tombamento do Rio Branco foi aprovado em 1985 e a aquisição do local pelo estado ocorre em 14 de dezembro de 1988. Mas nada é feito em prol da restauração do lugar. Os irmãos recorrem ao destombamento, alegando que o local havia se transformado em um “templo de luxúria”. Uma construtora compra 50% do patrimônio e, em 13 de março de 1998, ocorre o destombamento durante o governo de Albano Franco – ação e destino semelhante vivido pelo Cine Metrópole, em Belo Horizonte, durante o governo Tancredo Neves. O prédio é demolido, com o compromisso de se criar um memorial ao lugar.

É o fim de uma sala que remete aos anos dourados do parque exibidor sergipano. Naqueles anos 1950 ou, mais precisamente, em 1956, Sueli Silva (2000) aponta a existência de dez cinemas em funcionamento na capital sergipana, cinco deles concentrados no centro - Rio Branco, Palace, Aracaju, Rex e Vitória – enquanto a outra metade ficava distribuída pelos bairros: o cine São Francisco (no Santo Antônio), Guarany (rua Estância), Tupy (Getúlio Vargas) e, por fim, os cines Bonfim e Vera Cruz (Siqueira Campos). Sheila Santos ainda acrescenta mais dois cinemas em sua lista: o Confiança e o Parque Cinema, vinculados ao distrito industrial da fábrica de tecidos. Mas boa parte deles começa a definhar quando chegam os anos 1960.

O cine Rex, por exemplo, fecha as portas em 1961, quando o proprietário Anízio Dantas vai cuidar da saúde em SP e os herdeiros resolvem vender o prédio e a casa, onde atualmente está a sede do Banco do Nordeste. Em 1962, é a vez do cine Guarany, de Augusto Luz, encerrar as atividades, com os filhos optando por outro negócio: Paulo Silva aposta no café Sul-Americano e Vander Silva torna-se locutor. No ano seguinte, o cine Tupy vira uma padaria. O crítico Ivan Valença, fonte oral da pesquisadora Sueli Silva, desabafa com ironia: “uma padaria empastela o Tupy”.

Valença também comenta o mau fim do Bonfim, que pertencia ao poder público municipal, mas se caracterizava pelo mau e atrasado pagamento aos funcionários. Um detalhe curioso é que o Bonfim foi adquirido em 1962 pela prefeitura de Aracaju, cujo prefeito, José Conrado de Araújo, era, também, o dono da sala.  Neste ano, o Palace é arrendado por duas famílias: Vasconcelos e Prado Dantas. O prédio data de 1923 e ainda abrigava o hotel, a sorveteria Primavera e uma concessionária da Chevrolet. Em alguns anos o cinema passaria para as mãos de Lívio Brundi, empresário espanhol, proprietário, à época, de mais de 150 salas do Brasil. Brundi opta por deixar filmes muito tempo em cartaz (quase um mês) e, em seguida, acaba vendendo o Palace para o bancário José Queiroz, proprietário, como vimos, do cine Rio Branco desde 1963 e ainda de outro cine, o Aracaju, além de outras salas na cidade de Itabaiana. Queiroz consegue, assim, ter o domínio das principais salas e - consequentemente – das produções cinematográficas a serem exibidas na capital sergipana e no estado.

O final da década de 1980, contudo, marca o início da reconfiguração das salas propiciada pelos shoppings e, em Aracaju, o shopping Rio Mar apresenta duas salas do grupo Severiano Ribeiro, cearense proprietário de mais de 150 salas no país. Sueli Silva mostra aí como se verifica a troca do “monopólio” cinematográfico aracajuense passando de mãos: Ribeiro passa a adquirir o licenciamento para praticamente todos os filmes e, ainda que não fosse exibi-los totalmente, deixava Queiroz à espera.

De orientação religiosa, o Vera Cruz era foco da diversão dos alunos do Centro Educacional Presidente Vargas e do instituto Dom Fernando Gomes, mas tinha sua programação previamente fiscalizada pelo monsenhor João Moreira Lima, da Ação solidária dos trabalhadores de Aracaju, que não permitia por exemplo, filmes de western. A Ação solidária também era responsável pelo cine Vitória, uma grande sala no centro da cidade. Lima arrenda as duas salas para os irmãos Monteiro entre os anos de 1969 até 1979 quando, com uma ação mais branda das censuras, os irmãos passam a exibir, gradativamente, filmes de artes marciais, comédias eróticas e, por fim, filmes pornô.

Produção e Crítica

Em que pese a série de fechamentos de salas de cinema, a década de 1960 se inicia com importantes melhorias em infra-estrutura para a cidade, em especial nas regiões do centro e Siqueira Campos. A criação, em 1967, da Petrobrás, promove a chegada de muitos fluminenses, transformando a região da praia de Atalaia, no dizer de Silva, de reduto de prostituição a vivo comércio. E é também nesse ano, em 22 de outubro, que entra no ar a primeira emissora do estado, a TV Sergipe. Silva assevera que, além dos filmes, os cine-jornais compunham a programação, que, ao longo da década, chegava a uma média anual de exibição de 300 filmes por ano, com predomínio daqueles produzidos pelos estúdios da Fox Filmes. Dentre os cine-jornais exibidos, destacam-se aqueles produzidos pelo fotógrafo Walmir Almeida.

Em 1963 surge o Centro de Estudos Cinematográficos de Aracaju (CECA), novamente fundado pela dupla responsável pelo SCAS: José Carlos Monteiro e Ivan Valença. Ligados ao movimento cinematográfico sergipano, os nomes de Valença e Djaldino Motta Moreno (este ainda autor do estudo História do Cinema em Sergipe) serão, aliás, fontes importantes para a pesquisadora Sueli Silva em estudo produzido a partir de informações colhidas no documento Assim nasceu o cinema em Aracaju (1975), do Clube de Cinema de Sergipe (CCS) e da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

O SCAS foi criado em 1950 por Valença e Monteiro, então funcionários do departamento de cinema da Sociedade Artística de Sergipe (SCAS), que alugavam salas para mostrar filmes europeus, nacionais e estadunidenses. Em 1952 é criado o Clube de Cinema de Aracaju (Cicla), que será extinto quatro anos depois. Em 1963, como visto, surge o CECA, que dura até 1966, quando é criado o Clube de Cinema de Sergipe, que tem exibições e intercâmbio cinematográficos como meta. O CECA reúne Ivan Valença, Ancelmo Góis, Élson Melo, José Rosa de Oliveira Neto, Antônio Francisco de Jesus e Djaldino Mota Moreno.

O ano de 1968 é apontado como sendo o ano do início do cineclubismo em Sergipe, que reunia nomes como o próprio Djaldino, além de Alberto Carvalho e outros. Em 1972, a partir de uma idéia do professor Clodoaldo Alencar Filho e com o apoio da Embrafilme, a UFS promove, dentro da programação do Festival de Artes São Cristóvão, o Festival de Cinema Amador de Sergipe (Fenaca). Boa parte da produção consistia em documentários de 16 mm e 8 mm. O festival reunia cineastas amadores (super 8), cineclubistas e também promovia um encontro nacional do ensino do cinema, cujo objetivo era elaborar um currículo padrão para as escolas de 1º e 2º graus. Entre os participantes incluía-se nomes como Jean Claude Bernadet, José Tavares de Barros e Ary Neves Mendonça – os dois últimos, aliás, respectivamente presidente e vice-presidente do júri da VII Fenaca.

Não por acaso, dois anos depois, em 1974, um curso teórico e prático de cinema produz, como resultado, cinco filmes. Uma parceria entre a UFS e o MEC vai estender a idéia do curso para alunos do primeiro e segundo graus das escolas públicas e daí vão surgir dois filmes importantes: Carros de bois, de Floriano Santos Fonseca, e São João: povo em festa, de Marcelo Déda, atual governador do estado, que ainda cria A questão da Coroa do Meio, Invasão da Rodoviária e registros de manifestações ligadas ao Primeiro de Maio e à luta de posseiros na região de Santana dos Frades.

Em 1975, Djaldino e Clóvis Barbosa reabrem o Clube de Cinema de Sergipe.  Em 1979, durante a I Bienal Internacional Paineira de Cinema Amador, os filmes Taieira na Festa dos Reis (1978) e José de Tal Ex-futuro cidadão (1979), respectivamente de Djaldino Mota Moreno e Jorge Alberto Moura recebem os prêmios de 2º Melhor Filme e Menção Honrosa para melhor enredo e ator. Outros filmes como Cultura popular em Laranjeiras (1976), de Djaldino, Muié rendeira (1973), de Augusto César Macieira de Andrade e Nosso tempo de pesquisa (1966), de Leonardo Alencar, recebem premiações em outros festivais. Um detalhe: praticamente todos os filmes foram produzidos em Super 8mm. Em 1982 tem-se o fim do Festival de Artes. Na tabela abaixo produzida por Silva, pode-se ter uma idéia quatitativa geral da produção sergipana entre 1966 e 1986.


 Filmes produzidos em Sergipe (1966-1986)
Ano
Quantidade
Ano
Quantidade
Ano
Quantidade
1966
5
1973
7
1980
7
1967
2
1974
7
1981
2
1968
1
1975
1
1982
3
1969
5
1976
3
1983
1
1970
1
1977
2
1984
0
1971
1
1978
4
1985
0
1972
9
1979
6
1986
1

Fonte: SILVA, 2000.


Nas décadas que se sucederam, como aconteceu em várias cidades do país, os cinemas de bairro e do centro foram destruídos ou convertidos em estabelecimentos comerciais ou mesmo religiosos – como citado no caso sergipano no emblemático exemplo do Rio Branco.  Como visto anteriormente, as salas de cinema foram gradativamente migrando para os shopping centers a partir da década de 1980 e hoje, em Aracaju, não há nenhuma sala alternativa de cinema que não seja os dois complexos Cinemark existentes nos dois shoppings da capital sergipana, o Jardins e o Riomar – este com cinco salas e aquele com nove.

A não existência de salas alternativas em Sergipe não impede que importantes  movimentos alternativos para promoção e discussão do audiovisual aconteçam no estado. Um deles é o projeto do Centro de Estudos Casa Curta-SE, que existe há cerca de dez anos e que promove este ano, em setembro, o 10º Festival Iberoamericano de Cinema de Sergipe.  Trata-se de um núcleo de produção e discussão audiovisual na capital sergipana, envolvendo alunos da UFS e parceiros como o Ministério da Cultura e Prefeitura de Aracaju. Detalhes sobre o projeto e o festival podem ser obtidos aqui.  A própria UFS, por sua vez, também organiza um projeto de extensão para discussão audiovisual com o projeto Novos Olhares.doc, reunindo vários documentários produzidos recentemente no país – boa parte deles já comentada aqui na revista Filmes Polvo por ocasião das duas últimas mostras de cinema de Tiradentes.  As exibições e o debate devem ocorrer em julho deste ano.

Este foi assim, um breve panorama do cinema sergipano e  uma forma de homenagear o estado e a capital que, por muito, mas muito pouco, não “adotaram” este mineiro em seu meio.  Aproveito para agradecer as informações recentes sobre as salas de shopping fornecidas por Fábio Rogério, que participa do projeto Novos Olhares.  Textos citados: DANTAS, Raymundo Souza. Aracaju. Revista Carioca, n. 316. 25 de outubro de 1941, p. 4 / MAIA, Tânia Maria Silva. Sergipe na.

Texto reproduzido do site: filmespolvo.com.br

Um comentário:

  1. Caro Nisio,
    Quando eu e Fernão Pessoas Ramos, optamos por colocar os acontecimentos cinematográficos nos diversos estados brasileiros. Encontramos uma barreira intransponível, não foi falta de informações. Foi mesmo falta de tempo para coletar e colocar em forma de escrita. Eu conheci do Djaldino faz muito tempo, anda no final dos anos 1980. Atenciosamente, Luiz Felipe Miranda

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