As trilhas sonoras
Por José Augusto Jensen
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood
instituiu a partir de 1928 prêmios anuais aos melhores filmes, atores, atrizes
e diretores, o “Oscar” como ficou conhecido. Em 1934, criaram os prêmios para
melhor canção e partitura musical, considerando-se a importância que estes aspectos
vinham ganhando após a sonorização dos filmes. Mesmo antes disso, alguns filmes
mudos vinham com partituras a serem executadas por orquestras, grandes órgãos,
conjuntos ou solitários pianistas em cinemas menores. Os principais estúdios
trataram de contratar os maiores nomes nos EUA e principalmente da Europa,
muitos compositores oriundos da música erudita, nos anos 1930, fugindo de
regimes totalitários. Mantinham orquestradores, músicos, estúdios de som, e a
Metro-Goldwyn-Mayer, formou uma das melhores orquestras sinfônicas dos EUA,
produzindo também complementos com peças curtas do repertório erudito. O
maestro André Previn estava entre seus quadros, como músico, compositor,
orquestrador e regente.
jensen_The-Gay-DivorceeFilme “A alegre divorciada” (The gay
divorciee) com Fred Astaire e Ginger Rogers, direção de Mark Sandrich, com a
canção de Herb Madgison e Con Conrad, “The Continental”; para a partitura, “Uma
noite de amor” (One night of love) com Grace More, direção de Victor
Schertzinger, o prêmio foi para Louis Silvers. Estes foram os primeiros
ganhadores do Oscar de canção e música respectivamente.
Com o advento do LP nos anos 1950, foram lançadas gravações
das trilhas sonoras de filmes com selos dos próprios estúdios, como a MGM
Records, e seus famosos musicais, a United Artists e outros, além dos demais
selos que aderiram ao lucrativo segmento.
“Matar ou morrer” (High noon) com Gary Cooper, Grace Kelly,
Lloyd Bridges, direção de Fred Zinnemann, música de Dimiri Tiomkin, vencedor de
4 Oscars, ator, montagem, trilha sonora, e canção original “Do not forsake me,
oh my darlin”. Produção de 1952, não foi bem no seu lançamento, mas a canção
lançada em disco pelo cantor country Frankie Laine, vendeu aos milhões. No
rastro desse sucesso, Matar ou Morrer foi relançado, lotou cinemas, ganhou a
crítica, Oscars e tornou-se um clássico. A partir daí, produtores passaram a
pedir aos compositores “canções título” para que promovessem os filmes. Virou
mania, a canção associada ao filme, na maioria das vezes antecedendo o
lançamento, como promoção, já tocando nas rádios e aumentando as vendas das
gravadoras. Estas canções eram vendidas em discos contendo a trilha sonora com
a música incidental.jensen_Nino-Rota
As lojas de discos tinham enormes seções de “trilhas sonoras”,
e surgiram colecionadores, que até hoje disputam discos em sebos ou em trocas,
alguns com capas e encartes ricamente ilustrados.
Algumas canções fizeram tanto sucesso que ficaram
dissociadas dos filmes. “A história de Elza” (Born free) produção inglesa de
1966, com Virginia McKenna, Bill Travers, direção de James Hill. Conta a
história de uma leoa e se passa no Quênia, com paisagens africanas refletidas
na música de John Barry, que lhe valeu um Oscar. A música da apresentação, com
letra acrescentada posteriormente por Don Black e cantada por Matt Monro, foi
para as paradas. Aqui no Brasil ganhou uma versão tonitruante em português, que
rendeu grande sucesso a Agnaldo Rayol, mas que não tem nada a ver com o filme.
Muito melhor escutar a música com a orquestração do próprio John Barry, com
cordas e metais para ilustrarem as magníficas paisagens africanas na tela
grande. Tema de Lara, massacrada por inúmeros conjuntos, é do filme “Doutor
Jivago” (Doctor Zhivago) de 1965, música de Maurice Jarre, também premiada pela
Academia. Com Omar Sharif, Julie Christie, Rod Steiger, direção de David Lean.
Muitas orquestras lançavam coletâneas de temas de filmes,
como a orquestra Boston Pops, regida por Arthur Fiedler e depois por John
Williams. O próprio John Williams, Henry Mancini, John Barry, Jerry Goldsmith,
Elmer Bernstein, Michel Legrand e, mais recentemente, Ennio Morricone, lançaram
álbuns com suas próprias composições, algumas transformadas em suítes. Mas a
lista de nomes importantes de compositores é muito extensa.
Surgiram produtores fonográficos que garimparam compositores
eruditos como Dmitry Shostakovich, Vaughan Williams, William Walton, resgatando
partituras para filmes e gravando-as. Algumas sobrevivem em salas de concertos,
como a cantata Alexandre Nevsky Op. 78 de Sergei Prokofiev para orquestra, coro
e meio soprano. Extraída do filme “Os cavaleiros de Ferro” (Alexander Nevsky)
pelo próprio compositor. Produção russa de 1938, com Nikolai Cherkassov e
Nikolai Okhlopov, dirigida por Sergei Eisenstein, que realizara em 1925 “O
encouraçado Potemkim”, obra-prima com a famosa montagem sequência da escadaria
de Odessa. O entendimento diretor-compositor foi perfeito, um compondo a música
com base nos esboços pormenorizados do outro. Duas obras do mais alto nível. O
filme, de uma beleza plástica impressionante, a música se integrando na célebre
sequência da batalha sobre o gelo, por exemplo.jensen_Alexander-Nevsky
Com o fácil acesso a filmes pelo vídeo doméstico, depois com
a derrocada da indústria fonográfica e a internet, este segmento agora só
interessa a colecionadores.
Você poderia recordar as cenas e emoções dos filmes ao ouvir
suas trilhas sonoras, mas agora se pode ter acesso direto ao filme. Porém
muitas partituras são melhores que os filmes a que se destinaram ou têm alto
valor próprio e vale a pena ouvi-las como obra independente.
Além do mais, onde está a música de filmes hoje? De tão
rara, foi uma surpresa agradável sair do cinema, depois de longo tempo, podendo
cantarolar as músicas do “La La Land, cantando estações” com Ryan Gosling, Emma
Stone, direção de Damien Chazelle, música de Justin Hurwitz, produção 2016,
ganhador de seis Oscars, incluindo melhor trilha sonora e canção original. Como
escreveu Ruy Castro: “o cinema americano reduziu-se a uma extensão da indústria
de explosivos”. E a música barulhenta de hoje existe para fazer frente a isso.
Texto e imagem reproduzidos do site: revistaideias.com.br
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