Originalmente publicado no site maisbahia.com.br, em 18/01/2013.
Era uma vez no cine Tupy…
Por Andre Setaro.
Minha formação de cinéfilo deve muito ao cinema Tupy, que li
numa reportagem recente, transformou-se em cinema pornô de última categoria,
onde são exibidos filmes de alta tensão pornográfica, sendo que alguns,
inclusive, feitos em casa, domésticos. Acredito, mas não posso afirmar, que a
projeção é em DVD. Algumas salas da cidade já abandonaram o celulóide e possuem
potentes projetores que passam bem cópias em DVD e o público não repara, a
pensar que são filmes em película como antigamente. Segundo um especialista no
assunto, um diretor do grupo Severiano Ribeiro, do Rio, o Festival de Cannes já
abandonou o celulóide, e passa todos os filmes em digital. E um filme médio em
longa metragem é do tamanho de uma carteira de cigarros. O que estabelece uma
diferença monumental com as latas de celulóides, pesadas, que precisavam de carreto
para chegar às salas de cinema, com os fretes caros etc. Vai chegar um dia em
que (se é que não chegou) o filme será programado em tal hora e, nesta, a sala
recebe um sinal que permitiria a sua projeção, assim como uma televisão a cabo
ou por satélite. Mas o Tupy foi o cinema que passava os filmes na bitola de
70mm, chegando o exibidor a fazer uma propaganda enganosa a chamá-lo, nos
anúncios em jornais, de “Tupy-Cinerama”. A rigor, o processo Cinerama, no
Brasil, existiu apenas no cine Comodoro, na Avenida São João, na capital
paulista. O Tupy tinha a grandiosidade da bitola 70mm, mas não Cinerama.
Foi nesta sala exibidora que vi os grandes épicos de
Hollywood. Foi aí que estive presente ao lançamento de "Os dez
mandamentos", de Cecil B. De Mille, no primeiro semestre dos já longínquos
1960. Inaugurado em 31 de julho de 1956, o cine Tupy sofreu a decadência da
Baixa de Sapateiros, que obrigou ao fechamento do Jandaia, Aliança e Pax.
O exibidor Francisco Pithon gostava de colocar em seus
cinemas nomes indígenas, a exemplo do Tupy, Guarany, Tamoio e Timbira (este em
Feira de Santana). A exceção era o Liceu (da rua Saldanha da Gama) para
preservar o nome da instituição que o abrigava: o Liceu de Artes e Ofícios.
Época dos grandes épicos hollywoodianos, todos eles eram
lançados no Tupy: além de "Os dez mandamentos", "Ben-Hur",
de William Wyler, "Spartacus", de Stanley Kubrick (com Kirk Douglas
no papel-título), "El Cid", de Anthony Mann, entre outros, e, mais
adiante, em janeiro de 1969, a "space opera" "2001, uma odisséia
no espaço", de Kubrick, além de musicais como "Funny Girl", de
Wyler, filme que deu o Oscar a então estreante Barbra Streisand, "Sweet
Charity", de Bob Fosse, com Shirley MacLaine (musical inspirado em
"As noites de Cabíria", de Federico Fellini), "Hello
Dolly", de Gene Kelly, também com Streisand e Walter Matthau. O espaço não
daria para ficar a citar os filmes memoráveis que vi na tela gigantesca do
Tupy.
O primeiro filme que vi neste cinema foi "A volta ao
mundo em 80 dias", de Michael Todd, superprodução baseada no livro
homônimo de Jules Verne, com David Niven, Shirley MacLaine, Cantiflas (o
comediante mexicano Mario Moreno – o produtor chegou a fazer um convite a
Oscarito para este papel, mas o genial comediante brasileiro não aceitou porque
não queria sair do Brasil, do seu Rio de Janeiro). Lembro-me que o Tupy fechou
por algumas semanas para ajustar seu projetor às exigências da bitola, pois não
possuía ainda a lente anamórfica (lançada na Bahia pelo Guarany em “O manto
sagrado”).
O cinema, que tinha, no teto, assustadoras teias de renda
negra, foi reformado em meados de 1968, e, reaberto, era outro, com tudo
mudado, feita, realmente, uma reforma completa com a instalação do projetor de
70mm, mudança total das poltronas e da tela e, ainda, a colocação de um moderno
sistema sonoro. O filme que o reinaugurou foi “Uma batalha no inferno”, de Ken
Annakin.
Salvador não tinha cinemas que pudessem exibir filmes na
bitola 70mm, ainda que, na década de 60, muitos fossem rodados nesta dimensão
de película. Os grandes espetáculos, nesta bitola, eram aqui apresentados em
35mm. O novo Tupy veio para atender a uma necessidade. Seu exemplo foi seguido
pelo Capri (no Largo 2 de Julho) e, por incrível que pareça, pelo Rio Vermelho.
Mas nenhum destes tinha a majestade do cinema Tupy. Os filmes mais antigos,
originariamente em 70mm, foram reapresentados nesta magnífica sala exibidora, a
exemplo dos épicos citados e de outros como "My fair lady",
"Lawrence da Arábia", "Dr. Jivago", "A filha de
Ryan", etc.
A sua sala de espera era um espetáculo à parte. Idealizada
pelo artista Juarez Paraíso, com os painéis brancos, a dar uma impressão de
ficção-científica, neles era contada a história do cinema, com gravuras de
antigos projetores, filmadoras, o cinematógrafo dos Irmãos Lumières (inventores
do cinema), e até os retratos de Walter da Silveira e Glauber Rocha. Em meados
da década de 70, porém, Pithon (em associação à Condor Filmes) pressentiu a
decadência dos cinemas de rua e, particularmente, os situados na Baixa de
Sapateiros. E transferiu o controle a terceiros. A UPI (que se chamava CIC –
Cinema Internacional Corporation) passou a ter o controle programativo do Tupy,
e a primeira coisa que fez foi jogar, no lixo, os murais de Juarez Paraíso.
Era o fim do grande cinema Tupy.
Texto e imagem reproduzidos do site: maisbahia.com.br
Prezado Armando Maynard, boa tarde, tudo bem?
ResponderExcluirEstive vasculhando pela internet quando, para minha surpresa, me deparei com um banner do meu blog linkado ao seu espaço, aliás, congratulo pelo seu blog, que resgata fascinantemente muito da memória cinematográfica, seja pelos seus filmes ou pelas suas antigas salas de exibição.
Adicionei o link do seu blog no “BlogRoll” do FILMES ANTIGOS CLUB, bem como pus um banner na ala de “Parceiros” no mesmo espaço. Parabéns pelo CINEMATECA DA SAUDADE e pelas matérias de qualidade e primor.
Abraços do
PAULO TELLES
Editor do Blog FILMES ANTIGOS CLUB.
http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/
Muito obrigado caro Paulo Telles e um grande abraço.
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