Foto para simples ilustração do texto.
Publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 27/07/2016.
Aparelhos de vídeocassete deixam de ser fabricados.
Por Ivan Valença.
Numa determinada época, na metade dos anos 80 do século
passado, o aparelho de vídeocassete era o sonho de consumo de todos aqueles que
adoravam cinema ou que não queriam submeterse à escravidão dos horários das
programações da televisão. A febre do vídeocassete espalhouse rapidamente pelo mundo e até em
Aracaju, por volta dos anos 90 chegamos a ter perto de 20 locadoras, que abasteciam de
produtos variados – isto é, filmes de várias procedências, muitos inéditos nos cinemas – os
aparelhos de VCR (como eram conhecidos, advindos da designação em inglês, Video Cassete
Recorder).
Como tão rápido popularizouse, mais rápido ainda desceu a
ladeira da decadência. Há menos de dez anos, foi substituído pelos equipamentos de DVD Player e
pela sofisticação dos computadores, que permitiam “baixar” produções
cinematográficas e graválos em casa para se assistir depois. Agora, vem o golpe fatal: a única empresa
no mundo, que ainda fabricava o vídeo cassete, a Funai Electronics, anunciou que dentro de 30 dias
vai deixar de fabricálos porque um fornecedor de componentes fundamentais, vai suspender a
produção, o que torna inviável fabricar novos vídeocassetes. A empresa, que já negociou em
torno de 15 milhões de aparelhos por mês, ultimamente negociava apenas 750 mil, mesmo sendo o
único fabricante mundial do VCR.
Mudança de Hábitos Despedese assim melancolicamente o
aparelho que mudou o costume tradicional de só assistir filmes em salas preparadas para
tal. Podiase então ver os filmes que quisesse – ou que, ao menos, estivesse disponível – em casa,
a qualquer momento do dia. Nos grandes festivais de cinema, os produtores chegavam com
cópias dos seus filmes debaixo do braço, para fazer a promoção deles, junto a jornalistas ou a
compradores estrangeiros. O escriba conheceu o aparelho de vídeocassete em 1978 durante o
Festival de Cannes. De folga na programação oficial, arriscouse a uma visita ao chamado
“Marche du Film” (mercado de filmes) que ficava no subterrâneo do Palais du Festival.
Ali encontrou em torno de 30 “stands” de produtores
diversos, cada um exibindo a chamada cabeça das ofertas, ou seja, os filmes com mais potencial
comercial do grupo. O que intrigou mais esse jornalista é que a exibição não era feita através
das enormes máquinas de projeção que proliferavam na época. Procurou matar sua curiosidade,
perguntando as atendentes de onde provinha a projeção. Ela prontamente nos atendeu e abriu um
compartimento e mostrou o aparelho – grandão, na época – que era ligado à televisão –
também grande – do “stand”. Era o VCR. A minha única reação foi dizer à moça que, quando
aquela geringonça chegasse ao Brasil eu seria um dos primeiros a possuila.
De volta a Aracaju, contei as novidades aos amigos e um
deles, Orlando Costa Souza, dono de uma pequena agencia de publicidade, a Propag, contatou com
um especialista em contrabandear produtos estrangeiros, Joao Muamba, que providenciou a vinda
de quatro aparelhos, dois para ele, um para mim, outro para Nilo Alberto Jaguar de Sá. O
problema agora era ter filmes para assistir. Meses depois da ociosidade dos aparelhos,
contatamos com um sujeito que instalara em São Paulo o Vídeo Clube do Brasil e passamos a receber dele
em torno de 6 filmes semanais, que chegavam aos sábados e retornavam no sábado seguinte.
Fazíamos o rodizio entre todos aqueles que já dispunham de vídeocassete. Depois passamos a
um outro fornecedor, o Video Clube da Cidade, de Recife, na mesma base de 6 filmes por
semana. Por fim, abrimos em Aracaju o Vídeo Clube da Cidade de Aracaju.
Abrimos com poucos títulos – algo em torno de 50 filmes –
num sábado pela manhã. Antes do meio dia todos os títulos já estavam rodando entre os
sócios. . Em pouco tempo, chegamos a ter mais de quinhentos associados. Daí em diante, limitamos o número
de sócios e abrimos uma vídeolocadora, agora alugando os filmes por diária. Por
volta desta época, já surgiram os primeiros vídeos legalizados por empresas brasileiras. Ficou
tudo mais fácil. Até que, há dez anos atrás, um novo equipamento, o DVD Player, tornouse o
vilão da história, com a facilidade de piratear os filmes. Aí já não valia mais a pena comprar
filmes de $ 90 reais a cópia para alugá-la a R$ 5 a diária. Encerramos então nossa participação no
mercado.
Peças de Museus Ainda em casa tenho uns tres aparelhos de
vídeocassete que não funcionam há muito tempo. Deverão se tornar obsoleto por
falta de uso, mesmo. É que não há peça para consertálos. Ele agora definitivamente, sai de
cena. É uma pena – deixou uma bonita história atrás de si.
O internauta precisa saber que, por causa do vídeocassete,
tive vários problemas com a Polícia Federal. De quando em quando era chamado a sua sede, ali na
Rua de Capela, próximo à Rodoviária Velha, para explicar a origem das fitas que
alugava. Cansava de explicar que vinham de fora do Estado – São Paulo, Recife, Rio – mas a pressão
continuou até que parecia impossível ir atrás de outros donos de locadoras ou
vídeoclubes. Já que não tem mais jeito, é dar adeus ao VCR e agradecêlo pelo muito que fez ao mundo
do entretenimento.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br/blogs/ivanvalenca
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