quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Sergipe e o Cinema Novo: O resgate a Waldemar Lima



Texto publicado no Facebook/Luiz Eduardo Oliva, em 03.10.2017.

Sergipe e o Cinema Novo: O resgate a Waldemar Lima (*).

Por Luiz Eduardo Oliva (**)

No célebre livro “As paixões e os Interesses” que pontificou nos meios acadêmicos entre os anos 70 e 80 o economista político alemão Albert Hirschman lembra o filósofo Santo Agostinho que dizia que os três principais pecados do homem decaído era a ânsia por dinheiro e bens materiais, o desejo sexual e o desejo de poder, a que chamou de “libido dominandi”.

Agostinho condenou essas três “paixões humanas”, mas atenuou a última quando esta se combina com um forte anseio por louvor e glória. Para ele havia uma "virtude civil" que caracterizava, por exemplo, os 77 romanos, "os quais mostraram um amor babilônico por sua pátria terrestre", substituindo o “desejo de riqueza e muitos outros vícios, por um único vício: o anseio pelo louvor" onde a busca da honra e glória estaria no critério de avaliação da virtude e grandeza do homem.

Assim, atenuando uma das paixões condenadas, Santo Agostinho compreendeu que era e é, da natureza humana, essa busca pela glória que, naturalmente nos povos sempre se deu pelas grandes conquistas. Quando Luís de Camões escreve os Lusíadas ele se refere à honra e glória de Portugal. Há em Homero, tanto na Ilíada como na Odisseia, a exaltação à Grécia, seu povo, sua engenhosidade e bravura.

A reverência aos heróis é antes uma reverência à pátria. Homens e pátria dizem desse “amor babilônico” que destaca cada povo e cada localidade. Quando destacamos nossos grandes nomes queremos exaltar a nós mesmos, a nossa origem, o amor ao rincão, à aldeia. Os baianos, sobretudo, são pródigos em exaltar sua gente. Sergipe, embora seja um Estado altamente rico pela inteligência de seus filhos e filhas é, todavia negligente em cultua-los ou exaltar a inteligência sergipana e a sergipanidade.

Digo isso para me referir à figura de um esquecido sergipano: o fotógrafo e cineasta Waldemar Lima, nascido em Aracaju em 1939 e que viria a ser um dos principais expoentes do mais fascinante momento de renovação do cinema brasileiro – e até mundial – o chamado cinema novo onde a figura central é o baiano Glauber Rocha. Waldemar Lima vem a ser o assistente de direção do filme “Barravento” e o diretor de fotografia no revolucionário “Deus e o Diabo na terra do sol” considerado um dos maiores filmes de todos os tempos. Pois bem, é desse Waldemar Lima que se busca reverenciar como uma das glórias sergipanas que, quase esquecido, por ato realizado esta sexta-feira no Tribunal de Contas, sob a batuta do conselheiro e cinéfico Clovis Barbosa é resgatado.

Waldemar viveu em Aracaju até os 26 anos onde desenvolveu por moto próprio a arte da fotografia. Migra à Bahia, se integra a um movimento de discussão do cinema, conhece Glauber Rocha e depois vem a ser, junto com o célebre baiano talvez a figura mais importante do cinema novo pela revolução que impõe com o domínio da luz e o uso da câmara.

Conheci Waldemar Lima ao acaso quando, nos idos de 1989, ele resolve voltar a Aracaju onde monta uma pequena produtora de vídeos em VHS. Embora consagrado fora do seu estado, em Sergipe continuava um ilustre desconhecido. Àquela época, eu à frente do Centro de Cultura e Arte da UFS, o Cultart, tive a oportunidade de desenvolver boa amizade com Waldemar que realizou trabalhos de vídeo tendo documentado os últimos grandes festivais de arte de São Cristóvão. Mas como santo de casa não faz milagres, não houve nem o reconhecimento nem a compensação mínima para a sobrevivência e Lima retornou a São Paulo.

Só vou reencontra-lo, mais uma vez ao acaso em 2005 quando ele me revelou (sem trocadilhos fotográficos) que tinha fotografado o centenário de Aracaju em 1955 e as fotos continuavam inéditas e desconhecidas, embora os negativos estivessem bem conservados. Diante daquele tesouro desenvolvemos a ideia de uma exposição das fotos com poemas meus para participar das comemorações dos 150 anos de Aracaju. Mas porque já havia uma programação, o projeto não foi adiante. Tivemos outras tentativas sem frutos até Waldemar falecer em 2012.

Recentemente provocando o conselheiro presidente do Tribunal de Contas do Estado Clóvis Barbosa, que coordena um projeto cultural naquele tribunal, topou o resgate da figura de Waldemar Lima. O resultado foi um documentário sob a direção do talentoso Pascoal Maynard, o “Concurso de Roteiros Waldemar Lima Um Minuto Cidadão” para exibição da TV Aperipê, a edição do livro “Waldemar lima, uma câmera e uma ideia de luz” organizado pelo brilhante jornalista Marcos Cardoso e a exposição das fotos inéditas com poemas meus e sob a regência gráfica da talentosa designe Germana Araújo. As fotos estarão expostas durante um mês no TCE. Em Aracaju vieram familiares de Lima e velhos amigos do ciclo de cinema baiano, o Carlos Modesto, José Humberto e Roque Araújo, uma lenda viva do cinema novo.

Waldemar era um apaixonado pela luz. Sua sensibilidade para com a luz só era comparável à sensibilidade do celuloide de um filme aza 400. Seu olho era mais sensível que o diafragma de uma rolleiflex. Mas era principalmente a sensibilidade de um filho do sol, do escaldante sol nordestino, do miraculoso e altamente iluminado sol de Aracaju. Essa sensibilidade que ele levou à Bahia e no encontro mágico com Glauber Rocha, fundindo o gênio sergipano com o gênio baiano, houve a reinvenção do cinema, conhecido mundialmente como Cinema Novo. Certamente um cinema que teve origens também no talento de Waldemar Lima, forjado no sol de Aracaju demonstrado naquelas fotos feitas há 62 anos quando a capital dos sergipanos era apenas uma cidade comemorando o seu primeiro centenário.

Importante destacar que a grande referência inovadora do Cinema Novo é a estética que ele apresenta, do movimento da câmara, o aproveitamento com realismo e total genialidade da luz dos trópicos, da luz nordestina, da luz da Bahia. E isso é Waldemar Lima, o sergipano laureado como o principal diretor de fotografia do Cinema Novo.

Na sua simplicidade quase franciscana Waldemar não demonstrava o gênio que ele era. Comportava-se como os filmes negativos que necessitavam da câmara escura para o processo de revelação. Resgatar Waldemar Lima e sua obra é brindar a alma sergipana, à glória da nossa gente, é reverenciar um saber da sergipanidade. Waldemar Lima, um gênio da raça sergipana.

(*) Artigo publicado no Jornal da Cidade, edição de 30 de setembro a 02 de Outubro de 2017.

(**) Luiz Eduardo Oliva, advogado, poeta e professor. Ex-secretário de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Texto e imagens reproduzidos do Facebook/Luiz Eduardo Oliva.

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