Publicado originalmente no site Plano Crítico, em 15 de
novembro de 2016
Crítica | Rede de Intrigas (1976)
Por Leonardo Campos (Avaliação: 5,0 estrelas)
Os anos 1970 foram demarcados por severas críticas sociais
aos acontecimentos que ressoaram após a conturbada década anterior. Com a
Guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate, a estagnação econômica e a crise do
petróleo, os americanos se viram diante de tantos conflitos políticos e
sociológicos que a indústria cinematográfica se tornou um dos caminhos para a
panfletagem dos dilemas que acometiam os cidadãos em suas vivências cotidianas.
Rede de Intrigas é um filme fruto desta época. Dirigido por
Sidney Lumet, com roteiro assinado por Paddy Chayefsky, a produção critica os
bastidores de programas televisivos e seu foco central: o lucro. O problema
disto tudo é como estes dividendos são obtidos, afinal, quem paga o preço no
final das contas é o telespectador alienado, ente que sequer se dá conta disso
enquanto é “controlado” por um sistema cheio de imbricações bastante amplas e
complexas.
Os conflitos narrativos se iniciam quando o âncora de TV
Howard Beale (Peter Finch) é demitido do seu cargo por conta da baixa audiência
do seu programa. A informação é transmitida por seu amigo Max Schumacher
(Willian Holden). Ao buscar minimizar a agonia da situação, durante um drinque
de final de expediente, Schumacher comete um equívoco. Dá uma ideia ácida ao
amigo: “diga que vai cometer suicídio ao vivo”.
Beale havia perdido recentemente a esposa, que o deixou sem
filhos. Amargo, decidiu brincar com a sua situação e leva à sério o conselho do
amigo. Ao entrar no ar para se despedir, informa que vai cometer suicídio e o
que parecia o fim de um ciclo apresenta-se como renascimento. Após o anúncio,
os índices de audiência aumentam exponencialmente.
O que se revela, logo de cara, é algo digno de riso, haja
vista o roteiro empregado por Beale durante as suas apresentações na televisão,
mas que ao passo que se desenvolve, a situação começa a se mostrar fora de
controle. E para ficar pior: parece um reflexo dos nossos tempos. Basta
ligarmos a televisão hoje, em 2016, quarenta anos depois do lançamento, para
observarmos que nada mudou, ao contrário, as coisas estão cada vez piores.
Depois do anúncio inusitado todos acreditavam que a carreira
de Beale havia acabado, mas como descrito anteriormente, ele renasce com toda
força. Devido ao aumento da audiência ele é readmitido, volta a crescer, tendo
um programa com o seu nome e passa a ser conhecido como O Profeta Louco. “Estou
louco como o diabo, e não aguento mais isso”. O bordão do apresentador que diz
“verdades” na televisão torna-se um sucesso e começa a ser entoado em vários
lares da “América”.
Neste momento o “The Howard Beale Show” torna-se a salvação
da emissora. Como todo desenvolvimento dramatúrgico, as coisas perdem o
controle, o comportamento de insano de Beale sai dos trilhos e os responsáveis
por sua posição no ambiente de trabalho arranjarão uma forma de detê-lo, nem
que seja da pior e menos ética maneira possível.
Considerado como exagerado na época, o filme hoje não está
longe da realidade. A obra reflete duas questões importantes para se pensar as
ressonâncias do século XX e os dias atuais. A imprensa marrom e o
desenvolvimento nocivo e cada vez mais rizomático do que se convencionou chamar
de “capitalismo tardio”, termo oriundo da tese “Capitalismo tardio: uma
tentativa de explicação marxista”, defendida por Ernest Mandel em 1972, tendo
em mira a obtenção do título de PhD pela Universidade Livre de Berlim.
Expressão de cunho pejorativo, a ideia de imprensa marrom é
utilizada para classificar veículos sensacionalistas que buscam elevados níveis
de audiência e vendagem através da miséria alheia, através de fatos e
acontecimentos, tais como escândalos, assassinatos e demais crimes, alguns
deles, sem compromisso com a autenticidade. A expressão brasileira possui o seu
equivalente em língua inglesa, yellow press, utilizada para falar sobre este
tipo de transgressão. Em Rede de Intrigas, o termo transborda, pois nos mostra,
inclusive, como nós consumimos e aceitamos com certa tranquilidade todo o
sensacionalismo que nos é atirado.
Esboçado inicialmente em 1902, mas reforçado pelo
neomarxista belga Ernest Mandel, o conceito de “capitalismo tardio” cabe como
uma luva nas reflexões do roteiro de Paddy Chayefsky. Tratado por Derrida como
“neocapitalismo”, repensado por Frederic Jameson como “capitalismo recente”, o
termo nos remete aos avanços do capitalismo, numa nova fase de importância
direcionado ao acúmulo de capital, onde as limitações físicas do mercado e o
esgotamento de recursos naturais levam os demais setores da sociedade a se
tornarem mercadoria. A educação, a mídia e a cultura são alguns destes, colocados
na linha de montagem. Em suma, é basicamente a expansão insustentável do
crédito ao consumo, bem como a exploração não sustentável de matérias-primas, o
que nos faz refletir sobre o colapso atual do planeta.
Muito além de uma análise moralista dos meios de
comunicação, o filme nos mostra que o sensacionalismo que rende é o resultado
da industrialização da cultura. É um processo que nos ajuda a compreender como
e por que os conteúdos televisivos estão mantidos dentro de um sistema
mercadológicos, algo que hoje talvez não seja novidade, mas que poucas pessoas
tem acesso, sequer noção da complexidade que as circunda a cada minuto de
audiência fornecida a programas do quilate de Datena e do Jornal Nacional,
respectivamente, pois enquanto um naturaliza a violência, reforçando-a, o outro
destrincha a interpreta ao vivo grampos ilegais de autoridades políticas, em
detrimento de um golpe que mexe, além de tudo, em estruturas econômicas e
sociológicas.
Além do conteúdo temático é preciso analisar Rede de Intrigas
no que tange aos aspectos técnicos, afinal, os temas são muito bem conduzidos,
entretanto, é preciso saber os seus mecanismos. A direção de arte reflete muito
bem os espaços, ora da redação, ora dos lares de seus personagens. O destaque
fica para a personagem de Faye Dunaway, com figurinos similares aos aspectos
cenográfico, numa espécie de metáfora para a sua condição intrínseca em relação
ao ambiente de trabalho.
A montagem assinada por Alan Heim também demonstra um
exercício cinematográfico de competência, principalmente por flertar com a
linguagem televisiva, tendo a metalinguagem à serviço do filme, além da
narração estilo documental, proposital para manter o ritmo, assim como o
trabalho sonoro de Elliot Lawrence. A excepcional direção de Sidney Lumet
dispensa observação, tamanha a sua qualidade, mas o profissional que merece
mais destaques é o roteirista.
Há vários pontos para se tratar do roteiro. Inicialmente, o
argumento é formidável. Logo mais, os personagens são bem delineados e críveis.
Ainda sobre o texto, não podemos deixar de lado os diálogos maduros,
sustentáculos de toda a narrativa. Como apontado, o texto base do filme é
excelente e promove a ascensão de ótimos personagens, dentre eles, Frank
Hackett (Robert Duvall) e a ambiciosa Diana Christensen (Faye Dunaway), em
particular, a última, inicialmente acessória, mas detentora do protagonismo ao
passo que o filme avança.
Christensen é uma versão anos 1970 de todas as personagens
femininas que ocupam um cargo importante dentro do sistema capitalista. Ela
fala constantemente de trabalho, vive para isso, a ponto de atingir o orgasmo
tendo como ato concomitante ao sexo, os comentários sobre o seu sucesso diante
das estratégias de manutenção da audiência. É demasiadamente irônico, causa
estranhamento, mas revela-se fundamental para que possamos compreendê-la dentro
da dinâmica fílmica, principalmente após as suas sugestões para deter o
messiânico Beale e seu programa televisivo.
E para fechar este trecho analítico, cabe ressaltar que as
subtramas do filme não atrapalham o eixo central, ao contrário, são forças que
gravitam em torno do conflito principal, dando-lhe energia suficiente para a
manutenção do interesse do público até o seu desfecho narrativo trágico e
apoteótico. Estas subtramas deixam o roteiro mais forte graças aos seus
diálogos. A crise no casamento de Max Schumacher e o “caso” com a fria e
calculista personagem de Faye Dunaway são alguns pontos que nos servem como
referência para estas afirmações.
Rede de Intrigas estreou na mesma época que Todos os Homens
do Presidente, filme que também apresentava conflitos no bojo do Jornalismo.
Apesar de comemorar 40 anos de lançamento em 2016, ainda é considerado
extremamente atual dentro de suas considerações críticas. Ao longo dos seus 121
minutos, a trama que retrata com acidez as relações no meio televisivo demostra
que não há obstáculos que impeçam valores éticos de serem ultrajados.
Vencedor do Oscar de Melhor Ator (Peter Finch) e Melhor
Atriz (Faye Dunaway), Rede de Intrigas ganhou projeção em diversas premiações,
foi ovacionado pela crítica e pelos cinéfilos e hoje é um merecido objeto de
culto. Convenhamos, merecidamente, pois são raros os filmes que conseguem a
manutenção de um status atual dentro de uma indústria que preza pelo prazo de
validade das coisas.
Aos cineastas, produtores, roteiristas e demais
profissionais da área, fica a dica: para os tempos atuais, caberia uma refilmagem,
obviamente, assumida por alguém de respeito, competente e ciente do potente
material em mãos. O foco, desta vez, seria a internet, espaço que ocupa o lugar
da TV de outrora.
Rede de Intrigas (Network) – EUA, 1976
Direção: Sidney Lumet
Roteiro: Paddy Chayefsky
Elenco: Peter Finch, William Holden, Faye Dunaway, Wesley
Addy, Robert Duvall, Arthur Burghardt, Ned Beatty, Bill Burrows, John
Carpenter, Jordan Charney.
Duração: 121 min.
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LEONARDO CAMPOS - Tudo começou numa tempestuosa Sexta-feira
13, no começo dos anos 1990. Fui seduzido pelas narrativas que apresentavam o
medo como prato principal, para logo depois, conhecer outros gêneros e me
apaixonar pelas reflexões críticas. No carnaval de 2001, deixei de curtir a
folia para me aventurar na história de amor do musical Moulin Rouge, descobri
Tudo sobre minha mãe e, concomitantemente, a relação com o cinema.
Texto e imagem reproduzidos do site: planocritico.com
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