Cartaz de divulgação do filme, postado pelo blog,
para ilustrar a presente crítica.
Texto publicado originalmente no site Críticos, em 22.01.2007
BABEL de Alejandro González Iñárritu
Por Luiz Fernando Gallego
Festa para Masoquistas
Em Babel, fazendo jus ao título, escutamos falas em inglês,
espanhol, árabe, japonês e até mesmo duas frases em francês. Diferentes
locações e personagens de diversas nacionalidades sofrem uma inesperada
verticalização em suas vidas subitamente "globalizadas" a partir de
um tiro de fuzil disparado pela inconseqüência de dois meninos marroquinos em
posse de uma arma de fogo. Para tornar o significado já óbvio do título ainda
mais explícito, uma personagem é surda-muda e, ao se deter sobre ela, algumas
cenas se alternam entre tomadas objetivas - cheias de som e de fúria em discotecas
de Tóquio - e cenas como que vistas pelos olhos da jovem Chieko (Rinko Kikushi,
comovente em ótimo desempenho) - quando o que se escuta é o som do silêncio no
qual vive imersa.
Mas não precisamos ser surdos para não escutarmos e/ou não
entendermos nossos semelhantes, tão próximos e tão distantes - seja geográfica,
seja culturalmente. Esta seria uma das “mensagens” explícitas do filme. Para
demonstrar seu teorema (que é auto-explicativo), o diretor Alejandro Iñárritu e
o roteirista Guillermo Arriaga pesaram a mão nas desgraças encenadas, indo além
do que já nos ofertaram em matéria de infelicidade nos seus filmes anteriores,
Amores Brutos e 21 Gramas, sugerindo que as raízes dos antigos dramalhões
mexicanos invadiram a sua torre de Babel.
Tal como em seus outros filmes, a narrativa segue uma linha
anacrônica de exposição dos fatos, o que parece ser um golpe de efeito para
deixar a platéia em estado de tensão quase intolerável. Pois o espectador
acompanha, alternadamente, uma espécie de ação “atual” no México fronteiriço
com os Estados Unidos enquanto tem acesso a eventos ocorridos “antes”, no
Marrocos. Neste país, os turistas Brad Pitt e Cate Blanchett encontram seu dia
de O Céu que nos Protege – e melhor seria dizer “não protege”: numa terra
estranha, em crise pela perda mais anterior de um filho, ela foi atingida por
uma bala - nem tão - perdida e o calvário da falta de assistência numa estrada
que corta a região, árida e semi-desértica, nos é mostrado em detalhes
tantalizantes. Destaque-se a carência de solidariedade dos demais companheiros
de viagem - ocidentais - chocando-se com a tentativa humilde de auxílio, ainda
que primitiva e sem recursos, prestada por árabes em atitude conformada e
fatalista, mas não necessariamente indiferente. Claro que estamos falando das
pessoas simples de vilas miseráveis e não das “autoridades”, sejam marroquinas
ou americanas, que encaram a situação como “política”, temendo que tenha havido
um ato terrorista.
Já a “ação” mexicana, cronologicamente subseqüente ao que se
acompanha no Marrocos - embora exibida simultaneamente - envolve um casalzinho
de filhos de Pitt e Blanchett atravessando a fronteira, levados ao México pela
governanta (ilegal nos EUA) que não tem com quem deixá-los para ir ao casamento
de seu filho. Novamente a inconseqüência algo naïve – agora dos chicanos,
especialmente por parte do personagem interpretado caricaturalmente por Gael
García Bernal – vai colocar as crianças e a (até então) cuidadosa babá (Adriana
Barraza, excelente) em sérios e graves riscos, incluindo a desorientação em um
deserto como aquele onde estão os pais das criancinhas americanas, em situação
tão ou ainda mais difícil. A escolha sobre quem sofre mais lembra a (falta de)
"escolha de Sofia".
O espectador acompanha as duas ações em cenas que se
alternam, sabendo que uma desgraça antecedeu a outra, mas sem saber o que de
pior ainda poderá acontecer a uns e outros. Em algum momento, o desfecho já não
importa: não interessa mais se os perigos se atenuarão ou se tudo vai ficar
pior ainda do que já está, pois a platéia já foi levada a um estado de
expectativa e angústia que faria a festa do mais dedicado masoquista.
Paralelamente, a história da jovem japonesa fica – em parte
– como um corpo estranho em relação às duas outras narrativas, o que por um
lado enfraquece este segmento que, isoladamente, poderia redundar num filme à
parte até bem interessante. O problema é que, mesmo existindo uma conexão
Tóquio com os demais eventos, o que se passa com a surda-muda Chieko pouco ou
nada tem a ver com os mesmos fatores que desencadearam as duas outras ações. A
moça, que perdeu a mãe há menos de um ano, sente-se rejeitada e marginalizada
por sua deficiência auditiva; e apenas a presença de um detetive (outro ótimo
desempenho) em busca de informações sobre a origem do fuzil que foi parar nas
mãos dos meninos marroquinos é que liga o drama da jovem ao restante da ação. A
ligação mais forte acaba sendo através de algo menos concreto do que um tiro,
mas talvez tão forte quanto: o desamparo e a solidão nossa de cada dia, seja
nos desertos, seja nas grandes cidades.
Já não importam tanto a força dos atores ou a habilidade
manipuladora do cineasta com os golpes de efeito do roteiro (algumas vezes com
causas e conseqüências passíveis de algum questionamento): a soma rebarbativa
de desgraças para a família americana chega às raias do intolerável enquanto a
exposição da insensatez humana em seus preconceitos e desgovernos fica em pano
de fundo - e até mesmo por sua obviedade. A exasperação a que o espectador pode
ser conduzido atinge seu auge quando uma ameaça de amputação alimenta o clima
de expectativa de que o pior ainda pode estar por vir ( !!! ) . Desta vez, os
recursos novelescos embalados por narrativa cinematográfica artesanalmente
eficiente não foram suficientes para que Iñarritu reproduzisse os melhores
resultados de 21 Gramas e deixam novamente em situação bem questionável o
cineasta que “comentou” o “11 de setembro” em um filme coletivo com as imagens
concretamente óbvias e chocantes dos corpos caindo das torres.
Texto reproduzido do site: criticos.com.br
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