segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Crítica do filme: "Hiroshima, Meu Amor"

Imagem postada pelo blog, para simples ilustração

Texto publicado originalmente no site Cine Players, em 24/11/2008 

Crítica do filme: Hiroshima, Meu Amor 1959

Por Demetrius Caesar (Avaliação: 9.0)
 
Ao mesmo tempo cinema, literatura, política, história e filosofia, é um dos mais importantes filmes pós-modernos do cinema.
Hiroshima Meu Amor é formado de três partes e fica ao gosto do freguês escolher qual delas é a que mais lhe interessa. A primeira é a antológica abertura em forma de documentário mostrando os horrores que a bomba atômica causou à população de Hiroshima. Entre cenas de gente mutilada, carbonizada e agonizando de câncer, o cineasta Alain Resnais passeia com sua câmera fantasmagórica ao som da música minimalista de Georges Delarue (habitual parceiro de Jean-Luc Godard) e a fotografia expressionista do fotógrafo Sacha Vierny (conhecido especialmente por suas colaborações na melhor fase de Peter Greenaway) pelos escombros, ruínas e museus da cidade japonesa. Hiroshima Meu Amor é um dos mais contundentes retratos da parte japonesa da Segunda Guerra Mundial.

Eu vi tudo em Hiroshima.
Não, você não viu nada em Hiroshima.

A segunda parte da trama conta a talvez romântica, mas sem dúvida triste história de amor entre uma atriz francesa (Emmanuelle Riva), em Hiroshima para gravar um filme sobre a paz, e o amante japonês (Eiji Okada, o mesmo de A Mulher da Areia [Suna no onna, 1964], de Hiroshi Teshigahara), ambos casados, ela atriz, ele arquiteto, que têm um descompromissado caso. Almas dilaceradas, sofridas, separadas em tudo, estranhamente unidas. A dilacerante atração física dos dois os levará a exorcizar suas memórias de amor e dor.

Eu nasci em Nevers.
Eu cresci em Nevers.
Eu aprendi a ler em Nevers.
E foi em Nevers que eu fiz 20 anos.

A terceira parte é um flashback que remonta a adolescência dela em Nevers, na Bretanha, na época da ocupação nazista. Ela se apaixona por um oficial alemão, desonra toda a família, termina louca trancafiada no subsolo comendo lodo das pedras, gritando enlouquecida pelo amante (morto quando iria encontrar-se com ela), por fim obrigada a fugir para Paris de bicicleta aos 18 anos. Tudo mostrado em cenas amontoadas, dando a impressão de memória fugidia, técnica que o filme foi pioneiro.

Você me mata.
Você me faz bem.

O que levou Hiroshima Mon Amour a marcar toda uma geração de cinéfilos foi a possibilidade aberta pelo filme, em 1959, de um filme total, um produto refinado que fosse ao mesmo tempo cinema, literatura, política, história. Com seus personagens sem nome, seu engajamento ideológico, as inúmeras referências da alta cultura, o assimetria das imagens e a intensa exploração da arquitetura das cidades envolvidas, tudo levava a crer que o cinema se expandia e ia muito além da vulgar diversão para as massas, especializada em contar historietas com início, meio e fim, para firmar-se enfim como arte, uma grande arte que poderia envolver todas as outras. Para o cineasta Eric Rohmer, Hiroshima Mon Amour é o mais importante filme pós-moderno do cinema.

Afinal, Hiroshima Mon Amour era a versão para as telas do movimento francês do Nouveau Roman. Escrito por uma de suas estrelas, Marguerite Duras (que foi indicada ao Oscar por este roteiro), é provavelmente a terceira versão para um episódio de sua adolescência, um caso que ela teve aos 15 anos com um amante japonês na Indochina. Em pelo menos dois de seus livros, o mais famoso e também levado às telas O Amante, e O Amante da China do Norte, ela escreveu sobre a mesma história, com as mesmas cenas, mas, como a memória não é confiável, deixa-se influenciar pelo presente, some em algum canto do cérebro e volta depois transfigurada, Duras, num espaço de 10 anos, escreveu o mesmo livro duas vezes mais esse roteiro, e o resultado é completamente diferente em cada um deles.

Hiroshima Mon Amour foi o primeiro longa de Alain Resnais, que faria da memória o grande tema de seu cinema. Ele vinha de uma obra-prima, o média-metragem e pseudo-documentário Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard, 1956) e, para criar a hipnótica narrativa do filme, inspirou-se na montagem dos filmes russos mudos, fazendo passado e presente coexistirem simultaneamente, com a memória se imiscuindo na realidade. Trouxe também o cubismo para o cinema. Venceu o Prêmio da Crítica no Festival de Cannes, em sua carreira multipremiada.

Assim, enquanto a mulher vê crianças órfãs deformadas pela radiação, o japonês lhe morde a orelha dizendo "Eu creio que eu te amo". Alguns das “vítimas” aparecem no meio da multidão sorrindo, enquanto fotos de seus corpos destroçados passeiam em cartazes numa passeata. Ao contar a história do amante alemão, ela pensa que o traiu, pois contar uma história é também uma forma de esquecê-la. A própria história de amor com o japonês se transforma em memória.

Seu nome é Hiroshima.
E o seu é Nevers, na França.

Texto reproduzido do site: cineplayers.com

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