Imagem postada pelo blog, para simples ilustração
Crítica do filme: Hiroshima, Meu Amor 1959
Por Demetrius Caesar (Avaliação: 9.0)
Ao mesmo tempo cinema, literatura, política, história e
filosofia, é um dos mais importantes filmes pós-modernos do cinema.
Hiroshima Meu Amor é formado de três partes e fica ao gosto
do freguês escolher qual delas é a que mais lhe interessa. A primeira é a
antológica abertura em forma de documentário mostrando os horrores que a bomba
atômica causou à população de Hiroshima. Entre cenas de gente mutilada,
carbonizada e agonizando de câncer, o cineasta Alain Resnais passeia com sua
câmera fantasmagórica ao som da música minimalista de Georges Delarue (habitual
parceiro de Jean-Luc Godard) e a fotografia expressionista do fotógrafo Sacha
Vierny (conhecido especialmente por suas colaborações na melhor fase de Peter
Greenaway) pelos escombros, ruínas e museus da cidade japonesa. Hiroshima Meu
Amor é um dos mais contundentes retratos da parte japonesa da Segunda Guerra
Mundial.
Eu vi tudo em Hiroshima.
Não, você não viu nada em Hiroshima.
A segunda parte da trama conta a talvez romântica, mas sem
dúvida triste história de amor entre uma atriz francesa (Emmanuelle Riva), em
Hiroshima para gravar um filme sobre a paz, e o amante japonês (Eiji Okada, o
mesmo de A Mulher da Areia [Suna no onna, 1964], de Hiroshi Teshigahara), ambos
casados, ela atriz, ele arquiteto, que têm um descompromissado caso. Almas
dilaceradas, sofridas, separadas em tudo, estranhamente unidas. A dilacerante
atração física dos dois os levará a exorcizar suas memórias de amor e dor.
Eu nasci em Nevers.
Eu cresci em Nevers.
Eu aprendi a ler em Nevers.
E foi em Nevers que eu fiz 20 anos.
A terceira parte é um flashback que remonta a adolescência
dela em Nevers, na Bretanha, na época da ocupação nazista. Ela se apaixona por
um oficial alemão, desonra toda a família, termina louca trancafiada no subsolo
comendo lodo das pedras, gritando enlouquecida pelo amante (morto quando iria
encontrar-se com ela), por fim obrigada a fugir para Paris de bicicleta aos 18
anos. Tudo mostrado em cenas amontoadas, dando a impressão de memória fugidia,
técnica que o filme foi pioneiro.
Você me mata.
Você me faz bem.
O que levou Hiroshima Mon Amour a marcar toda uma geração de
cinéfilos foi a possibilidade aberta pelo filme, em 1959, de um filme total, um
produto refinado que fosse ao mesmo tempo cinema, literatura, política,
história. Com seus personagens sem nome, seu engajamento ideológico, as
inúmeras referências da alta cultura, o assimetria das imagens e a intensa
exploração da arquitetura das cidades envolvidas, tudo levava a crer que o
cinema se expandia e ia muito além da vulgar diversão para as massas,
especializada em contar historietas com início, meio e fim, para firmar-se
enfim como arte, uma grande arte que poderia envolver todas as outras. Para o
cineasta Eric Rohmer, Hiroshima Mon Amour é o mais importante filme pós-moderno
do cinema.
Afinal, Hiroshima Mon Amour era a versão para as telas do
movimento francês do Nouveau Roman. Escrito por uma de suas estrelas,
Marguerite Duras (que foi indicada ao Oscar por este roteiro), é provavelmente
a terceira versão para um episódio de sua adolescência, um caso que ela teve
aos 15 anos com um amante japonês na Indochina. Em pelo menos dois de seus
livros, o mais famoso e também levado às telas O Amante, e O Amante da China do
Norte, ela escreveu sobre a mesma história, com as mesmas cenas, mas, como a
memória não é confiável, deixa-se influenciar pelo presente, some em algum
canto do cérebro e volta depois transfigurada, Duras, num espaço de 10 anos,
escreveu o mesmo livro duas vezes mais esse roteiro, e o resultado é
completamente diferente em cada um deles.
Hiroshima Mon Amour foi o primeiro longa de Alain Resnais,
que faria da memória o grande tema de seu cinema. Ele vinha de uma obra-prima,
o média-metragem e pseudo-documentário Noite e Nevoeiro (Nuit et Brouillard,
1956) e, para criar a hipnótica narrativa do filme, inspirou-se na montagem dos
filmes russos mudos, fazendo passado e presente coexistirem simultaneamente,
com a memória se imiscuindo na realidade. Trouxe também o cubismo para o
cinema. Venceu o Prêmio da Crítica no Festival de Cannes, em sua carreira
multipremiada.
Assim, enquanto a mulher vê crianças órfãs deformadas pela
radiação, o japonês lhe morde a orelha dizendo "Eu creio que eu te
amo". Alguns das “vítimas” aparecem no meio da multidão sorrindo, enquanto
fotos de seus corpos destroçados passeiam em cartazes numa passeata. Ao contar
a história do amante alemão, ela pensa que o traiu, pois contar uma história é
também uma forma de esquecê-la. A própria história de amor com o japonês se
transforma em memória.
Seu nome é Hiroshima.
E o seu é Nevers, na França.
Texto reproduzido do site: cineplayers.com
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