Publicado originalmente no site DVDMAGAZINE, em 01/04/2015
"O Manto Sagrado" - O primeiro sucesso em CinemaScope
Em tempos de Páscoa, saiba tudo sobre o filme que foi exibido
num formato que viria a revolucionar o cinema na época
Por Paulo Telles *
Um dos primeiros filmes rodados no processo Cinemascope
surgiu para botar a televisão para escanteio. Tudo porque este então novo
veículo de comunicação ameaçava o cinema, e as salas de exibição tornavam-se
cada vez mais vazias. O conforto de se ver televisão em casa provocava medo na
indústria de filmes, e donos de estúdios, produtores, cineastas, e artistas, se
mobilizavam para não perderem concorrência com a telinha.
Parecia que a Sétima Arte estava com seus dias contados. Os
recursos que os grandes produtores encontraram para evitar a extinção do cinema
e perder a concorrência com a TV foi expandir o formato de seus filmes. Devemos
lembrar que, após o Cinemascope, ainda surgiram os processos Vistavision e
Panavision (Câmera de 65mm, como foi rodado Ben-Hur), e ainda o Techinirama
70mm (como em El-Cid e Rei dos Reis), ambos os formatos visavam transformar
grandes produções em mega-espetáculos, e nada como filmes com temáticas
históricas ou grandes épicos a serem produzidos. Sem essas técnicas, jamais existiria
o formato Widescreen, que percorre hoje a grande maioria dos DVDS lançados no
Mercado.
O curioso é que o Cinemascope já era um processo antigo
antes de seu lançamento oficial nos anos de 1950. Brilhantemente, Darryl F.
Zanuck (1902-1979), o chefão da 20th Century Fox, encontrou a solução para
sobrepujar a concorrência com a televisão, quando se lembrou do invento do
francês Henry Chrétien (1879-1956), patenteado em 1927, com o nome de Sistema
Hypergonar, que consistia basicamente numa câmara de lente anamórfica, capaz de
criar imagens destinadas a uma tela duas vezes maior que a tradicional.
Aperfeiçoando e "estereofonizando", o processo criado por Chrétien
ressurgiu com o nome de Cinemascope, e rendendo uma fortuna aos cofres da Fox.
Com esta vitória da Indústria Cinematográfica Hollywoodiana,
que conseguiu com isto promover a volta do público para as grandes salas, O
Manto Sagrado/The Robe ficou na história como o primeiro filme a ser lançado no
formato Cinemascope, levando plateias no mundo inteiro aos cinemas, e um dos
filmes mais exibidos nos feriados de Páscoa em muitos cinemas do Brasil (em
alguns lugares, ficou em cartaz por quase 10 anos em reprises)- e também era
filme garantido de toda Sexta-Feira Santa nas antigas "Sessão da Tarde"
da TV . No entanto, é justamente no televisor que o filme perde impacto visual,
pois a telinha deforma o Cinemascope, perdendo os enquadramentos originais.
A trama do filme percorre durante o primeiro século do
Cristianismo, nos últimos anos do reinado de Tibério (Ernest Thesiger,
1879-1961), quando Roma era a "dona do mundo". Marcellus Gallio
(Richard Burton, 1925-1984) é um jovem tribuno que está sempre envolvido com
jogos ou mulheres. Além disto tem uma rixa pessoal com Calígula (Jay Robinson,
1930-2013), o herdeiro do trono. A situação se complica quando Marcellus
oferece, em um leilão de escravos, a absurda quantia de três mil moedas de ouro
por Demétrius (Victor Mature, 1913-1999), um escravo grego, que também estava
sendo disputado por Calígula.
Ao se ver derrotado por Marcellus, Calígula encara isto como
uma afronta pessoal e então manda o tribuno ir servir imediatamente em
Jerusalém, na Palestina, considerado o pior lugar do império. Entretanto,
devido a motivos políticos, após pouco tempo em Jerusalém o tribuno é chamado
de volta por Tibério. Mas, antes de partir, recebe do Governador romano de
Jerusalém, Pôncio Pilatos (Richard Boone, 1917-1981) a missão de supervisionar
a execução de uma sentença: a crucificação de Jesus Cristo. Finda a tarefa, ele
e outros soldados disputam em um jogo de dados próximo à cruz a posse do manto
vermelho usado pelo mártir. Marcellus vence, mas o manto fica com Demétrius,
pois quando Gallio tentou usar o manto algo o afligiu de forma indescritível.
Demétrius, que já tinha se tornado um cristão, lhe tirou o manto e disse que
jamais o serviria novamente, pois ele tinha crucificado seu mestre. Em seu
retorno, o tribuno fala frases sem sentido, como se algo muito forte o
atormentasse.
Já em Capri, onde estava o imperador e Diana (Jean Simmons,
1929-2010), a amada de Marcellus, alguns membros da corte e o próprio Tibério,
vendo que Gallio se portava de modo estranho, ouvem por horas o que aconteceu
com o tribuno em Jerusalém. Tibério acha que o tribuno pode ter perdido a
razão, mas quando Gallio atribui que a aflição que sente só aconteceu após se
cobrir com o manto de Jesus, então o adivinho da corte conclui que o manto
estava enfeitiçado e precisa ser destruído. Isto parece lógico tanto para
Tibério como para Marcellus, então o tribuno irá retornar à Palestina para
destruir o manto e descobrir os nomes dos cristãos, mas esta viagem irá afetar
profundamente sua vida.
Uma vez lá, em sua procura pelo manto, Marcellus vai à
pequena vila de Caná, onde conhece Justus (Dean Jagger, 1903-1991) e Miriam
(Betta St John), dois exemplos de vida cristã.
Embora não acredite em algumas coisas que lhe falam, como a ressurreição
de Cristo, o tribuno começa a ter dúvidas sobre suas crenças. Justus lhe diz que conhece sua identidade e
lhe informa que todos já o perdoaram, assim como Jesus o perdoou. Logo depois, ao tentar convencer Marcellus do
amor de Jesus, Miriam lhe diz que um dos seus discípulos, Simão Pedro (Michael
Rennie, 1909-1971), conhecido como “O Grande Pescador”, acaba de chegar em companhia
de seu companheiro grego.
Ao pedir o manto para ser queimado, Marcellus ouve de
Demétrius que o problema dele não está no manto e sim em sua consciência, em
seu coração, por ter crucificado o Messias.
Receoso, em princípio, mas encorajado por Demétrius, o tribuno termina
abraçando o manto sagrado e se livrando de todas as suas angústias.
Em seguida, Marcellus é levado à presença de Pedro e termina
convertendo-se ao cristianismo, passando a seguir o apóstolo. Tempos de depois, Pedro e seus seguidores
chegam à Roma e passam a viver nas catacumbas.
Com a morte de Tibério, Calígula é o novo imperador e inicia uma
perseguição implacável aos cristãos.
Quando Demétrius é preso e torturado, Marcellus decide libertá-lo, o que
consegue com a ajuda de um grupo de homens.
Entretanto, durante a fuga, eles são perseguidos e, em benefício da
liberdade do grupo, Marcellus atrai seus perseguidores, a quem se entrega.
Demétrius, que estava alquebrado e prestes a morrer devido às consequências da
tortura, é curado por São Pedro.
Depois que Marcellus é capturado, Diana o visita em sua cela
e lhe implora para que renegue Jesus, a fim de salvar a si próprio, mas ele
fala pra ela sobre o povo de Caná, que nunca renegou Jesus, apesar do perigo de
ser seu seguidor.
Marcellus é então levado a julgamento por traição,
oportunidade em que confessa ser um cristão. Calígula ridiculariza as
afirmações do tribuno de que o seu rei é o Rei do Céu, que acredita em amor,
compaixão e caridade acima de tudo. Irritado por que Diana ainda prefere
Marcellus a ele, Calígula faz com que a assembleia exija a morte do tribuno.
Diana, movida pela crença apaixonada de Marcellus e repugnada pela tirania de
Calígula, escolhe morrer com o homem que realmente ama. Enquanto eles caminham
juntos, Marcellus é reconhecido por seu pai (que o reprovava), arrependido, e
Diana entrega o manto ao empregado de Marcellus, a quem pede para levá-lo até
Pedro. Em seguida, continuam a caminhada em direção ao pátio dos arqueiros,
onde deveriam ser mortos, em testemunha da fé.
O Manto Sagrado foi indicado para cinco categorias do prêmio
Oscar em 1953, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator para Richard Burton, e
permanece um dos maiores épicos religiosos de todos os tempos, ao lado de Quo
Vadis (1951) e Ben-Hur (1959).
A fita, dirigida por Henry Koster (1905-1988), foi baseada
no romance escrito em 1942 por Lloyd C. Douglas (no Brasil, o romance foi
publicado com o título de O Manto de Cristo).
A trilha sonora foi encarregada por Alfred Newman (1901-1971), de A
Canção de Bernadete. Os direitos do romance, publicado em 1942, chegaram a ser
comprado pela RKO, que deixou engavetado por quase dez anos, até que no início
de 1950, vendeu para 20th Century Fox, que tinha interesse em filmar com Tyrone
Power no papel do Tribuno, mas o ator acabou desistindo após desentendimentos
com Darryl F. Zanuck.
O Filme foi um estrondoso sucesso e foi ocasião ímpar em
toda História da Cinematografia, pois todas as salas de cinema tiveram que ser
reformadas para recepcionar o lançamento deste êxito das telas. Entretanto,
Darryl Zanuck, detentor por direito do romance de Lloyd C. Douglas (1877-1951),
ainda quis reaproveitar as restantes 200 páginas do volumoso Best Seller, e
aproveitando o embalo do sucesso de The Robe, o estúdio resolveu fazer uma sequência
da obra, em 1954, sob a direção de Delmer Daves (1904-1977) especialista em
dramas e westerns (Galante e sanguinário), e repetindo Victor Mature
(Demetrius), Michael Rennie (São Pedro) e Jay Robinson (Calígula) nos seus
respectivos papéis em O Manto Sagrado. Demétrius e os Gladiadores/Demetrius and
the Gladiators, escrito por Philip Dunne (1908-1992) com base nos personagens
de Lloyd C Douglas, transcorre após o martírio de Marcellus (Richard Burton) e
Diana (Jean Simmons), ocorrida no desfecho de O Manto Sagrado. O cristão
Demétrius, perseguido pelo imperador por ter escondido o Manto de Cristo, é
preso e feito gladiador na arena, comandada por Strabo (Ernest Borgnine,
1917-2012).
Quando sua amada Lucia (Debra Paget) entra em estado de
choque ao risco de ser violentada por um dos gladiadores, Dardanius (Richard
Egan, 1921-1987), Demétrius perde a fé e sucumbe aos encantos de Messalina
(Susan Hayward, 1918-1975). Trilha sonora de Franz Waxman (1906-1967), com base
no repertório de Alfred Newman. É importante frisar que nesta sequencia, o
clima de religiosidade melodramática do filme anteriorfoi substituída por
exuberante ação física e estimulantes aspectos aventurescos.
O Manto Sagrado foi lançado nos Estados Unidos a 24 de
setembro de 1953, no Chinese Theatre, em Hollywood, inaugurando definitivamente
o Cinemascope. Não demorou muito, a novidade chegou ao Brasil, repetindo o
mesmo sucesso de Los Angeles. Não diferente também como ocorrido nas salas de
cinema dos EUA, algumas salas aqui tiveram também que ser adaptadas para a
estreia de The Robe no Brasil, inclusive no Rio de Janeiro, a então Cidade
Maravilhosa, recebeu de braços abertos, tal qual o Cristo Redentor, a sacra
película estrelada por Richard Burton, Jean Simmons, Victor Mature, e Michael Rennie.
O Cine-Palácio no Centro do Rio de janeiro teve suas instalações alteradas para
a estreia, e finalmente, a 15 de abril de 1954, estreou O Manto Sagrado nas
salas cariocas.
* Paulo Telles é natural do Rio de Janeiro, onde nasceu em
1970. Mora na mesma cidade na região boêmia da Lapa. Curte cinema desde a
adolescência, e através das matinês da TV, aprendeu a amar a Sétima Arte e os
astros e estrelas do passado. Ele é o editor do blog FILMES ANTIGOS CLUB, acessível
em: http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/, espaço dedicado a
matérias relacionadas ao cinema antigo, com biografias e resenhas de alguns
filmes. Também é locutor da Escola de Rádio Web. Email:
filmesantigosclub@hotmail.com ou paulotellescineradio@r7.com
Texto e imagens reproduzidos do site: dvdmagazine.com.br
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