sábado, 20 de abril de 2019

Para entender Bergman (ou começar)


Para entender Bergman (ou começar) 

Por Carolina Carmini

Poucos diretores imprimem sua marca e transformam suas películas em obras de arte. Trabalhos capazes de tocam a quem assiste de maneira tão profunda e irreversível que alteram sua percepção da própria vida. Ingmar Bergman é um desses exemplos. Suas obras estão repletas de poesia e são de extrema complexidade. Mas não fuja. Assistir os filmes de Bergman é uma experiência pessoal, única e uma oportunidade para conhecer intimamente o diretor.

Ingmar Bergman (1918 — 2007) é um dos maiores cineastas da história. Sua produção foi extensa, mais de cinquenta filmes e roteiros – entre os anos de 1946 a 2003 - intercalados por uma série de trabalhos para televisão, sem contar peças de teatro. Bergman faz parte da geração de cineastas que surgiram após à II Guerra Mundial, que despontaram mundialmente com seus filmes de narrativas mais complexas, explorando ao máximo a linguagem cinematográfica. Histórias um pouco diferentes das que dominavam as telas do mundo - com exceções, brilhantes, logicamente - histórias que fugiam das conclusões previsíveis e finais palatáveis. É neste período que surgem o neorrealismo italiano, a Nouvelle Vague, o cinema novo, entre outros movimentos.

A densidade do pensamento de Bergman vem da própria cultura e sociedade nórdica. Não é possível compreender sua produção sem pensar na tradição teatral sueca e nórdica em geral, de Henrik Ibsen (1828-1906), Søren Kierkegaarg (1813-1855) e August Strindberg (1849-1912). A produção de uma sociedade avançada, no aspecto material, permitiu a concentração incisiva nos problemas mais angustiantes e existenciais do homem moderno. 

O que atrai em sua obra é o modo como Bergman trabalha com temáticas delicadas e de forte carga existencial: a solidão, a religião (resultado de sua criação religiosa), a morte, o erotismo com toda sua violência e impotência, a racionalidade mesclada nos mais diversos absurdos. Na atualidade, seus filmes causam estranheza e são por vezes difíceis de compreender - e ainda permanecem extremamente atuais.

De seus filmes saíram atores consagrados que conquistaram o mundo, como Max von Sydow, Bibi Andersson e Liv Ullmann. Como técnica, temos o flashback, ferramenta essencial em suas narrativas e que se tornou uma característica em seus filmes, assim como a interação do ator diretamente com a câmara, como se estivesse dialogando ou olhando para o espectador. Elementos e pessoas que ajudaram Bergman a construir seu cinema.

Sétimo Selo (1956), filme que representa o auge da genialidade do diretor, foi baseado numa peça de teatro escrita pelo próprio Bergman. O filme demonstrou alguns dualismos vividos por Ingmar, em torno das crenças religiosas herdadas do pai, um pregador luterano autoritário. A questão da fé e as consequências existenciais do enfrentamento de fé e filosofia são reflexões que Bergman extraiu do pensamento de Kierkegaard e desenvolveu através da torturante e angustiante dúvida e da fé em Deus, questão essencial da existência humana.

Esteticamente, o grande trunfo foi realizar o filme em branco e preto - como outros filmes seus do período - ainda que na época já houvesse filmes coloridos. Uma escolha perfeita para a atmosfera de desespero e desolação da Idade Média, que potencializou as cenas da queima da bruxa e das pessoas flageladas. 

Já em Morangos Silvestres (1957), Bergman entra no mundo da subjetividade para traduzir a jornada para a compreensão do sofrimento e a busca pela reconciliação com seu passado e presente. Vemos um dia na vida de Isak Borg em um road movie existencial, onde a memória, o onírico e o real se entrelaçam e evidenciam a angústia do personagem e a sua tentativa de se reconstruir a si mesmo e suas relações.

Em Persona (1966), Bergman trabalha questões existenciais, a metáfora do cinema e do teatro, e a própria realidade por meio de cenas de puro simbolismo. Os tons cinza ajudam a criar a atmosfera de frieza e isolamento das personagens.

A personagem principal, Elisabeth, é uma famosa atriz que durante a apresentação da peça Electra toma consciência da mentira em que vive e decide não mais mentir - e para isso cala-se. Por isso, o som e o silencio são instrumentos utilizados para acentuar o suspense ou a dramaticidade de cada cena e criar o ritmo da película. O título do filme remete ao teatro (o termo persona provém da máscara usada nas tragédias gregas).

Em Gritos e sussurros (1972), a questão exaltada é a impossibilidade de separar a dor física da dor mental, vendo a mente e o corpo como um elemento único. A dor da personagem de Agnes existe. Perpassa seu ser, nasce e morre nas relações familiares com sua mãe no passado e suas duas irmãs no presente. Irmãs que também sofrem, mas que, diferentemente de Agnes, não percebem de onde pode vir o alivio para a dor incessante: o amor e o afeto. Apenas Anna, a governanta - menosprezada pelas irmãs – é capaz de dar alívio físico e mental a Agnes.

Karin, uma das irmãs, chega ao ponto de automutilar-se para evitar o contato do marido. Enquanto Marie é indiferente à tentativa de suicídio do marido quando este descobre que foi traído por ela. Nenhuma das irmãs é má - Bergman não trabalha com bem versus mal -, são apenas impotentes diante da dor própria e alheia. A própria cor vermelha, onipresente no filme, é a visão que possui da alma humana.

Estes são apenas quatro filmes de sua extensão produção, mas o suficiente para perceber a complexidade e profundidade da alma de Bergman, e principalmente como sua obra é atemporal e capaz de tocar a todos.

Texto e imagem reproduzidos do site: obviousmag.org

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