Publicado originalmente no blog Osvaldo Campos, em 15
de julho de 2014
André Setaro: uma perda intelectual para o cinema na Bahia
Por Márcia Luz*
Além de profundo conhecedor de cinema, o professor André
Setaro, falecido no dia 10, era um homem de um humor e tanto. Nos últimos anos,
rendeu-se à internet e, através do seu perfil no facebook, compartilhava com os
seguidores o que até então só seus alunos tinham o privilégio de ouvir dele.
Com sua partida, perdem os estudantes de Comunicação da Universidade Federal da
Bahia, mas perdem também os cinéfilos, que tinham nele um dos melhores críticos,
e a rede social, que deixará de ter suas dicas, comentários e resgates da
história sobre a sétima arte. Responsável pela formação de novos amantes do
cinema e cineastas, André Setaro era acima de tudo generoso. Como salienta a
cineasta, professora de Cinema e jornalista Ceci Alves, que foi aluna do
professor, Setaro deu sofisticação à discussão de temas ligados à sétima arte e
apresentou o cinema clássico para uma geração que não tinha acesso a isso.
"Se não fosse ele, a nossa geração não teria tido a formação que tivemos.
Ele levava coisas raras para a sala de aula e para o convívio das pessoas. Ele
era muito generoso e, para ele, não existia cinema maior ou cinema menor. Era
uma pessoa boníssima e divertida. Entre outras coisas, foi ele quem me deu a
ideia da dissertação do Mestrado e foi ele quem me deu também a primeira
entrevista", ressaltou a diretora dos premiados curtas 'Doido Lelê' e 'O
Velho Rei'. O cineasta Sérgio Machado, que também foi aluno de Setaro na
Faculdade de Comunicação da UFBA, relembrou as boas conversas que teve com o
professor enquanto estiveram juntos, bem como a admiração que dividiam por
Hitchcock. "Acho que ele me
influenciou muito mais como cinéfilo do que como cineasta. Admirava o amor tão
visceral que tinha pelo cinema", salienta. Machado recorda, ainda, que sua
primeira produção sobre cinema aconteceu por convite do professor. Ainda
estudante de Comunicação, escreveu um artigo sobre John Wayne para a coluna de
Setaro em um jornal de Salvador, mais uma das generosidades do professor. No
facebook, o professor Maurício Tavares lamentou a morte de Setaro e lembrou uma
das maiores características do professor: "Era realmente uma pessoa
especial, não porque morreu. Adorava o humor sarcástico dele. Além do mais
recebia provocações com muito bom humor". De fato, o humor de Setaro era
sua marca registrada e o toque especial de seus textos e considerações. Usava
isso tanto para falar sobre o cotidiano quanto para comentar cinema. Na medida
certa da elegância, mas sem deixar de promover o riso em quem o lia. Na onda da
superexposição da rede social, espaço no qual as pessoas informam cada passo da
vida e suas investidas amorosas, ele não deixou passar em branco e postou há
pouco tempo: "Estou num relacionamento sério com uma aranha
caranguejeira".
No dia a dia, era muito comum o professor postar fotos
engraçados, imagens de sua musa Brigitte Bardot e fazer comentários sobre
curiosidades do cinema e suas observações: "Nos filmes de tempos idos,
quando um homem beijava uma mulher na boca, chamava-se "colada" - e
era realmente uma "colada" de lábios, pois beijo de língua nem
pensar. Mas a plateia sempre que isso acontecia gritava: "Chupa,
Caetano!!!" Até hoje ainda não descobri a significação desse
"Caetano" O Veloso não era, pois ainda de calças curtas em Santo
Amaro e um ilustre desconhecido. Igualmente enriquecedor era ler o que Setaro -
também autor da trilogia 'Escritos sobre Cinema' (Depoimentos, atores e
diretores; Cinema Baiano, e Linguagem e Outros Temas - Introdução ao Cinema) -
escrevia sobre suas próprias memórias cinematográficas. Ele relembrou, por
exemplo, o impacto da primeira vez que assistiu ‘Deus e o diabo na terra do
sol', filme de Glauber Rocha. "Faz meio século (eu infelizmente - e bota
infelizmente nisso, pedindo desculpas aos facebookianos mais velhos, já dobrei
este ''cabo da má esperança" há 13 anos - estou com provectos 63 a caminho
dos 64, e, aqui, a lembrança do inesquecível Billy Blanco: "o enfarte te
pega, doutor, e acaba essa banca!". Devo dizer que ele, o enfarte, já
mo-lo pegou em 2006, mas, como "vaso ruim não quebra", resguardou-me
para o aparecimento do Facebook, a fim de que possa, 'comme il faut' (valei-me
poderosa July!!!) chatear vocês com o facebookiano "o que você está
pensando"). Tinha 13 a caminho dos 14. O filme era proibido para menores
de 18 anos. Fiz de conta que também saía, e andando de costas, entrei. O filme
simplesmente impactou o adolescente que era. Na saída, encontrei-me com
Florisvaldo Mattos e Sergio Gomes. Mas ainda não os conhecia. Mudo estava, mudo
fiquei. O filme foi lançado no cinema Guarany de Salvador".
Com a morte de André Setaro, a perda é pessoal para seus
alunos, amigos e familiares, mas também intelectual para quem se interessa por
cinema. O cinema, que, aliás, já havia perdido, em maio, o crítico João Carlos
Sampaio, também amigo do professor e a quem ele homenageou com as seguintes
palavras: "A Bahia perde o mais atento jornalista na cobertura das coisas
de cinema. Sampaio era um workaholic em relação a seu trabalho, pois sua coluna
em A Tarde (jornal soteropolitano), além de ter críticas bem pensadas sobre os
lançamentos mais importantes, pontuava, com regularidade, o movimento do cinema
baiano - não se recusava, inclusive, a fazer matérias de páginas inteiras sobre
os filmes e cineastas. No momento atual do jornalismo baiano, quando a cultura
está indo pra o brejo, como assinalou o poeta Ruy Espinheira Fillho, a falta de
João Carlos Sampaio é imensa. Era uma pessoa de lhano trato, terno, de
sensibilidade à flor da pele. Minha homenagem a este homem que amava o
cinema". Sem dúvidas, duas grandes baixas para o cenário cinematográfico
da Bahia no mesmo ano. Ficam os exemplos do que foram e o que fizeram pela
cultura.
*Jornalista, escreve no IBahia [ibahia.com]
Texto e imagem reproduzidos do site: osvaldocampos.blogspot.com
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