segunda-feira, 17 de junho de 2019

O adeus ao diretor de cinema italiano Franco Zeffirelli

Franco Zeffirelli, em 1972 (Foto: Getty Images)

Publicado originalmente no site do jornal El País Brasil, em 15 de junho de 2019

O adeus ao diretor de cinema italiano Franco Zeffirelli

Cineasta e cenógrafo, apaixonado por ópera e indicado ao Oscar por 'Romeu & Julieta', faleceu em Roma aos 96 anos

Por Gregorio Belinchón

Com a morte de Franco Zeffirelli, cujo nome real era Gianfranco Corsi, no sábado aos 96 anos em sua casa em Roma, desaparece uma concepção de cinema muito próxima à operística. Atualmente, muitos diretores também consideram os filmes como ferramentas para levantar grandes espetáculos, mas a linha de Zeffirelli, herdada de um gênio que também foi seu amante, Luchino Visconti, desaparece com ele. Visconti criou um cinema mais apegado à terra e aos sentimentos que o de Zeffirelli, cuja obra se manteve aferrada a um classicismo na forma e nos temas e autores que o inspiraram. Apesar disso, a carreira do cineasta se prolongou durante seis décadas através do cinema, do teatro e da ópera. Com indubitável sucesso, especialmente nos anos sessenta e setenta: é um dos oito diretores italianos que foram indicados ao Oscar. Zeffirelli “se apagou serenamente após uma longa doença”, disseram alguns veículos de comunicação italianos citando fontes próximas ao cineasta.

Nascido em Florença em 1923, Gianfranco Corsi era o filho ilegítimo de um comerciante de lãs, Ottorino Corsiuna, e uma estilista, Adelaide Garosi Cipriani, que tinha um próspero negócio no centro da cidade. Os dois eram casados com outras pessoas, e o escândalo do nascimento de Gianfranco prejudicou a loja de sua mãe, que faleceu quando seu filho tinha seis anos. Garosi era apaixonada por Mozart, e quis dar ao menino o nome da aria de Idomeneo chamada Zeffiretti lusinghieri, mas se enganaram no registro civil e escreveram Zeffirelli.

Criado na casa de uma tia, onde aprendeu inglês, sua paixão pelo teatro começou durante sua infância, quando ao passar férias na Toscana viu obras representadas por companhias itinerantes. Durante a Segunda Guerra Mundial, Zeffirelli fez parte da guerrilha da resistência italiana, e após a entrada das tropas aliadas em seu país, trabalhou como tradutor para um regimento escocês.

Com o final do conflito, o artista estudou Arte e Arquitetura em sua cidade natal e começou a atuar em produções radiofônicas. Chegou ao cinema como ajudante de direção de Vittorio de Sica, Roberto Rossellini e do homem que mudou sua vida, Luchino Visconti. Eles se conheceram em Roma, quando Zeffirelli atuou em um pequeno papel de uma adaptação teatral de Crime e Castigo dirigida por Visconti. Em 1948 se transformou em seu assistente de direção em A Terra Treme. Também trabalhou com Visconti em Sedução da Carne (1954), e Zeffirelli ajudou Salvador Dalí a colocar a salvo os desenhos que o pintor espanhol realizou para a versão destinada aos palcos italianos dirigida por Visconti de As You Like It, de Shakespeare.

Em meados dos anos cinquenta nasceu sua amizade com Maria Callas, a quem dirigiu em várias óperas – Zeffirelli costumava se encarregar também da cenografia –, de modo que após estrear na direção cinematográfica com a comédia Camping (1958), seu segundo longa-metragem foi o documentário para televisão Maria Callas: Live at Covent Garden (1964).

Em 1960, após dirigir com sucesso a ópera Lucia di Lammermoor, na Royal Opera House de Londres, provocou um terremoto nos palcos londrinos com sua versão no Old Vic de Romeu & Julieta, com cenários que recriavam a Itália de forma realista e com um jovem elenco de acordo com as idades das personagens do drama de Shakespeare, começando pelos protagonistas, John Stride e Judi Dench. Com esse trabalho ganhou um Tony especial pela cenografia.

Manteve a mesma aposta ao levar Romeu & Julieta ao cinema em 1968. O casal protagonista, Leonard Whiting e Olivia Hussey, era tão jovem que, como na tela apareciam os seios de Hussey, a atriz não pôde assistir a première do filme em Londres porque a classificação de idade recebida por Romeu & Julieta não a deixava entrar na sala. Ainda que um ano antes Zeffirelli havia dirigido Richard Burton e Elizabeth Taylor em A Megera Domada (sua versão da obra), foi Romeu & Julieta o filme que lhe deu fama, uma indicação ao Oscar e o transformou em milionário.

Muitos de seus filmes não suportaram bem o passar do tempo; somente alguns, como sua biografia de São Francisco de Assis, Irmão sol, irmã lua, de 1972, mantêm sua frescura e inovação. Entre seus trabalhos baseados em óperas se destacam La Traviata (1982) – com a qual obteve sua segunda indicação ao Oscar, dessa vez graças à sua direção artística –, Cavalleria Rusticana (1982), Tosca (1985), Otello (1986) e Don Carlo (1992).

Nos anos setenta conseguiu encadear três de seus grandes sucessos. Primeiro, em 1976, dirigiu Plácido Domingo em um espetacular Otello no La Scala; depois filmou uma desmistificadora e realista visão – tanto para cinema como para televisão – da vida de Jesus Cristo em Jesus de Nazaré (1977), e por fim dirigiu uma nova versão do drama de pugilismo O Campeão (1979), com Jon Voight, Faye Dunaway e Rick Schroder.

Entre seus filmes estão O Jovem Toscanini (1988) – biografia do mítico diretor de orquestra, idolatrado por Zeffirelli (o cineasta era neto de outro diretor de orquestra) –; Hamlet (1990), com Mel Gibson e Glenn Close; Sparrow (1993), Jane Eyre - Encontro com o Amor (1996), com William Hurt e Charlotte Gainsbourg, e Chá com Mussolini (1999), em que ele, sem basear-se em fatos reais, ilustrou o ambiente em que se criou o diretor. Como homenagem a sua amiga Maria Callas, seu último filme foi uma biografia sobre os últimos anos da diva: Callas Forever (2002).

Católico e conservador – foi senador de 1994 a 2001 pelo partido de Silvio Berlusconi, Força Itália –, Zeffirelli detestava a palavra gay (“Uma forma estúpida de chamar os homossexuais, como se fossem palhacinhos inócuos e divertidos”, escreveu em sua autobiografia de 2003). Em suas memórias disparou contra muita gente, como os críticos: “A ignorância, a incompetência e, principalmente, a falta de paixão de muitos críticos são evidentes. Para alguns deles sou uma relíquia do passado, o representante de um estilo teatral abandonado pelas novas gerações de diretores. O fato de que meu trabalho continua sobrevivendo impávido, apesar de sua hostilidade, os irrita profundamente”.

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com

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