Nota publicada originalmente no BLOG DO IMS, em 10.03.14
Coisas que esqueci mas que não me saem da cabeça
Por José Carlos Avellar
(...) Notas à margem de Ano passado em Marienbad e de Alain
Resnais no ano passado
Durante algum tempo, entre o lançamento e o retorno aos
cinemas do Rio pouco mais tarde, Ano passado em Marienbad permaneceu aceso na
memória. O filme estreou numa segunda-feira e foi retirado de cartaz no dia
seguinte. Por isso, quando voltou a ser exibido no Cinema de Arte Mesbla, fui
logo à primeira sessão. A projeção começou sem a lente scope, a imagem
comprimida. Reclamei com o lanterninha. Não existem mais lanterninhas nos
cinemas, mas no tempo em que as pessoas costumavam entrar na sala a qualquer
momento da projeção e não como agora, somente antes do começo do filme, no
tempo em que todos iam ao cinema todo o tempo, o lanterninha estava lá para
indicar com luz baixa o corredor entre as cadeiras e apontar um lugar vago. Ele
avisou o projecionista, mas a projeção continuou com a lente errada. Reclamei
de novo, e diante de minha insistência ele disse que eu poderia falar
diretamente com o projecionista. Fui recebido na cabine de projeção com uma
resposta educada e lacônica: “Meu amigo, isso aqui é um filme de arte. É assim
mesmo”. Lia uma revista de histórias em quadrinhos, não olhava para a tela. Deu
uma rápida espiada pela janela da cabine e confirmou: “filme de arte”. A imagem
distorcida dos primeiros rostos depois dos passeios de câmera pelos salões e
corredores vazios de Marienbad não foi suficiente para convencê-lo do erro.
Para demonstrar que eu não tinha razão, pegou o terceiro rolo do filme para
mostrar que toda cópia scope saía do laboratório com uma clara indicação do
formato e aquela ali… Entre uns poucos resmungos, interrompeu a sessão e
colocou a lente scope. A distribuidora Franco Brasileira colara antes dos
letreiros iniciais uma advertência: aquele era um filme de arte, era diferentes
dos filmes normais. Talvez por isso, os outros espectadores na sala não
reagiram aos cinco ou dez minutos de imagem comprimida, às vozes que vinham da
cabine num tom acima da fala sussurrada do filme, à interrupção e a retomada da
projeção noutro formato...
Texto e imagem reproduzidos do blogdoims.com.br
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