sexta-feira, 19 de julho de 2019

Coisas que esqueci mas que não me saem da cabeça


Nota publicada originalmente no BLOG DO IMS, em 10.03.14

Coisas que esqueci mas que não me saem da cabeça

Por José Carlos Avellar

(...) Notas à margem de Ano passado em Marienbad e de Alain Resnais no ano passado

Durante algum tempo, entre o lançamento e o retorno aos cinemas do Rio pouco mais tarde, Ano passado em Marienbad permaneceu aceso na memória. O filme estreou numa segunda-feira e foi retirado de cartaz no dia seguinte. Por isso, quando voltou a ser exibido no Cinema de Arte Mesbla, fui logo à primeira sessão. A projeção começou sem a lente scope, a imagem comprimida. Reclamei com o lanterninha. Não existem mais lanterninhas nos cinemas, mas no tempo em que as pessoas costumavam entrar na sala a qualquer momento da projeção e não como agora, somente antes do começo do filme, no tempo em que todos iam ao cinema todo o tempo, o lanterninha estava lá para indicar com luz baixa o corredor entre as cadeiras e apontar um lugar vago. Ele avisou o projecionista, mas a projeção continuou com a lente errada. Reclamei de novo, e diante de minha insistência ele disse que eu poderia falar diretamente com o projecionista. Fui recebido na cabine de projeção com uma resposta educada e lacônica: “Meu amigo, isso aqui é um filme de arte. É assim mesmo”. Lia uma revista de histórias em quadrinhos, não olhava para a tela. Deu uma rápida espiada pela janela da cabine e confirmou: “filme de arte”. A imagem distorcida dos primeiros rostos depois dos passeios de câmera pelos salões e corredores vazios de Marienbad não foi suficiente para convencê-lo do erro. Para demonstrar que eu não tinha razão, pegou o terceiro rolo do filme para mostrar que toda cópia scope saía do laboratório com uma clara indicação do formato e aquela ali… Entre uns poucos resmungos, interrompeu a sessão e colocou a lente scope. A distribuidora Franco Brasileira colara antes dos letreiros iniciais uma advertência: aquele era um filme de arte, era diferentes dos filmes normais. Talvez por isso, os outros espectadores na sala não reagiram aos cinco ou dez minutos de imagem comprimida, às vozes que vinham da cabine num tom acima da fala sussurrada do filme, à interrupção e a retomada da projeção noutro formato...

Texto e imagem reproduzidos do blogdoims.com.br

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