Fotograma de "A Vida de Brian" (Divulgação)
Texto publicado originalmente no site OUTRAS PALAVRAS, em 29/08/2013
Cinco filmes polêmicos sobre religião
Ao quebrar tabus, arte instiga sociedade a perceber que nada
deve ser inquestionável. Obras sugeridas sofreram boicotes e censuras, mas
abriram debates necessários
Por Rafael Lopes, do Cinetoscópio
O cinema enquanto expressão artística não poderia jamais
fechar os olhos para temas polêmicos. Lembre-se que quando Chaplin te fazia rir
enquanto apertava uns parafusos dentro das engrenagens da indústria, denunciava
também a exploração do empregado na selvageria das indústrias. Por essas e
outras, o cinema sempre teve consigo o fardo de ao mesmo tempo em que diverte
precisa documentar. A câmera vira, então, os olhos de quem enxerga uma situação
de uma forma e disserta sobre de uma forma dinâmica, em 24 quadros por segundo.
A arte quebrando tabus tem sido uma das formas da sociedade demonstrar sua
reflexão diante de situações que não são discutidas com mais naturalidade. O
cinema já fez isso com homossexuais, casos de aborto, reféns das guerras no
oriente médio e outros temas. O que será discutido aqui é a religião. Nesta
lista estão 5 filmes que de maneiras distintas oferecem discursos basicamente
sobre o mesmo tema: a relação da fé com o ser humano. São 5 exemplos de como o
cinema encarou esse assunto que certamente mexe com uma gigantesca parcela da
sociedade, onde uns aceitam e outros torcem o nariz. São filmes que sofreram
com tentativas de boicotes, com recepções variadas pelo público mas que
principalmente foram corajosos em abrir um debate que muitos se negam por
motivos variados, sendo o principal dele a não reflexão de uma verdade que
julgam absoluta. São 5 filmes que valem a pena pela sabedoria de tratar o tema
com a responsabilidade de na linguagem cinematográfica além de nos entreter,
informar.
5 – Dogma
Dogma não é de fácil digestão. Pra
começar nem todo mundo é fã do humor negro e é justamente esse que impera nesse
filme. Mas e qual é o conceito de humor negro? Muitos dirão ser o humor que
trata de assuntos mais polêmicos, do humor que ofende. Trata-se de um humor apelativo,
é verdade, mas que no fim das contas sequer chega a ofender. O diretor Kevin
Smith usa de itens básicos à religião cristã para criticar a forma com que as
pessoas se apegam a símbolos religiosos e disso se desfazem até das próprias
responsabilidades. Tal qual uma cena em que um anjo convence um cristão a ser
ateu, Smith discute a dualidade do ser humano diante das próprias crenças, tal
qual a escolha de levar uma vida dentro dos princípios religiosos com medo de
ir para o inferno se logo em seguida fará alguma besteira fora desses
princípios pensando ser perdoado só por se arrepender. Dogma discursa muito bem
sobre essa hipocrisia, o que rende momentos brilhantes dentro da trama e faz
concluir que não se trata de um humor negro. Está mais para o bom e velho humor
crítico que ninguém gosta porque a carapuça serve.
4 – A Vida de Brian
Num debate na TV inglesa, John Cleese
discutia com representantes religiosos sobre o “teor de blasfêmia” que seu novo
filme tinha. Cleese em uma resposta quebrou os dois líderes religiosos, que o
sabatinavam de maneira vergonhosamente tendenciosa, tentando colocar os Monty
Python contra o público. Cleese questionou sobre a fé dos mesmos quando
levantou a questão de que se um filme abala a fé de alguém é porque tem alguma
coisa errada com a fé desse alguém. E essa situação que John Cleese viveu na TV
é um dos temas relacionados à religião que A Vida de Brian discute. O filme
narra a história do pobre Brian, que quando menos espera é considerado santo,
mas não passa de um ser humano comum. A pretensão do filme não é recontar a
história de Jesus às avessas, mas sim criticar a chuva de falsos profetas e
charlatões que usam de uma retórica afiada (e muito eficiente) para pastorar as
ovelhinhas, bem como os líderes fizeram com o Monty Python quando publicamente
tocaram o zaralho para ver A Vida de Brianbanido dos cinemas (ou como no
programa onde acontecia o debate citado acima, faziam perguntas que mais se
preocupavam em colocar o público contra os caras do que realmente chegar a
algum entendimento sobre o assunto).
3 – Jesus Camp
Esse polêmico documentário abre espaço para um debate
delicado acerca da influência religiosa sobre os grandes líderes políticos e
sobre os ensinamentos das doutrinas religiosas praticamente por meio da
tortura. O filme conta a experiências de crianças em um acampamento onde
simplesmente aprendem a ser fanáticos religiosos, onde o que mais querem na
vida é ser um próximo Billy Graham (famoso líder religioso que fez muito
sucesso na TV e ainda foi conselheiro espiritual de muitos presidentes
americanos, incluindo Nixon, com quem teve um acalorado papo anti semita uma
vez), onde o “real” objetivo de sua estadia lá era “recuperar, em nome de
Cristo, os EUA”. Segundo a produtora Rachel Grady ”O documentário é muito
profissional e informativo. A temática é real, e tem que ser conhecida pelo
mundo” e acrescentou que “o governo deveria se separar da igreja”. Sim, as
decisões políticas não precisam necessariamente ter nenhuma relação com
religião. É por isso que temas polêmicos e de real necessidade de a sociedade debater
(como aborto, casamento homossexual ou liberação das drogas) não saem do estado
estagnado em que se encontram porque desde cedo as crianças estão aprendendo o
lado errado da fé. O fanatismo não é o caminho, não existe verdade absoluta e o
tratamento às crianças é realmente questionável. Seria a educação correta? Tire
suas conclusões...
2 – A última Tentação de Cristo
E se Jesus Cristo tivesse levado uma vida como uma pessoa
normal? E se ele tivesse aberto mão de ser o salvador da humanidade para viver
como um homem? A Ultima Tentação de Cristo é sem dúvida um dos filmes mais
polêmicos comandados por Martin Scorsese na mesma proporção de ser um de seus
momentos mais brilhantes como diretor. O filme, baseado no livro do grego Níkos
Kazantzákis, é uma dura reflexão a qual todo cristão se nega a imaginar. Será
que em algum momento de sua vida, Cristo temeu seu destino? O filme reconta os
eventos narrados pela bíblia sob um olhar humano e delicado sobre como Jesus
reagiria ao seu destino messiânico. E se seguisse outro caminho? As personagens
da história ganham uma personalidade humanizada, dando à roupagem que o filme
se propõe ainda mais autenticidade, e isso incomodou muita gente. O que essa
muita gente não viu foi que o filme tenta a todo custo resgatar nas pessoas a
compreensão da crença. É um filme que busca explicar dentro do que é relatado
na bíblia a capacidade da interpretação de seu significado e não somente crer
naquilo como sendo uma verdade absoluta. Diante do rebuliço causado pela obra
(e de muita gente que ainda torce o nariz com relação a essa obra prima), cito
a resposta de Kazantzákis: “Vocês me amaldiçoaram, pais sagrados, eu dou a
vocês uma benção: possam as suas consciências ser tão claras quanto a minha e
possam vocês ser tão morais e religiosos quanto eu”.
1 – Luz de Inverno
Luz de Inverno é o mais perto que o cinema chegou de
encontrar uma resposta para os mistérios da fé. Crer ou não crer? Como fazer
isso num momento crítico, onde a humanidade parece não ter salvação? Fim dos
tempos? Não, é dúvida na fé. O padre que questiona a própria fé é a forma que
Ingmar Bergman encontrou para interpretar um dos maiores mistérios da
humanidade. De onde vem o conceito de fé e de que maneira ela blinda o ser
humano de seus temores são os assuntos mais intensos, retratados de maneira
intimista e esclarecedora por um dos mais brilhantes cineastas da história. O
tema tratado com certa audácia, em tempos em que turbulências diplomáticas
ameaçavam a mais bela criação divina, nosso mundo, constrói com impressionante
maturidade algo que deveria ficar como mensagem universal: fé é muito diferente
de religião. Acreditar nessa fé é o caminho mais seguro do que seguir doutrinas
interpretativas que em muitas vezes desviam da própria proposta. É
reinterpretar o primeiro mandamento, tendo em mente a liberdade e o livre
arbítrio (garantidos por Deus na bíblia) dessa crença se revelar da maneira que
for, mas se revelando.
Texto reproduzido do site: utraspalavras.net
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