Publicado originalmente no Facebook/JorgeNascimento Carvalho,
em 17/05/2020
Banana Split Combina com Cinema
Por Jorge Carvalho do Nascimento*
A primeira vez que fui a um cinema chic, estava acompanhado
da minha tia, Terezinha de Jesus Carvalho. Levado por ela ao elegante Cine
Palace de Aracaju, na rua João Pessoa, a mais requintada sala de projeções que
existia em Sergipe, inaugurada no primeiro dia de janeiro de 1956.
A Tia Terezinha, irmã da minha mãe, como afirmavam os mais
velhos da família, era alta funcionária. Tradução: com sua formação em Ciências
Contábeis, era servidora pública federal concursada do à época Instituto de
Aposentadoria e Pensão dos Industriários – IAPI. Aspirou ser advogada, mas a
rigidez moral de Dona Petrina não permitiu. Advocacia era coisa para homens.
Uma filha dela jamais lidaria com crimes e disputas por herança, coisas
próprias ao campo do Direito de Família e das Sucessões. Ou mesmo com contratos
comerciais e execuções de cobranças.
Tudo no Cine Palace encantava. A começar dos empregados da
bilheteria, simpáticos e sorridentes. A pipoca me parecia mais saborosa que
todas que eu comera até então. O balcão de doces com a sua sortida bomboniere
dispensava comentários e fazia salivar até o mais empedernido adversário do
açúcar. Ao transpor a pesada cortina que fechava a sala escura, após vencer os
quatro degraus do hall, um mundo deslumbrante.
O ar condicionado mais frio que eu já havia sentido. Um frio
saboroso, confortável, que me parecia vir de baixo para cima dando conta de
secar o nervoso suor que tomava conta das pernas, das costas e do peito. Minha
tia, cuidou de aplacar os meus sintomas de nervosismo. Nos aboletamos naquelas
poltronas macias. Contemplei os painéis pintados por Jenner Augusto que
adornavam as paredes da sala de exibições.
Desfrutamos a música das grandes orquestras que distraíam a
plateia enquanto se esperava pelo filme. O sistema de som estereofônico do
Palace fazia tonitroante a primeira pancada do gongo que anunciava a
proximidade do início da película. Lentamente as luzes começavam a se apagar em
camadas, no mesmo ritmo em que devagarinho a bela cortina começava a deslizar
automaticamente sem que ninguém a puxasse e a desnudar a moderna tela
cinemascope. Primeiro apagavam-se as luzes do fundo da sala. Depois as
intermediárias. As que ficavam próximas da tela eram apagadas no exato momento
que todo o espaço branco destinado a projeção já fora desembrulhado.
Os primeiros raios da luz do projetor iluminavam a tela
enquanto os conhecidos acordes de Na Cadência do Samba ou Que Bonito É,
composição de Luiz Bandeira, invadia a sala enchendo a todos de emoção e
arrepios juntamente com a bela fotografia das cenas de jogos de futebol que
marcavam o trabalho dos cinegrafistas do Canal 100. Estava começando a matinê
do Palace.16 horas. Após o Canal 100 a exibição do trailer das duas próximas
películas que entrariam em cartaz. Teríamos mais duas horas de emoção.
O filme: Mogli – O Menino Lobo ou O Livro da Jangal (The
Jungle Book, na sua versão original em língua inglesa). Filme de animação e
aventura, uma comédia musical produzida nos estúdios de Walt Disney, nos
Estados Unidos da América. 78 minutos de uma película colorida e som
estereofônico que emocionava crianças, adolescentes e adultos também. Algumas
vezes as sensações tristes viravam um chororô na sala de cinema. Afinal, a
sétima arte é feita de emocionar e alegrar o coração das pessoas. A estória
escrita por Rudyard Kipling, um clássico da literatura infanto-juvenil narrando
a vida de um menino criado por lobos. A história de Mogli inspirou o fundador
do movimento dos escoteiros, o general inglês Robert Baden-Powell, na criação
do ramo de lobinhos, abrigando os meninos entre os sete e os 10 anos de idade.
Tudo no filme parecia perfeito: desenhos animados, roteiro, trilha sonora que
nunca me saiu da cabeça.
Conhecer o Cine Palace era um sonho do adolescente que vivia
na zona norte de Aracaju e que a Tia Terezinha materializou naquela tarde. Era
o melhor cinema de Aracaju. Muito bem localizado na confluência da rua João
Pessoa com a praça Fausto Cardoso, ao lado do Palácio que sediava a chefia do Poder
Executivo sergipano. O primeiro cinema de Sergipe a ter ar condicionado,
cortina motorizada e cadeiras estofadas. Fechou as portas em 1997.
Saí daquela sessão de cinema com a Tia Terezinha muito
feliz. Já era começo de noite. Para encerrar bem um dia perfeito, ela me fez
mais um convite: lanchar no Topo Gigio Lanches, uma refinada lanchonete que
existia na rua Laranjeiras, ao lado do Edifício sede dos Correios e Telégrafos,
propriedade do radialista, político e empresário Santos Mendonça. Ambiente fino
onde degustei pela primeira vez um sabor que sempre renovava enquanto não
descobri que as minhas taxas de glicemia me apontavam como portador de
diabetes: a Banana Split. O paraíso existe.
* Jornalista Profissional, Doutor em Educação, membro da
Academia Sergipana de Letras e Presidente da Academia Sergipana de Educação.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/JorgeNascimento
Carvalho
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