quarta-feira, 7 de outubro de 2020

O Esquecimento e o fim dos Cinema de rua de Aracaju

Publicado originalmente no site EXPRESSÃO SERGIPANA, em 06/11/2020

O Esquecimento e o fim dos Cinema de rua de Aracaju

Da Redação

Derrubar mais um prédio histórico é como perder de uma só vez todas as fotos de suas férias. Imagine que seu celular caiu na piscina no último dia e que nem o filho de Steve Jobs conseguiu recuperar as imagens.

Desta forma, você vai precisar contar com a sua memória pra lembrar todos os seus feitos e vivências no verão. Castigue na ômega 3 e quem sabe com sorte você mantenha essa memória viva, até a sua terceira idade.

Mas e quando você for desta pra melhor? Quando nenhum conhecido ou parente seu lembrar mais de suas histórias será como se suas férias nunca tivessem acontecido. Muito triste não é? Pois foi isso que aconteceu com os cinemas de rua de Aracaju.

Dos quase 10 cinemas de rua que tinha em nossa cidade – Cinema Tupy, Rio Branco, Rex, São Francisco, dentre outros – nenhum ficou pra contar história, logo o cinema que vive delas.

A chegada do VHS/DVD, a voraz e insaciável especulação imobiliária, o golpe de misericórdia dado com a chegada dos shopping centers e sua promessa de comodidade e segurança, estão entre alguns dos motivos apontados por cinéfilos e pesquisadores da área, que explicam a derrocada da era de ouro do cinema de rua no país. O novo sempre vem, é bem verdade, mas não precisa vir na condição de exterminar o passado.

Modernizar o passado é sim uma evolução e neste sentido nosso estado não faz questão de fazer seu dever de casa. Sergipe é como um senhor que escolhe o Alzheimer em detrimento de sua memória.

Quando só um lugar conta as suas histórias parece que as nossas não possuem tanta glória assim. Se trata de uma clássica estratégia de dominação de um povo: retirar a memória dele.

No período colonial tanto o estado português como o brasileiro, trabalharam dedicadamente para impor o português como idioma oficial, enquanto as quase 1000 línguas faladas no país eram proibidas e iam sumindo gradativamente numa prática conhecida como glotocídio (assassinato das línguas).

O que nos leva a crer que ainda estamos sendo colonizados e dessa vez pelo capitalismo, que nada a longas braçadas rumo ao monopólio de marcas como o Cinemark, a Amazon, a Drogasil, a Smart Fit, cada qual em seu ramo sufocando o que ainda resta de diversidade neste mundo.

Na contra-mão dessa lógica, a professora e pesquisadora Germana Gonçalves (@ge.desenhadora) nos deu de presente uma obra sobre o ilustríssimo ilustrador Cândido de Faria, um sergipano que conviveu com os criadores do cinema, os irmãos Lumière na França.

Este nosso conterrâneo, nascido em Laranjeiras foi responsável tanto pela definição do formato dos cartazes de filme que vemos hoje nos cinemas do mundo inteiro, como também contribuiu com o desafio de representar visualmente um filme – algo totalmente novo na época – em uma única folha de papel. São histórias como esta que nos situam como sergipanos e nos dão identidade e força como povo.

Talvez falte nos empresários liberais e no poder público, que enxergaram nos grandes prédios do cinema de rua uma oportunidade de montar um estacionamento, um supermercado, uma loja de departamento, até mesmo igrejas, o que tinha no proprietário do Cinema Guarany, situado na rua Estância com Pedro Calazans.

O senhor Augusto Fernando Luz valorizava a diversidade que existe na vida, diversidade esta tão bem retratada pelo cinema, não a toa carregava no próprio nome, assim como os irmãos Lumière, a palavra “Luz”, meio utilizado para projetar os filmes. Ele em seu cinema recebia as diferentes classes sociais e como peculiaridade tocava antes de cada nova sessão a ópera O Guarany, de Carlos Gomes para anunciar que o filme estava pra começar. O seu Augusto Luz era empresário mas entendia que nem só de cifrão se faz a vida.

Diante disto, urge o nascimento de uma consciência coletiva do nosso povo que entenda a importância de mantermos nosso patrimônio histórico e que a gula do mercado não deve ter prioridade sobre nossa memória.

Quem sabe assim nós e as próximas gerações possam sempre poder ver e viver a Aracaju romântica que Murillo Melins descreve tão saudosamente em seu livro e que nossa história não continue indo pro ralo, dando a impressão de que nunca existimos.

Por Rafael Oliva

Texto e imagem reproduzidos do site: expressaosergipana.com.br

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