Publicado originalmente no site EXPRESSÃO SERGIPANA, em 06/11/2020
O Esquecimento e o fim dos Cinema de rua de Aracaju
Da Redação
Derrubar mais um prédio histórico é como perder de uma só
vez todas as fotos de suas férias. Imagine que seu celular caiu na piscina no
último dia e que nem o filho de Steve Jobs conseguiu recuperar as imagens.
Desta forma, você vai precisar contar com a sua memória pra
lembrar todos os seus feitos e vivências no verão. Castigue na ômega 3 e quem
sabe com sorte você mantenha essa memória viva, até a sua terceira idade.
Mas e quando você for desta pra melhor? Quando nenhum
conhecido ou parente seu lembrar mais de suas histórias será como se suas
férias nunca tivessem acontecido. Muito triste não é? Pois foi isso que
aconteceu com os cinemas de rua de Aracaju.
Dos quase 10 cinemas de rua que tinha em nossa cidade –
Cinema Tupy, Rio Branco, Rex, São Francisco, dentre outros – nenhum ficou pra
contar história, logo o cinema que vive delas.
A chegada do VHS/DVD, a voraz e insaciável especulação
imobiliária, o golpe de misericórdia dado com a chegada dos shopping centers e
sua promessa de comodidade e segurança, estão entre alguns dos motivos
apontados por cinéfilos e pesquisadores da área, que explicam a derrocada da
era de ouro do cinema de rua no país. O novo sempre vem, é bem verdade, mas não
precisa vir na condição de exterminar o passado.
Modernizar o passado é sim uma evolução e neste sentido
nosso estado não faz questão de fazer seu dever de casa. Sergipe é como um
senhor que escolhe o Alzheimer em detrimento de sua memória.
Quando só um lugar conta as suas histórias parece que as
nossas não possuem tanta glória assim. Se trata de uma clássica estratégia de
dominação de um povo: retirar a memória dele.
No período colonial tanto o estado português como o
brasileiro, trabalharam dedicadamente para impor o português como idioma
oficial, enquanto as quase 1000 línguas faladas no país eram proibidas e iam
sumindo gradativamente numa prática conhecida como glotocídio (assassinato das
línguas).
O que nos leva a crer que ainda estamos sendo colonizados e
dessa vez pelo capitalismo, que nada a longas braçadas rumo ao monopólio de
marcas como o Cinemark, a Amazon, a Drogasil, a Smart Fit, cada qual em seu
ramo sufocando o que ainda resta de diversidade neste mundo.
Na contra-mão dessa lógica, a professora e pesquisadora
Germana Gonçalves (@ge.desenhadora) nos deu de presente uma obra sobre o
ilustríssimo ilustrador Cândido de Faria, um sergipano que conviveu com os
criadores do cinema, os irmãos Lumière na França.
Este nosso conterrâneo, nascido em Laranjeiras foi
responsável tanto pela definição do formato dos cartazes de filme que vemos
hoje nos cinemas do mundo inteiro, como também contribuiu com o desafio de representar
visualmente um filme – algo totalmente novo na época – em uma única folha de
papel. São histórias como esta que nos situam como sergipanos e nos dão
identidade e força como povo.
Talvez falte nos empresários liberais e no poder público, que enxergaram nos grandes prédios do cinema de rua uma oportunidade de montar um estacionamento, um supermercado, uma loja de departamento, até mesmo igrejas, o que tinha no proprietário do Cinema Guarany, situado na rua Estância com Pedro Calazans.
O senhor Augusto Fernando Luz valorizava a diversidade que
existe na vida, diversidade esta tão bem retratada pelo cinema, não a toa
carregava no próprio nome, assim como os irmãos Lumière, a palavra “Luz”, meio
utilizado para projetar os filmes. Ele em seu cinema recebia as diferentes
classes sociais e como peculiaridade tocava antes de cada nova sessão a ópera O
Guarany, de Carlos Gomes para anunciar que o filme estava pra começar. O seu
Augusto Luz era empresário mas entendia que nem só de cifrão se faz a vida.
Diante disto, urge o nascimento de uma consciência coletiva
do nosso povo que entenda a importância de mantermos nosso patrimônio histórico
e que a gula do mercado não deve ter prioridade sobre nossa memória.
Quem sabe assim nós e as próximas gerações possam sempre
poder ver e viver a Aracaju romântica que Murillo Melins descreve tão
saudosamente em seu livro e que nossa história não continue indo pro ralo,
dando a impressão de que nunca existimos.
Por Rafael Oliva
Texto e imagem reproduzidos do site: expressaosergipana.com.br
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