Por Lilian Rocha
Além de “miss por um dia”, também já fui “artista de
cinema”. Quer dizer, não fui uma “artista” assim, propriamente dita, nem o
filme foi assim, propriamente “um filme”…
Mas vamos aos fatos:
Na década de 70, houve uma febre de filme Super-8 no Brasil que deu o que falar! Tinha esse nome Super-8, por causa do cartucho do filme que media apenas 8mm. Era um filme de curtíssima metragem, que durava cerca de 2 minutos e meio, eu acho. Ora, num tempo em que os filmes de cinema eram uma coisa completamente inacessível e que todo mundo participava deles apenas como espectador, agora com uma câmera que rodava um filme super-8, qualquer um poderia se tornar um cineasta!
Foi exatamente isso que Marcus, um grande amigo meu dessa época, pensou. Ele era sergipano, mas foi estudar em Salvador e por lá ficou. Por isso, todos o conheciam lá como “Marcus Sergipe”. Em 1977, Marcus comprou – ou ganhou – uma dessas câmeras Super-8 e botou na cabeça que queria fazer um filme.
Ora, por esse tempo, estávamos vivendo uma das piores fases
do cinema brasileiro. A grande maioria dos filmes se resumia à pornochanchada,
pois era uma produção barata, que não exigia grandes cenários, nem grandes
diálogos nem grandes atores. Bastava uma meia dúzia de mulheres de corpos
fartos, outra meia dúzia de ‘homens famintos’, um quarto, uma cama e estava
pronto o filme.
Aproveitando-se dessa nossa carência, o cinema americano entrou com tudo, arrebatando imensas plateias. Quem não se lembra, por exemplo, dos filmes-tragédias, como “O destino do Poseidon”, “Os sobreviventes dos Andes”, “Tubarão”, “King-Kong”, “Terremoto”? Ou dos filmes de diabo que surgiram depois do sucesso estrondoso de “O exorcista“, como “A Profecia”, “A reencarnação do diabo”, “Carrie, a estranha”? (Eu não perdia nenhum desses…)
No meio de tudo isso, estava Marcus, sonhando em ser cineasta e mudar o mundo. Foi então que ele teve a ideia de matar o cinema brasileiro. Isso mesmo, matar e depois enterrar! Foi a forma que ele encontrou de protestar.
Como dizia Glauber Rocha, para fazer cinema, basta “uma
ideia na cabeça e uma câmera na mão”. E Marcus tinha as duas coisas. Por isso,
ele mesmo escreveu o roteiro do seu filme e chamou Virgílio Carvalho Neto,
outro amigo nosso, para ajudar na direção.
Como o local escolhido foi justamente Aracaju, foi aí que eu
entrei nessa história…
O nome do filme seria “O enterro do celuloide” e como era um filme de Super-8, só teriam duas cenas. A primeira seria o cortejo do enterro e a segunda, o enterro, propriamente dito.
Eles, então, conseguiram um caixão de defunto emprestado
numa funerária – vazio, claro!! – e nós nos reunimos em frente ao Cine Pálace,
para gravar a primeira cena. À frente do caixão, ia um amigo nosso, todo
sorridente, vestido de “Tio Sam”. Com uma tesoura enorme, ele ia picotando um
rolo de celuloide, uma representação perfeita da superioridade do cinema
americano. E seguindo o caixão, ia um bando de meninas – dentre elas, eu – umas
de short, outras de biquíni, representando a pornochanchada.
Agora imaginem isso em Aracaju, em 1977! O que juntou de gente na Praça Fausto Cardoso pra ver aquele bando de malucos não está no gibi! A sorte é que escolhemos um sábado à tarde, quando o movimento nas ruas era bem mais fraco.
A um sinal, saímos todos em cortejo, pela rua João Pessoa –
que naquele tempo ainda passava carro – acompanhando o enterro do celuloide. E
lá na frente, se equilibrando em cima de um carro, ia Virgílio, filmando. Perdi
as contas de quantas vezes repetimos essa cena, pois a toda hora, alguém
mandava a gente voltar e fazer tudo de novo…
Mas nada foi tão divertido quanto à filmagem da segunda cena. Marcus conseguiu emprestado um carro da funerária – a mesma que havia lhe emprestado o caixão – e nós, as figurantes, fomos dentro dele até o cemitério dos Cambuís, onde seria o enterro.
Agora imaginem a cena! Para um carro de funerária em frente
ao cemitério e dele sai um caixão tampado e, logo em seguida, um bando de
meninas, de short, rindo sem parar… O que teriam pensado da gente, meu Deus?!
Entramos no cemitério, fingindo tristeza, e depois que o caixão era depositado na carneira, o filme acabava. Claro que, apesar de simples, também tivemos que refazer essa cena umas mil vezes…
Mas o que pra mim pareceu apenas uma brincadeira, para os
entendidos, esse filme teve um valor tremendo! Tanto é que, no mesmo ano, ele
ganhou o prêmio de “Melhor Filme e Melhor Roteiro de Sergipe”, no FENACA
(Festival Nacional de Cinema).
Nunca mais tive notícias de Marcus, mas acredito que, com tanta criatividade assim, ele deve ter seguido mesmo esse caminho.
Quanto a mim, guardo com muito carinho a lembrança desse fim
de semana inusitado, em que me tornei figurante de um filme e pela primeira vez
andei de carro de funerária, de short!
Sem dúvida nenhuma, este foi o enterro mais divertido da
minha vida…!
Texto e imagem reproduzidos do blog:
lilianrochablog.wordpress.com
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