Texto compartilhado do site CRÍTICOS, de 1 de setembro de 2005
2 Filhos de Francisco
De: Breno Silveira
Com: Ângelo Antônio, Dira Paes, José Dumont, Thiago Mendonça
Por Marcelo Janot
Cinema Popular sem receita pronta
O colunista do Globo Artur Xexéo fez uma observação
interessante sobre a estratégia de lançamento do filme 2 Filhos de Francisco,
de Breno Silveira, ao notar que se deu tanta importância à recomendação do
filme pelos “formadores de opinião” (alguns críticos aí incluídos), que o
resultado foi um desempenho inicial de bilheteria um pouco aquém do esperado
justamente entre aquele que deveria ser seu público-alvo: as classes mais
baixas – leia-se fãs de música sertaneja e pessoas pouco habituadas a ir ao
cinema. Xexéo só esqueceu de mencionar um detalhe importantíssimo nesse plano
de venda do filme para a “elite cultural”: a participação de Caetano Veloso
como co-produtor da trilha sonora.
Talvez por um compromisso-dívida com sua herança tropicalista, Caetano tem essa permanente preocupação de romper preconceitos e limites dentro da música brasileira, regravando pérolas do cancioneiro brega (Peninha, Fernando Mendes, Morris Albert), abrasileirando Nirvana, cantando o funk Um Tapinha Não Dói em shows e agora gravando temas sertanejos em parceria com Zezé Di Camargo e Luciano. Parece que dá certo. A mediocridade musical do funk, por exemplo, extrapolou os limites da favela e do mundinho cult e passou a ser adotada no cardápio principal de importantes premiações anuais de música como o do Multishow, e hoje faz Regina Casé e Susana Vieira rebolarem em festas de bacana, para delírio dos pouco intelectualizados consumidores de revistas de fofoca/celebridades, gerando assim um curioso ciclo que faz a música sair do gueto para voltar a ele com a devida aprovação da “elite”.
Se Caetano e 2 Filhos de Francisco serão capazes de fazer da música sertaneja um fenômeno entre as classes mais abastadas que têm enchido os cinemas da Zona Sul do Rio para ver o filme, já é outra história. Musicalmente, os sertanejos contemporâneos são tão pobres e ruins quanto os funkeiros. E para piorar, sua relação com a elite no passado recente do Brasil é de triste lembrança, para quem recorda as festas na Casa da Dinda promovidas por Fernando Collor ao som de Chitãozinho, Xororó e sua turma.
Enfim, essa longa introdução foi só pra dizer que o crítico odeia música sertaneja na voz irritante desses cantores (Ave, Maria Bethania, que emprestou dignidade a É O Amor), e assistiu ao filme numa sessão de meia-noite fora de competição no Festival de Gramado, depois de ter chegado ao cinema às 14h30 e assistido três filmes ruins antes. Ou seja, não bastasse a histeria dos fãs que lotaram o enorme cinema, ainda era o fim de uma penosa maratona de porcarias cinematográficas. Apesar de toda a condição adversa, o filme agradou.
Não é a obra-prima que dizem alguns. Nem monótono e previsível como atacam os do contra. 2 Filhos de Francisco se destaca no atual panorama cinematográfico brasileiro justamente por mostrar que não existe uma receita para se fazer cinema popular, uma fórmula a ser seguida como se “popular” fosse um gênero cinematográfico. O que pode ser considerado “cinema popular”? Aquele que está agradando a um público variado, acredito. Isso basta. E porque o público, seja ele de que classe for, gosta de filmes bem-feitos, especialmente com a marca da simplicidade, como é este caso. Não há, nesta caprichada produção da “grife” Conspiração Filmes, exibicionismos de qualquer espécie. É na simplicidade com que conta uma bela história que reside o grande trunfo de 2 Filhos de Francisco.
Assim como em Eu, Tu, Eles, outro ótimo exemplo de “cinema popular” da Conspiração, trata-se de uma história essencialmente brasileira pela ambientação e características socio-culturais de seus personagens, mas movida por valores universais – no caso, a perseverança e a dignidade ao se perseguir um sonho. Uma história que poderia ser a de milhares de brasileiros, e que vira filme não apenas porque seus protagonistas são astros populares que vendem milhões de discos, mas porque o comportamento de Seu Francisco nessa trajetória rumo ao sucesso se destaca pela fascinante singularidade. O roteiro sabe valorizar esses momentos e não deixa que a música se sobreponha à narrativa. Nos momentos em que provoca emoção, o filme dribla as armadilhas do melodrama rasteiro, e, de resto, o espectador se deleita com grandes atuações de todo o elenco. Não há muito mais elementos, na trama ou na linguagem, que mereçam um esforço de reflexão. 2 Filhos de Francisco se basta em sua simplicidade. E por isso é simplesmente um bom filme, e nem precisava ser mais que isso...
Texto reproduzido do site: criticos.com.br
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