quarta-feira, 7 de maio de 2025

"O amor da vida de Ivan", por Eduardo Almeida

Imagem de Fábio Rogério e postada pelo blog

Artigo compartilhado do site RADAR SERGIPE. de 5 de maio de 2025

O amor da vida de Ivan 
Por Eduardo Almeida

O amor da vida de Ivan Valença era o cinema. A cabeça de Ivan era um generoso baú de filmes que fizeram a história do cinema em todos os tempos. Você falava o título e ele dizia a ficha completa do filme – a direção, o roteiro, a produção e os atores principais. Ivan era uma figura incontornável quando o assunto era cinema, tanto pelo conhecimento profundo como pelo encanto que os filmes despertavam nele.

Desde cedo, na juventude, até pouco tempo, enquanto a saúde permitiu, ele via tudo e guardava tudo que tinha que ser visto e guardado em matéria de cinema. Era figura fácil de ser encontrada na primeira fila das salas de cinema da cidade. Sentia-se em casa diante da telona. Visto sentado na poltrona de um cinema ou numa conversa sobre filme, trazia nos olhos o encantamento de uma criança no parque de diversão. 

 Era tão viciado em filme que montou em casa um arquivo de cinema. As estantes forravam as paredes do piso ao teto e as pastas se contavam em milhares, contendo reportagens, artigos e fotos publicadas por jornais e revistas que ele consumia com voracidade. Era um colecionador dedicado. Ivan costumava dizer que sua diversão era passar os sábados e domingos revirando as pastas para manter atualizado seu arquivo, que ele tratava com o carinho de pai para filho.

Ivan era cinéfilo o tempo todo. O amor pela invenção dos Irmãos Lumière não tinha limites. Ele fundou clube de cinema, foi programador de filme de arte, escreveu críticas de cinema e frequentou festivais de cinema no Brasil e no mundo. Até abriu a mais celebrada locadora de filme de Aracaju – fechada pela era do streaming, que engoliu o VHS e o DVD. Mais de meio século de uma relação que o transformou em uma autoridade no ramo.

Do blockbuster ao cult, dos clássicos hollywoodianos às crônicas novaiorquinas, da Nouvelle Vague ao Cinema Novo, Ivan transitava com louvor por escolas e estilos da sétima arte. Discorria com intimidade sobre Pulp Fiction, de Tarantino, A lista de Schindler, de Spielberg, e Manhattan, de Wood Allen. Emocionava-se com Jean-Luc Godard e seu Acossado, com  Fellini e  A Doce Vida, com Benigni e a Vida é Bela e com Jean-Pierre Jeunet e O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. 

 Ele tinha em boa conta Bergman (Morangos Silvestres), Almodóvar (Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos) e Kieslowski (a trilogia das Três Cores). Dos brasileiros citava com entusiasmo Glauber Rocha (Terra em Transe), Nelson Pereira dos Santos (Vidas Secas), Cacá Diegues (Bye Bye Brasil) e Cláudio Assis (Amarelo Manga). Era fã do documentarista  Eduardo Coutinho (Edifício Master).

Ivan poderia ser um personagem de um roteiro de Wood Allen, sobre um jornalista talentoso louco por cinema que transformou sua trajetória em um filme de realismo e magia, terminando seus dias consumido por uma doença cruel que faz o que quer com a memória e a vida da gente. No caso de Ivan, desintegrou-se a memória, arruinada pela enfermidade, e edificou-se o pensamento agudo, claro, direto sobre o nosso tempo.

 Eduardo Almeida é jornalista profissional com passagem por diversos veículos de comuncação, dentre os quais TV Sergipe e Jornal da Cidade. Atualmente, integra a equipe da Diretoria de Comunicação da ALESE.

Texto reproduzido do site: radarse com br

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