Saul Bass trabalha em seu estúdio;
o artista fez aberturas para filmes
como "Um Corpo que Cai".
Publicado originalmente no site Mulher Uol, em 11/12/2011
O criador de "cine-aberturas": conheça o trabalho
do designer Saul Bass.
Por Alice Rawsthorn.
Londres – Enquanto olhava a caixa de ofertas de uma livraria
na Terceira Avenida em Manhattan, o jovem designer gráfico Saul Bass foi tocado
pelas imagens espiraladas de um livro sobre o matemático francês do século 19,
Jules-Antoine Lissajous. Ele comprou o livro e fez várias experiências tentando
replicar aqueles espirais. “Eu criei várias coisas. E as guardei durante anos”,
lembra Bass. “Então Hitchcock me convidou para trabalhar em ‘Um Corpo que Cai’
(Vertigo). Pronto!”
Alfred Hitchcock o encarregou de criar a abertura de seu
thriller psicológico de 1958, “Um Corpo que Cai”. Bass escolheu os espirais do
livro de Lissajous como seu tema principal, ciente que elas refletiriam a
tensão frenética da trama. Começando com um take bem fechado do rosto de uma
mulher conforme a tela é encharcada por uma sombra vermelho sangue, sua
abertura termina com um espiral vertiginoso que se transforma em um olho.
É muito raro um designer ser tão reverenciado, em sua área
de atuação, quanto Bass o é na arte gráfica para o cinema. As aberturas que ele
criou para diretores como Stanley Kubrick, Otto Preminger, Martin Scorsese,
Billy Wilder e Hitchcock transformaram algo que, antes, não passava de uma
listagem do elenco e da equipe em sensacionais complementos do filme. “O bom de
trabalhar com Saul”, disse o compositor Elmer Brenstein, “é que a sua música
jamais teria uma oportunidade melhor para aparecer.”
As aberturas de Bass eram tão bem feitas que quando um
colega sugeriu para Martin Scorsese que deveriam convidá-lo para trabalhar no
filme “Bons Companheiros” (Goodfellas), ele respondeu: “Podemos nos atrever?”
Felizmente eles se atreveram. Porém, o trabalho deslumbrante de Bass no cinema
obliterou suas outras façanhas como um dos mais prolíficos designers gráficos
do final do século 20.
O primeiro grande livro sobre seu trabalho, “Saul Bass: A
Life in Film and Design” ["Saul Bass: Uma Vida de Cinema e Design”, em uma
tradução livre], escrito pela sua filha, Jennifer Bass, e pelo historiador de
design Pat Kirkham, restabelece o equilíbrio ao analisar uma carreira eclética,
que também incluiu o design de identidades corporativas, postos de gasolina,
capas de discos e livros, brinquedos e um selo postal.
Espirituoso, gregário e intelectualmente curioso, Bass
executava cada um dos seus projetos com um estilo aparentemente simples - porém
expressivo - que refletia sua fascinação pelo construtivismo, modernismo e
surrealismo. Em uma das passagens do livro, Scorsese afirma que suas criações
“encontraram e destilaram a poesia do mundo moderno e industrializado.”
Biografia: o início
Nascido no Bronx em 1920, filho de imigrantes russos, Bass
trabalhou em estúdios de arte comerciais depois de deixar a escola e se tornou
o que ele dizia ser um “estudioso de metrô”, pelo fato de ler com voracidade
durante suas longas viagens de ida e volta ao trabalho. Um de seus livros
favoritos era “Language of Vision” ["Linguagem da Visão"], de Gyorgy
Kepes, e quando ele descobriu que o autor dava aulas no Brooklyn College, logo
foi se matricular no período noturno. Kepes era um professor inspirador cujas
teorias pioneiras sobre construção e impacto da imagética tiveram uma
influência permanente no trabalho de Bass.
No final dos anos 1940, Bass estava trabalhando em Los
Angeles, em grande partes nas campanhas promocionais para o cinema, quando, em
1952, o artista abriu seu próprio estúdio de design. Seus trabalhos foram se
tornando cada vez mais ambiciosos até que, em 1955, o artista criou uma
abertura espetacular em animação para o drama “O homem do Braço de Ouro” (The
Man With the Golden Arm), de Otto Preminger.
As aberturas da época eram tão sem graça que os
projecionistas geralmente as exibiam com as cortinas fechadas, fazendo com que
fossem abertas apenas ao início do filme propriamente dito. Preminger, então,
deixou bilhetes nas latas das cópias de seu filme, reforçandoque as projeções
só podiam ter início depois que as cortinas estivessem abertas.
Anos 1960: o casamento e a ousadia
Trabalhando ao lado de Elaine Makatura - que ingressou em
seu estúdio em 1954 e se tornou sua segunda esposa - Bass criou aberturas para
uma série de filmes até o final dos anos 60. Seu repertório ia das
aterrorizantes linhas que surgiam violentamente na tela para a abertura de
“Psicose” (Psycho) e das preparações para um rali em “Grand Prix” ao espetáculo
majestoso de decadentes estátuas romanas em “Spartacus” e o pastiche cômico e
animado para “A Volta ao Mundo em 80 Dias” (Around the World in Eighty Days).
Para comemorar seu casamento com Makatura, Bass se permitiu
uma auto-referência. Os créditos de encerramento de “Amor, Sublime Amor” (West Side History) são “grafitados” pelas
ruas de Nova York e incluem as iniciais “SB” e “EM” em coração.
“Elas deixavam o filme especial na mesma hora”, escreveu
Martin Scorsese a respeito das aberturas de Bass. “E elas não eram algo à parte
do filme, elas remetiam,
instantaneamente, às histórias. Porque, simplesmente, Saul Bass foi um
grande cineasta. Ele assistia o filme em questão, entendia seu ritmo, a
estrutura, o tom – ele penetrava no âmago do filme e descobria seu segredo.”
Anos 1960: além das aberturas
No começo dos anos 60, Bass e sua esposa queriam fazer os
próprios filmes. Eles dirigiram uma série de curtas, um dos quais ganhou um
Oscar, e um longa em 1974, “Phase IV”.
A dupla também desenvolveu outras frentes para o trabalho do
estúdio, incluindo cerca de 80 projetos de identidade corporativa para a
AT&T, Bell, Exxon, Minolta, Quaker e United Airlines, entre outras.
Tendo abandonado as vinhetas para filmes nos anos 1970, Bass
e Makatura foram persuadidos a retornar à ativa no final dos anos 1980 e criar
sequências formidáveis para vários filmes de Scorsese: “Cabo do Medo” (Cape
Fear), “A Época da Inocência” (The Age of Innocence) e “Cassino” (Casino), além de “Bons
Companheiros”.
Ao “puxar” as memórias que Jennifer Bass tem sobre seu pai e
adicionar as observações do Sr. Kirkham, que trabalhou com o artista, o livro
cria uma imagem simpática de Bass, como um homem forte e altamente
disciplinado, com o dom de fazer amizades e cheio de senso de humor.
Uma vez ele insistiu em conduzir uma reunião de negócios de
sua cama no hospital com clientes e colegas vestidos em trajes cirúrgicos. Um
mês antes de sua morte, em 1996, ele desacatou ordens médicas ao dar uma
palestra na Escola de Artes Visuais de Nova York. Bass passou tanto tempo
conversando com os estudantes, depois da palestra, que os responsáveis tiveram
que expulsá-los do prédio.
Por toda a sua longa carreira, Bass insistiu que seu
objetivo era sempre o mesmo: “Conquistar a simplicidade, a qual detém uma certa ambiguidade e uma
certa implicação metafísica, que a torna vital. Se for simplesmente simples, é
chato. Trabalhamos a ideia de que determinada coisa é tão simples que vai fazer
com que a gente pense e repense.”
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