Imagem postada pelo blog, para ilustrar o presente artigo
Texto publicado originalmente no site Cine Players, em
05/04/2006
O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby, 1968)
Por Hallan Castro (Avaliação: 9.0)
Um dos grandes clássicos do horror de Hollywood é lotado de
cinema puro e detalhes macabros.
É notável quão pouquíssimas obras de terror são dignas de se
situarem em uma antologia de prestígio, quão mais raro é um filme desse gênero
se elevar a um status de arte. Não por acaso sendo o seu realizador um
prosélito diretor polonês que estreia, em sua iminente carreira, em Hollywood,
após realizar filmes renomados e premiados pelos europeus.
Dizer que Roman Polanski foi um dos inovadores do gênero não
é um exagero, pois O Bebê de Rosemary traz uma maturidade no conteúdo e no
tratamento dado a um tipo de filme considerado prolixo, fraco (na época), e
desatualizado para sua plateia. É de grande necessidade um deslocamento à
década de 60 para averiguarmos o panorama revolucionário que ocorreu no cinema
e no mundo. Desde que os chamados turcos do cinema empreenderam o renovo
ideológico, estético e produtivo à sétima arte no final dos anos 50 pela
consagrada Nouvelle Vague, as nações vizinhas e todo o mundo sentiram a enorme
repercussão gerada por esses diretores. Repercussão tal que ecoou pela Polônia
e demais países do leste europeu que inovaram seu cinema, obtendo
reconhecimento a nível internacional, conquistando, logo, sua posição
merecidíssima na História do Cinema.
Considerando este estopim cinematográfico, veremos então a
decadência estética e narrativa em que Hollywood se encontrava. Com a mudança
ideológica e política que efervescia na conhecida Beat Generation e sua visão
de contestação e inconformismo contra os padrões repressores e politicamente
(in)corretos dos dirigentes yankes, o público passava a regurgitar toda a
produção fílmica da Meca do cinema, por ainda se ater a conceitos que já não se
correspondiam à mentalidade de seus contemporâneos. Exatamente por este motivo
o público passa a invadir os meios de produção independente para dar luz a seus
questionamentos para daí conquistarem a atenção da indústria, por seus altos
índices de público.
Doravante os executivos ergueram o olhar à produção europeia
que irradiava sob os holofotes da mídia internacional. E ninguém menos que
Polanski que estreava com trillers de alta dosagem de tensão psicológica
(conteudística e esteticamente) que dialogava com a mentalidade desses jovens.
De modo incomum, Polanski, com pouco tempo de câmera,
realizaria um conjunto de filmes que o definiria estilística e tematicamente: a
trilogia do apartamento. Trilogia essa que aborda o confinamento e transtornos
de ordem psíquica e social que representam a época de repressão política.
Somando isso às experiências traumáticas que Polanski sofrera desde sua
infância até sua maturidade. Seus filmes, portanto, se tornariam um divã de
expurgação de seus demônios pessoais.
Não pra menos o diretor é chamado pra realizar uma obra que
dá continuidade ao teor de seus primeiros e mais conhecidos filmes: Faca na
Água e Repulsa ao Sexo, esse último inicia sua trilogia que se fecha com O
Inquilino.
O Bebê de Rosemary narra a história de um casal que se muda
para um apartamento em Nova Iorque e passa a se envolver com seus vizinhos, que
se tornam indesejavelmente assíduos em suas visitas. Visitas que passarão a ser
a causa do transtorno vivido por Rosemary (Mia Farrow). A história se
desenvolve a partir do envolvimento de seu marido (John Cassavetes), um
fracassado ator, com um casal de idosos que atraem sua atenção desmedida por um
obscuro interesse, que envolve Rosemary e sua gravidez. Daí a futura mãe passa
a experimentar uma incomum e sofrida gravidez, passando a ser controlada por
seus vizinhos vivendo um ostracismo doentio e impositivo. Com a crescente
tensão em que Rosemary está inserida, suas fugas e solicitações passam a ser
consideradas atitudes de insanidade psicológica por seus conhecidos, o que gera
uma certa ambigüidade característica no estilo de Polanski.
A sensação que temos é de experimentarmos um certo conflito
entre a alucinação e a realidade. Pelo fato do diretor trabalhar o filme nesta
linha tênue que separa o mundo pessoal de Rosemary, ora acreditamos ser real a
circunstância do ritual, ora, repentinamente, nos tornamos céticos e julgamos
ser um delírio neurótico da personagem, muito embora todos os fatos narrativos
nos creditam uma veracidade sobre o casal de feiticeiros.
Mia Farrow trabalha neste filme com uma excelente destreza e
habilidade de interpretação que é acentuada por sua frágil e débil aparência,
um visual de penúria e resignação terminal. Sem dúvida alguma Polanski destila
neste filme o melhor de seus atores, como é saliente a sutileza de invasão
interpessoal da parte dos abjetos vizinhos (Ruth Gordon – a idosa vizinha –
ganhou um Oscar por esse filme), que sub-repticiamente manipulam a jovem mãe.
Imprescindível de discriminação é o estilo de narração e de
expressão peculiares ao diretor. Há um trabalho de movimento de câmera que
acaricia todos os componentes de cada enquadramento com um suave e
investigativo deslocamento dos pontos de vista, que ora se torna, também,
desesperado e tenso olhar subjetivo de Rosemary. A princípio o filme adaptado de
um romance que explora a subjetividade de Rosemary transfere para o écran a
mesma turbulência psíquica da protagonista.
Há duas seqüências dignas de nota que representam os
conflitos e sensações da personagem. Uma delas joga com a articulação
espaço-temporal quando Rosemary se encontra deitada e os elementos em cena
denotam a raiz conflituosa de formação católica que revelam ao espectador um
traço importante da personalidade da protagonista. Noutra seqüência – senão a
principal – Polanski desarticula genialmente todo o referencial de espaço
ocupado por Rosemary, um espaço sensorial e alegórico que beira o psicodelismo
onírico e a representação das ocorrências (ritual satânico) ao seu redor. O
cineasta traz ao relevo todo o material essencial do texto narrativo através
das possibilidades da montagem justapondo imagens que não se correspondem
espacialmente, mas que se inter-relacionam pelos elementos associativos
encontrados na história.
É por demais instigante o fato de que o diretor usou um
grupo satanista para fazer a cena ritualística citada acima, cujas canções
rituais entoadas durante a sessão estão presentes na seqüência, o que causa
mais incômodo ao assistir este momento no filme. Principalmente por saber que
Polanski perdera sua esposa, a atriz Sharon Tate, em um macabro assassinato num
ritual de uma seita satânica liderada por Charles Mason após ter terminado o
presente filme.
Apesar dos pesares Roman Polanski realiza, sem dúvidas, uma
grande obra clássica de terror, com uma qualidade temática e artística sem
precedentes feita numa decadente indústria que outrora produzira obras de valor
inestimável. É um filme que não deve deixar de ser assistido, para que daí
possa se conhecer outras magníficas obras típicas desse gênio atormentado da
sétima arte.
Texto reproduzido do site: cineplayers.com
Olá, Armando! Tudo bem?
ResponderExcluirSou jornalista e enviei um e-mail para você sobre a possibilidade de uma entrevista. Você pode dar uma olhada e me responder assim que possível?
Obrigada!
Um abraço,
Helaine Martins
helbmartins@gmail.com