terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Alain Resnais: O artista compreendido (1922 - 2014)

INÍCIO Alain Resnais no início dos anos 1960. 
Ele foi um dos líderes da Nouvelle Vague 
Foto: Pierre Toussaint/AFP

Publicado originalmente no site da revista ÉPOCA, em 14/03/2014

Alain Resnais: O artista compreendido (1922 - 2014)

O diretor francês estreou com filmes difíceis e passou o resto da carreira se esforçando para tornar-se acessível

Por Luís Antônio Giron

Na segunda metade dos anos 1950, um grupo de jovens cineastas franceses passou a lançar filmes sem começo, meio ou fim. Ou melhor, com começo, meio e fim – mas tudo misturado. O espectador tinha de fazer sua parte e reorganizar mentalmente a história. Dava trabalho. Por isso, muitos desistiam antes de terminar a sessão. Eram experiências que questionavam a representação da realidade a que o público estava acostumado. Um dos diretores mais inovadores do tempo era Alain Resnais, um militante de esquerda fascinado por surrealismo, pintura, gatos, histórias em quadrinhos e pelo romance contemporâneo. Ao lado de François Truffaut, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e Éric Rohmer, Resnais integrou o movimento que logo seria chamado de Nouvelle Vague, a nova onda do cinema francês. Seus diretores tinham formação universitária, apresentavam-se como autores e vinham na maioria do jornalismo. Rohmer, Godard e Truffaut faziam crítica para os Cahiers du Cinéma, a revista de cinema mais prestigiada dos anos 1950 e 1960 – e ainda em atividade. A diferença de Resnais em relação a seus companheiros de movimento estava na formação eclética. Era um intelectual que amava cartuns, o humor e o teatro. Nascido na Bretanha, mudou-se para Paris para trabalhar como comediante. Fracassou na comédia e acabou se dedicando ao documentário, como roteirista, montador e, finalmente, diretor.

Como todos os seus colegas – à exceção de Godard –, Resnais foi obscuro aos 20 anos e acessível na idade avançada. Estreou no cinema de ficção em 1959, com o longa-metragem que o tornou famoso e foi considerado um marco inicial da Nouvelle Vague: Hiroshima meu amor, um arrastado diálogo em torno da memória travado entre uma atriz francesa (Emmanuelle Riva) e um arquiteto japonês (Eiji Okada), com o pano de fundo do temor de uma catástrofe nuclear iminente. Foi a partir desse filme, com esmerada fotografia em branco e preto, que o cinema francês ganhou fama de verborrágico. Em 1961, Resnais se superou no radicalismo. Espantou (nos dois sentidos do verbo) as plateias com seu segundo longa-metragem, O ano passado em Marienbad. O filme, baseado num romance de Alain Robbe-Grillet, retrata o casal A. (Delphine Seyrig) e X. (Giorgio Albertazzi), que discute a relação com um pano de fundo fantasmagórico: um hotel onde eles talvez tenham tido um caso no ano anterior. No transcorrer da ação, embaralham-se presente, passado, realidade e sonho. “Presente e passado coexistem, mas o passado não deve ser mostrado em flashback”, afirmou Resnais. É o que ele chamava de “cinema imaginário”. Nele, o espectador tinha um papel garantido, ainda que difícil: completar o enredo.

Nos anos 1960, a obra de Resnais era tida como hermética pelo público e genial pelos críticos. As posições se inverteram no final de sua vida. Ao morrer em Paris no dia 1o de março, aos 91 anos, de causas não divulgadas, era amado pelo público e questionado pela crítica por suas produções recentes, etiquetadas como “leves”. Ele acabara de ganhar o prêmio da crítica no último Festival de Cinema de Berlim, pela comédia Amar, beber, cantar (2014), seu 20º longa-metragem. Trata-se de uma história suave em que Resnais mistura teatro, quadrinhos e cinema para celebrar o prazer da vida. O filme estreará na França em 24 de março.

A obra de Resnais inclui 47 títulos, entre curtas, longas e médias-metragens. Seu estilo dependia da história, do tema e do gosto em vigor. Acompanhou o vaivém do cinema europeu, ora voltado à experimentação, como nos anos 1960, ora à comédia leve, como hoje. “Faço filmes difíceis, mas não de propósito”, disse no início da carreira. Com o passar do tempo, trilhou de propósito o caminho inverso. Ao longo de 64 anos, fez um esforço imenso para se tornar simples. E atingiu seu objetivo. Morreu compreendido.

Texto e imagem reproduzidos do site: epoca.globo.com

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