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Publicado originalmente no site Revista Trópico
Homem do Oscar cansou de ser "bonzinho"
Por Alvaro Machado *
Rubens Ewald Filho lança novo "Dicionário de Cineastas" e diz que público está emburrecendo
Se em 1954 o capitão Nemo de James Mason completou “Vinte
Mil Léguas Submarinas” e em 1932 o malandro Tommy vivido por Spencer Tracy
sonhou passar “Vinte Mil Dias em Sing Sing”, neste ano Rubens Ewald Filho, o
crítico de cinema mais conhecido do público brasileiro, ganha festa para
comemorar os vinte mil filmes que assistiu.
Em setembro, cinco salas paulistanas da rede Cinemark terão
uma noite com filmes prediletos do jornalista santista, aliás “cidadão emérito
de Santos”, conforme proclamou a cidade portuária em 2001. Agora só falta
receber condecoração do fã-clube nacional de “Star Trek” (“Jornada nas
Estrelas”), no qual Rubens é “comandante da Frota Estelar”.
Rubens, 54, capitaliza sua popularidade de uma maneira digna
do “star system” norte-americano, que muitos o acusam de privilegiar na sua
atividade de crítico. Sua notoriedade é fruto não apenas da mídia impressa, mas
sobretudo da televisão, onde já apresentou 18 vezes desde 1980 a premiação do
Oscar. Atualmente, ele mantém programas semanais em duas emissoras de TV,
escreve em dois jornais e edita um guia de DVD vendido em bancas. Entre outras
atividades.
No próximo dia 11, Rubens lança a terceira edição,
atualizada, de seu “Dicionário de Cineastas”, surgido em 1977, reeditado em 88
e que se transformou num instrumento utilíssimo de consulta no país.
O livro passa a ter 800 páginas e 1.970 diretores. A fila de
autógrafos estará formada no Unibanco Arteplex de São Paulo (r. Frei Caneca,
569), a partir das 19h. Quem comprar o livro ganhará par de ingressos para
assistir, às 22h, à première do sucesso francês “Oito Mulheres”, de François
Ozon.
A nova edição sai pela Companhia Editora Nacional. A
Secretaria de Estado da Educação programou a compra de 6 mil exemplares para
distribuição à rede escolar. A editora, que chegou a figurar como principal
fornecedora de livros didáticos do país nos anos 70, é propriedade do
bilionário Jorge Yunes, processado judicialmente por corrupção conjuntamente
com o ex-prefeito Celso Pitta.
Visando a destinação pedagógica, Rubens afirma ter se
pautado por critérios de máxima objetividade, informação e abrangência na nova
edição do “Dicionário”. Ao contrário das versões anteriores, resolveu incluir o
cinema brasileiro, com consultoria de Antônio Leão da Silva Neto, ele próprio
autor de um dicionário de filmes nacionais (por sua vez apresentado por
Rubens).
À parte a ampliação substancial de 570 para 800 páginas, um
olhar mais treinado não demora a perceber que ainda não mereceram constar do
livro nomes importantes da história do cinema, como Kon Ichikawa, diretor do
clássico “A Harpa de Burma” (56) e de outros 83 títulos, considerado um dos
quatro maiores diretores do pós-guerra no Japão.
Por outro lado, caso o livro venha a ser adotado por
faculdades de moda, por exemplo, não facilitará a vida do estudante, pois salta
o nome do legendário fotógrafo e diretor norte-americano William Klein, autor
de um cult francês tornado referência, “Quem é Você Polly Magoo?” (66), entre
outros 14 filmes, bem como o do italiano Franco Rubartelli, do belíssimo e hoje
cult “Veruschka, Manequim e Mulher” (71).
Embora estejam listados vários artífices que atuam quase
exclusivamente na TV, como o americano Michael Dinner, ficaram de fora novos
experimentadores da linguagem cinematográfica, como o português João Pedro
Rodrigues, cujo “O Fantasma” esteve na seleção oficial de Veneza 2000, e outros
tantos.
Rubens declara não se importar, ainda, com lacunas em cinema
mudo e expurgou de suas páginas autores que pararam no filme de estréia
(dicionarizando, contudo, Mário Peixoto, de “Limite”). Observa-se, ainda,
constantes falhas de revisão, que transformam, por exemplo, o grande diretor
japonês Eizo Sugawa em “Eigo Sugawa”, e tiradas acacianas que subestimam o mais
desatento dos colegiais: “Eisenstein, Sergei (1898-1948) – Favor não confundir
com o físico alemão Einstein, da Teoria da Relatividade”
Tudo isso será preciso considerar numa consulta ao volume,
que carrega, por outro lado, o mérito ambíguo de conter varredura completa de
cineastas de terror e realizadores de Hong-Kong, fruto da colaboração de Otávio
Moulin Passos, que Rubens só conhece virtualmente, pois mora no Espírito Santo.
Algumas das omissões do dicionário serão corrigidas, segundo Ewald, por meio da
internet, num site ligado à editora.
Em letras já impressas, estudantes, neófitos da crítica e
fãs do jornalista estarão sujeitos, sobretudo, a uma agitada maré de
apreciações pessoais, tão sinceras quanto simplistas: “Mas permanece a
impressão de que David Lynch é um vigarista que complica quando não sabe
explicar”.
Também aparece com freqüência a desautorização da própria
atividade crítica: “Straub, Jean-Marie (1933- ) - Diretor francês, idolatrado
pela crítica francesa, graças ao seu estilo estático, de planos gerais, frios e
distanciados”. Emergem com freqüência, por fim, pérolas em estilo novelesco,
como na minibiografia de Charles Chaplin: “Durante seu apogeu era Deus! Mas
ninguém usa o Santo nome impunemente, a mão que afaga é a mesma que bate.”
Talvez resida exatamente aí, na transparência de uma
personalidade sentimental, quase ingênua (“pisciana”, detectariam os
astrólogos), a fonte da repercussão popular do crítico, que no entanto declara
na entrevista a seguir que cansou de “ser bonzinho” e que o público está cada
vez mais burro.
“Existe hoje muita coisa digna de levantar polêmica, é uma
obrigação. Me incomoda as pessoas não discutirem idéias. Só falam do que viram
ontem no ‘Big Brother’, é tudo muito rasteiro. Minha briga é pela formação de
novas platéias, porque o emburrecimento tem um limite”, diz ele. A entrevista
tem como cenário inicial uma lanchonete da praça Villaboim (zona central de São
Paulo), onde Rubens recebe tratamento vip dos garçons. Prossegue em seu
apartamento em Higienópolis, abarrotado de vídeos e livros, trocado há três
anos por uma casa em condomínio fechado do bairro Cotia. A casa, que o
solteirão empedernido ocupa sozinho, é utilizada como estúdio de gravação para
programas de TV que ele produz, roteiriza e estrela, pois Rubens diz que,
definitivamente, está esposado com o cinema.
Como surgiu a idéia da primeira edição do “Dicionário de
Cineastas”, em 77?
Rubens Ewald Filho: A primeira edição era artesanal,
pré-computador, feita com bic na mão nos arquivos de jornais, procurando os
filmes um a um. A origem de tudo foi um caderninho de escola onde comecei a
anotar filmes e cineastas. A partir disso fiz o livro que desejava ter, de que
precisava para trabalhar. Resolvi colocar não apenas diretores, mas
“cineastas”, seguindo o conceito do crítico francês Georges Sadoul. Isto é:
entram também grandes produtores, como Zanuck, Selznick, Oswaldo Massaini...
Foi difícil conseguir nova editora, porque é um livro grande
e que não vende tanto quanto, por exemplo, o guia de DVD que escrevo,
distribuído nas bancas e acompanhado dos discos. Porém a Secretaria de Estado
da Educação tem esse programa de comprar livros para distribuir às escolas
públicas, que são cerca de 6.000, e o secretário-adjunto da Educação, que
deixou o cargo agora, o Hubert Alqueres, é um sujeito apaixonado por cinema,
que conheço há muito tempo. Ele me disse que precisava do meu livro e me
apresentou à editora do Jorginho Yunes, filho do Jorge Yunes.
É a primeira experiência deles nesse formato de livro,
porque o catálogo é bem didático. As escolas compram a um preço baixo, de
custo, mas isso viabiliza a edição de 10.000 exemplares. Os 4.000 para venda ao
público já saem praticamente pagos. O preço ficará por volta de R$ 40.
As outras edições deram algum retorno financeiro?
Ewald Filho: No Brasil é a velha história, você tem de pagar
para publicar livro, que vira um hobby. Se eu fizer as contas do que ganhei nas
duas edições anteriores, não pagaria o assistente de pesquisa que tive durante
alguns meses. Aliás os assistentes creditados no livro nem foram remunerados,
fizeram por espontâneo amor à arte. Faz parte da minha profissão encaminhar
novos talentos. Essas coisas andam me deixando muito irritado. Tive só quatro
meses para passar tudo para o computador, transliterar novos títulos de filmes
de línguas como japonês, russo, húngaro, sueco etc. Tentei ser o mais rigoroso
possível.
Essa ampla catalogação do cinema chinês de ação na nova
edição reflete uma preferência também sua, além de fruto da colaboração de um
dos pesquisadores?
Ewald Filho: Sim, gosto muito. Foi o que me levou a visitar
o Japão e Hong Kong. Assisto aos filmes sem legenda. Não entendo, mas a gente
sempre aprende algo. Já o cinema mudo é um universo que não conheço muito, a
gente não tem mais acesso. Não procurem cinema mudo no meu livro, fora os nomes
que têm importância histórica.
Outros gêneros ficaram de fora?
Ewald Filho: Não tive nenhum preconceito. Entrou até o
Neville de Almeida, que brigou comigo por causa de uma crítica que fiz na TV
Globo. Tem até o Olivier Perroy... (irônico). Minha opinião está subordinada à
informação e está tudo muito completo. Já incluí, por exemplo, o Harry Potter
de 2002, “A Câmera Secreta”, “A Cidade de Deus”, de Fernando Meireles, que vi
em Cannes etc. É um autêntico “work in progress”, que continua no site, com as
atualizações.
Dizem que você protegeu durante muito tempo o cinema
norte-americano em detrimento do cinema de outras regiões, o que estaria
refletido neste volume...
Ewald Filho: Carrego o peso do Oscar. Sou o “cara do Oscar”
e seria estupidez minha ir contra isso. O público acredita que eu sou íntimo
dos astros e que eu estou lá dentro, embora eu afirme sempre que estou no SBT.
É uma lenda urbana.
No meu livro devem empatar os números de diretores
americanos e de outras nacionalidades. É impossível negar a importância do
cinema americano. Depois, o que vem a ser Hollywood? Billy Wilder é austríaco
ou norte-americano? William Wyler é da Alsácia ou dos EUA? Frank Capra poderia
ser siciliano? John Ford não seria irlandês?
A sabedoria do cinema americano é acabar com as indústrias
latentes, como agora a da Austrália. Os maiores cineastas e astros de lá foram
levados para Hollywood... Sam Mendes é inglês ou americano? Por que o cinema
inglês não existe? Porque é depredado pelo cinema norte-americano. O Guy Brett
não é bem inglês, ele é o marido da Madonna, isso diz tudo. infelizmente existe
essa predominância no mundo inteiro, há uma globalização total.
Mas e a sua formação?
Ewald Filho: Não é nada americana. Os meus ídolos sempre
foram italianos: Fellini, Visconti, Vittorio de Sica, que acho um super poeta
injustiçado, os cineastas do neo-realismo, como Comencini, Dino Risi,
Zurlini...
Assisti em Cannes ao filme novo do Martin Scorsese, sobre o
cinema italiano, e um amigo crítico ficou impressionado porque corrigi duas
informações erradas no documentário do cineasta. Fui privilegiado por ter
surgido como crítico num grande momento de vários cinemas: nouvelle vague
francesa, italiano, a nova geração americana, de Coppola e outros... Mas o
mundo deteriorou-se e os americanos consolidaram o seu poder, só isso. A
nouvelle vague, por exemplo, nada mais é que a valorização do cinema B
norte-americano, que em certa época tinha uma vitalidade muito grande.
Portanto você não se incomoda de ser identificado ao cinema
americano...
Ewald Filho: Sim, na medida em que me impede de fazer outras
coisas. Até já escrevi novela (“Éramos Seis”, TV Tupi), mas ninguém lembra
disso.
Dizem também que você rejeita a priori os filmes mais
intelectualizados...
Ewald Filho: Só tenho implicância, e isso é um problema meu,
com as ditaduras, sejam de esquerda ou de direita. Tenho certa antipatia pelo
cinema cubano, russo, iraniano. Vou ver filmes iranianos com má vontade,
contudo saio sempre gostando. Já a cultura chinesa me pega muito.
Mas e o cinema brasileiro de esquerda nos anos 60, por
exemplo?
Ewald Filho: O quê?! Aonde tem isso? (ri) Que esquerda? Que
piada... Eu sempre coloquei “Terra em Transe” como um de meus filmes
brasileiros preferidos, ao lado de “Limite”. Pena que Gláuber enlouqueceu
depois, embora não admitam.
Como você se habituou a assistir filmes em tamanha
quantidade?
Ewald Filho: Sou de Santos, de família muito repressora,
controlada pela avó matriarca, de origem italiana e portuguesa. A família tinha
atividades em fazenda de bananas e navios. Houve várias tragédias econômicas e
perdemos tudo. Para você fazer idéia, a memória da minha infância ficou
bloqueada e eu nunca quis fazer regressão. Com dez anos fiz o meu primeiro
caderninho, com os nomes dos filmes, da sala de cinema, o que era muito
importante. Estou hoje com 19.958 filmes vistos. Eu digo que minha vida era uma
mistura de “A Rosa Púrpura do Cairo” com “A História Sem Fim”, porque outra
coisa que eu fazia muito era ler. O menino extremamente reprimido, que apanhava
muito, inferiorizado pelas opiniões dos tios etc., aprendeu a ser esperto e a
fazer o que queria com jeito diplomático, escapando muito pelo cinema. Santos
nos anos 50 tinha 25 salas de cinema. Mas eu não me relacionava, não fazia
esporte coletivo. Virei nadador individual, o que explica o meu físico e minha
saúde. Atravessava o Canal de Santos, que não era poluído... Nunca tive um
colega, e isso está na origem de até hoje eu viver solitário, morar sozinho e
não ter ninguém. Não é conversa mole, não tenho ninguém, virei um solteirão.
Os filmes te completam?
Ewald Filho: O cinema é um grande companheiro, todo dia
trazendo uma surpresa nova. Revejo os filmes como quem reencontra velhos
amigos. Sozinho, na infância, tornei-me um observador, passando a entender até
de futebol, que eu assistia da janela. Aí nasce o crítico, um observador
privilegiado. Por exemplo, em 94 eu fiz a crítica de “O Especialista”, com
Stallone e Sharon Stone, e disse: “Saibam que a partir de hoje os Estados
Unidos vão passar a ter ataques terroristas, porque esse filme ensina a fazer
uma bomba”.
No fundo, a gente vê cinema dentro do contexto social,
mundial, econômico, e também cinematográfico. Hoje eu reclamo muito também da
crítica que não entende nada do lado técnico do cinema. Como podem gostar, por
exemplo, de “Homem-Aranha”, que tem a estética de um telefilme de quinta categoria,
sem fotografia, sem direção de arte? Só tem closes!
O que você lia quando garoto e o que você está lendo hoje?
Ewald Filho: Na granja, em Cotia, há mais sossego, então
leio tudo de cinema, comprado diretamente do site Amazon. Também biografias.
Estou lendo agora o “making of” de “Abril Despedaçado”, a biografia que conta a
doença de Michael J. Fox e o novo livro de Nick Hornby.
Comecei a ler na biblioteca de meu pai, que tinha todo o
básico, de “Vinhas da Ira” a Sartre, passando pela literatura erótica de
Pitigrilli. Aliás, meu pai foi namorado da Cacilda Becker, em Santos. Havia uma
foto deles dançando, ela era um mito em casa. Aprendi inglês muito cedo, na
Cultura Inglesa, não americana. Fazia faculdade de direito de manhã, história e
geografia à tarde e jornalismo à noite, tudo junto. E ainda fazia teatro, no
grupo TEFFI, da Filosofia de Santos, com Ney Latorraca, Jandira Martini e
outros que ficaram conhecidos.
Ainda fazia Aliança Francesa, aprendia um pouco de italiano,
preparando-me para diplomacia. Mas, ao terminar jornalismo, o Juarez Bahia me
chamou para ser crítico de cinema na “Tribuna de Santos”, onde aliás escrevo
até hoje. Também dava cursos gratuitos de cinema na própria faculdade.
Aí vim para o “Jornal da Tarde”, onde bem ou mal estou até
hoje. Porque nosso mundo profissional é muito pequeno e eu jamais sacaneei
ninguém, sempre fui correto. A educação serviu para alguma coisa. Sou uma
pessoa diplomática, que diz a coisa na hora certa. Apliquei isso na vida.
Além do Neville de Almeida você teve outros inimigos?
Ewald Filho: Infelizmente há um ano e meio o Neville veio
fazer as pazes comigo. Era o meu único inimigo... Bem, eu não tinha nada contra
ele pessoalmente. Crítico não pode mesmo ser bem-amado por todos. Mas esse meu
personagem de sujeito educado está um pouco consolidado, nem adianta eu
levantar polêmicas em entrevistas, elas não tem repercussão nenhuma!
No entanto, eu cansei de ser bonzinho. Luto muito para não
ser. Porque existe hoje muita coisa digna de levantar polêmica, é uma
obrigação. Me incomoda as pessoas não discutirem idéias. Só falam do que viram
ontem no “Big Brother”, é tudo muito rasteiro. Minha briga é pela formação de
novas platéias, porque o emburrecimento tem um limite. Hoje as pessoas não
conseguem entender um filme óbvio como “Amnésia”, que é apenas invertido
temporalmente. Ficam me perguntando besteiras. Quando esse filme sai em DVD no
Brasil montado ao contrário, como aconteceu agora, socorro!...
E você não fica bravo quando fazem piada com a sua figura pública,
como o colunista José Simão, da “Folha”, que anualmente repete que no dia do
Oscar você começa a bater o pancake no liquidificador logo de manhã?
Ewald Filho: Eu não leio as matérias que saem sobre mim, só
as arquivo, porque a imprensa distorce mesmo as coisas e isso faz parte do
show. No caso do Simão, “mais vale perder o amigo do que perder a piada”, não
dá para levar a sério. É uma bobagem, porque eu nem uso maquiagem, eu sou
vermelho mesmo, corado. Uma pessoa pública tem esse ônus. Atores são muito
infantis, sempre querendo ser amados. Eu não. Quero ser respeitado e não
famoso. Prefiro a polêmica. Quando era mais novo, até recusei papel principal
em novela, na Tupi.
Qual o eixo principal para elaborar a crítica a um filme?
Ewald Filho: Imagine você quanta merda eu já vi... Antes eu
até via dois filmes simultaneamente, em vídeo. Então eu tomo sempre por base a
razão de ser do filme: por que foi feito, qual a intenção? Se é um filme de
política, que defenda sua idéia de maneira correta, bem apresentada, que me
toque, me faça raciocinar. Eu nem preciso concordar. Se é um James Bond,
existem os padrões James Bond aceitos, se é um filme de Bergman, ele tem uma
obra que construiu, e eu vou avaliar o novo filme dentro disso...
Concordo que o “ser chato” não é elemento fundamental para
avaliar uma obra de arte. Ela pode ser maravilhosa e chata ao mesmo tempo.
Chato é um conceito discutível, e na língua portuguesa essa palavra é muito
infeliz, feia, e não há substituto para ela. Em inglês tem “boring”.
Hoje os tamanhos das críticas são ainda menores e não dá
para discutir idéias nesses espaços, o que é muito ruim. Simplifica-se com
estrelinhas etc. E duas estrelinhas para certo tipo de filme não é a mesma
coisa que duas estrelinhas para outro. Assim quantifica-se os filmes... Mas é
preciso contextualizar.
Você se prepara antes de ver um filme?
Ewald Filho: Sim. Não admito estar com sono, chegar tarde,
estar mal-humorado...
Vê tudo até o final?
Ewald Filho: Nunca saí no meio, é ponto de honra. Em vídeo
também vejo inteiro. Agora, do teatro que é mais ou menos eu saio mesmo, já saí
em Broadway etc. Filmes às vezes mudam muito da primeira para a segunda parte.
Quais são os grande filmes da sua vida?
Ewald Filho: Prefiro falar de cineastas: Fellini é o máximo,
seguido de perto por Bergman, senhor de uma obra que matura em vez de
envelhecer. E Kurosawa, cujos primeiros filmes, excepcionais, fui conhecer só
recentemente.
Outro que valorizo cada vez mais é Buñuel: se eu pudesse,
colocava só os filmes dele nas listas de “cem melhores”. E tenho um carinho
muito especial, pessoal, pelo cinema musical americano. Quando garoto, meu
ídolo era Fred Astaire. Eu queria ser Fred Astaire, aquela pessoa elegante,
discreta. Ao contrário, eu era pesado. Hoje percebo que Astaire era uma figura
um tanto assexuada, quase um desenho animado, por causa de sua movimentação
perfeita. Eu não virei Fred Astaire, mas também ninguém virou, porque não tem
outro. O musical dos anos 50 criou um universo muito importante para mim.
Qual o seu musical preferido?
Ewald Filho: “West Side Story” (de Robert Wise) marcou muito
minha pré-adolescência. Primeiro porque é um “Romeu e Julieta”, depois porque
talvez seja o filme que melhor expresse os sentimentos através da canção e da
dança. Não é feito de quadros estanques, como os outros, mas é um filme
inteiro, com uma determina estética. Acho que passei a minha vida inteira
procurando a Maria...
A gente é muito marcado pelos filmes assistidos em idade
“impressionável”. Como dizia Miss Brodie (personagem de Maggie Smith em “A
Primavera de uma Solteirona”, 69): “Me dê uma pessoa em idade impressionável e
ela será minha para sempre”. Ah!, na lista acima esqueci Visconti, que estaria
no patamar dos sete grandes, assim como o Billy Wilder.
E no cinema norte-americano propriamente dito?
Ewald Filho: Acho que o melhor diretor foi o William Wyler,
embora não fosse um autor e estivesse sempre a serviço de alguma coisa: do
texto, da Bette Davis... Mas era um grande realizador. E nem mencionamos também
Orson Welles, embora os filmes inacabados dele sejam tão ruins.
E quanto ao Oscar, você já se acostumou a fazer essa
transmissão ao vivo? É muito difícil?
Ewald Filho: Meu maior sucesso é quando eu não faço. Minha
ausência é muito lamentada. Mas quando faço sempre falam mal, é uma coisa
impossível de fazer direito. A melhor maneira seria o programa passar algumas
horas depois, legendado, mas aí se perderia a notícia.
O roteiro que nos dão antes traz pouca coisa porque hoje
eles têm medo de tudo ficar sabido antes na Internet, não querem quebrar a
surpresa. Glenn Close e Barbra Streisand este ano foram surpresas também para
mim. Não fico mais nervoso, apenas emocionado, e tem muita coisa que passa
rápido demais, que não dá para compartilhar com o espectador.
Televisão é mesmo o mundanismo, a aparência. Uma coisa que
aprendi na televisão, com o Boni, é o chamado “padrão de qualidade”, porque a
imagem é muito rápida. Na época dele, se você estava com a gravata errada você
não entrava no ar. Importa o que é visto, e não o que as pessoas estão dizendo.
Às vezes na Globo eu deixava comentários pré-gravados para o fim da noite. As
pessoas me encontravam na rua e diziam: “Você apareceu ontem”. Eu perguntava:
“O que eu estava falando?” E elas: “Não lembro, mas a sua camisa era de tal
cor, seu cavanhaque estava torto...”.
Dizem que seu cavanhaque nunca está desenhado igual...
Ewald Filho: É outra lenda urbana. Mas, veja você, a novela
que escrevi na Tupi, por exemplo, era editada minutos antes de ir ao ar e só
seguia para a censura do regime militar no dia seguinte. Então eu colocava nos
diálogos: “Abaixo a ditadura!” etc. Apesar do sucesso da novela, você acha que
isso mudou alguma coisa, teve repercussão? Nada. A televisão emite esses
malditos raios que dão sono, mesmo a tela de plasma líquido.
O que te incomoda mais na profissão?
Ewald Filho: Não ter sucessores. Porque assim história do
cinema ameaça se transformar numa coisa morta.
Você já entrevistou muitas estrelas. Qual lhe impressionou
mais?
Ewald Filho: No Brasil eu tenho tentando não ficar amigo de
diretores. Não vou a festas, não quero ficar amiguinho, porque aqui tudo vira
turma. Então depois não é possível criticar ninguém. O cinema, por outro lado,
é o veículo do diretor, que é o único que controla de fato o resultado. Não
tenho todo esse distanciamento com os atores brasileiros, que embora sem
condições decoram textos imensos para novela, porque no México eles usam ponto.
Sou amigo de Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Irene Ravache, Marco Nanini,
Ney Latorraca...
E no exterior?
Ewald Filho: O grande choque foi Kim Novak, que era meu
ídolo de menino. Entrevistei-a em Berlim há uns quatro anos e ela ainda estava
deslumbrante, com um olho!, absolutamente sedutora. Ela me deu seu telefone,
queria vir ao Brasil, mas acabou não rolando...
Ator europeu tem uma cultura e uma inteligência fantásticas.
Liv Ullmann, por exemplo, para a qual eu falei: “Agora que estou olhando para o
teu rosto, não sei o que te perguntar”. Ela pegou minha mão e disse: “Não
precisa perguntar nada, bobo, a gente fica só flertando...”. Ela é uma atriz
maravilhosa e uma grande diretora, e claro que deu uma ótima entrevista.
Hoje, em compensação, há situações como este novo
“Scooby-Doo”, com astros teen, na qual limitaram meu tempo a quatro minutos
para conversar com um ator... Lembro também de Faye Dunaway ter me assumido
como seu partner nas festas do Festival de Gramado. Passear na rua de mãos
dadas com Esther Williams, no Rio, foi um auge na minha carreira. Também fui
convidado à casa de muitos astros em Los Angeles, e isso muda tudo, eles te
abrem as coisas: Janet Leigh, Ann Miller... Falei com a Jean Simmons, meu ídolo
de juventude, que me revelou ter sido alcoólatra. Essas entrevistam rendem
mais, também, porque essas pessoas já não são mais estrelas e agora estão
carentes de atenção. Eu faço muito sucesso com as velhinhas...
* Alvaro Machado - É jornalista, colaborador da "Folha de S. Paulo",
autor de "A Sabedoria dos Animais" (ed. Ground), tradutor de “A
Linguagem dos Pássaros” (ed. Attar) e organizador de "Aleksandr
Sokúrov" (ed. Cosac & Naify) e de "Mestres-Artesãos" (ed.
Sesc-SP). Coordena o site-catálogo da editora Cosac & Naify
(www.cosacnaify.com.br).
Texto e imagem reproduzidos do site: revistatropico.com.br
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