O crítico de cinema Rubens Ewald Filho:
cultura enciclopédica
Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Em 2013, Rubens Ewald Filho comanda a transmissão
do Oscar no canal TNT (Foto: Divulgação)
Publicado originalmente no site do jornal O GLOBO, em 19/06/2019
Morre Rubens Ewald Filho, crítico de cinema e 'senhor
Oscar', aos 74 anos
Dono de uma memória cinematográfica vasta e infalível, ele
estava internado desde maio, quando desmaiou num shopping em São Paulo
Daniel Schenker, especial para O GLOBO
RIO - O crítico de
cinema Rubens Ewald Filho morreu nesta quarta-feira, aos 74 anos. Ele estava internado no Hospital
Samaritano, em Higienópolis, região central de São Paulo, desde maio, quando
sofreu um desmaio num shopping da capital e caiu na escada rolante. O velório
será realizado nesta quinta-feira, 20/6, na Cinemateca Brasileira (Largo
Senador Raul Cardoso, 207 - Vila Clementino), das 7h às 15h. O enterro será às
16h, no Cemitério dos Protestantes (Rua Sergipe, 177 - Consolação).
Dono de uma memória prodigiosa , ele impressionou milhões de
telespectadores, ano após ano, durante a transmissão da cerimônia do Oscar ,
quando enfileirava os nomes de uma infinidade de artistas ligados ao cinema,
bem como seus vastos currículos.
Para o público brasileiro, uma das grandes atrações do Oscar
, além do resultado em si, era conferir a inesgotável cultura cinematográfica
de Rubens por meio de comentários não “apenas” enciclopédicos como marcados por
tom pessoal inconfundível – conforme evocado no livro “O Oscar e eu” (2003).
'Dicionário de cineastas'
A projeção alcançada por Rubens se deve ao seu perfil
comunicativo e ao trânsito por diversas mídias – jornais, rádios, emissoras de
televisão. Vale lembrar que registrou seu extenso conhecimento em muitos
livros, popularizados como sólidas fontes de consulta, a exemplo de “Os 100
melhores filmes do século 20”, “Os 100 maiores cineastas” e, principalmente,
“Dicionário de cineastas”.
“'Eu carrego uma bandeira de amor ao cinema e sou um
entusiasmado. O cinema sempre foi um grande companheiro, que nunca me
abandonou. Ele nos ajuda a viver e a sonhar'”
A versatilidade de Rubens fica comprovada na variedade de
funções que exerceu ao longo do tempo. Na crítica, terreno em que obteve maior
repercussão, escreveu sobre os lançamentos em salas de cinema e também em
vídeo, DVD e TV. Levou seu patrimônio cinematográfico para a Globo, Cultura e o
mundo da TV por assinatura (HBO, Telecine, TNT). Esteve à frente de alguns dos
mais relevantes festivais de cinema do Brasil – como consultor do Projeto
Paulínia Magia do Cinema / Polo de Cinema e curador dos festivais de Gramado e
Paulínia.
Ator em 'Amor, estranho amor'
Parece bastante, mas ele fez bem mais. Acumulou experiência
em outros setores. Dirigiu montagens teatrais – como “Hamlet-Gasshô”,
apropriação da peça de William Shakespeare, “Querido mundo”, de Miguel
Falabella, e “O amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence. Trabalhou,
raramente, como ator – em “Amor, estranho amor” (1982), de Walter Hugo Khouri.
Escreveu roteiros de dois filmes: “A árvore dos sexos”
(1977), em parceria com Carlos Alberto Soffredini, Eugênia de Domênico e
Mauricio Rittner; e “Elas são do baralho” (1977), com Roberto Silveira e
Adriano Stuart, dirigidos por Silvio de Abreu. Com ele, aliás, assinou a novela
“Éramos seis”, adaptação do livro de
Maria José Dupré, exibida no SBT.
Não parou por aí: colaborou, de maneira significativa, para
a preservação da memória ao assumir a coordenação geral da Coleção Aplauso ,
composta por biografias de atores e diretores e publicações de roteiros.
Anotações de cada filme em cadernos
Nascido em Santos, em 1945, Rubens não demorou a se
interessar por cinema. Duas revistas o sensibilizaram particularmente:
"Filmelândia" e "Cinelândia". Desde os 11 anos, anotou em
cadernos cada filme que viu, escrevendo os títulos e as informações básicas.
Transitou por áreas distintas —
Administração e Direito —, enfrentando, em casa, a oposição a seu desejo
de trabalhar com cinema, profissão, contudo, que terminou ajudando no sustento
familiar.
Seja como for, o cinema se manteve em primeiro plano. Foi
seduzido pelas produções a que assistiu na juventude, considerando as décadas
de 1950 e 1960 como as mais promissoras. Recebeu influência de críticos como
Moniz Vianna, Sérgio Augusto e, posteriormente, Rubem Biáfora.
“No fundo, todo crítico quer ser amado. Mas ou você faz uma
crítica honesta ou escreve para ser amado. Polêmica sempre deu leitura, mas o
trabalho do crítico é ser honesto e destrinchar o filme para o público que vai
ao cinema”
Sobre o papel do crítico
Além do Oscar, também comentou o Globo de Ouro e o prêmio do
Sindicato dos Atores dos EUA.
'Cinéfilo que não existe mais'
Comentarista do Oscar na TV Globo nos últimos anos, Artur
Xexéo resume por que o colega exercia a função de maneira exemplar:
— Identificar os atores que aparecem no palco do Oscar não é
muita vantagem. Isso vem no roteiro. Mas ele era craque mesmo. Sabia dizer quem
eram e conhecia os currículos de todos os atores que apareciam na homenagem aos
mortos de cada ano. Isso não está em roteiro nenhum.
Para Xexéo, Rubens refletia o cinema de seu tempo.
— Um tipo de cinéfilo que não existe mais, apaixonado por um
cinema que não existe mais. Tornou-se uma referência como comentarista — diz o
jornalista e colunista do GLOBO. — Sem ele, a crítica de cinema fica menos
divertida.
Não há como resumir os feitos de Rubens Ewald Filho em
poucas linhas, mas, de certo modo, uma expressão é suficiente para sintetizar
toda a sua trajetória: paixão pelo cinema.
Texto e imagens reproduzidos do site: oglobo.globo.com
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