Publicado originalmente no site OUTROLADO, em 10 de dezembro de 2018
A apresentação de filmes na forma de espetáculo
Por Paulo Roberto Elias*
A apresentação de filmes de longa duração introduziu um formato de espetáculo que foi totalmente
retirado das salas mas que ainda precisa ser preservado na mídia de vídeo.
Infelizmente, o que era chamado de “showmanship”, processo
este criado pelos estúdios norte-americanos para a apresentação de filmes na
forma de um grande espetáculo, não existe mais há muitos anos, e eu sou um que
sente falta dele até hoje. E pretendo explicar por que:
Filmes de longa duração foram, no passado, divididos em duas
partes. Com o advento dos “Roadshows”, que eram exibições especiais,
programadas em circuitos limitados de salas de cinema e com lugar marcado, tais
tipos de filmes começavam sempre com a cortina do cinema fechada, ao mesmo
tempo em que era executada uma música de abertura (“Overture”).
A abertura da cortina coincidia com o início da exibição da
imagem, mais especificamente, com a apresentação da marca do estúdio, na forma
do seu tradicional logo.
Ao final da primeira parte, a exibição era interrompida com
a apresentação de um slide com o texto “Intermission” (“Intervalo”). Este
intervalo tinha a duração de 10 a 15 minutos. Durante este tempo, as cortinas
se fechavam e as luzes acendiam. As pessoas na plateia poderiam abandonar
temporariamente os seus assentos, na busca de qualquer coisa.
Para anunciar o retorno da projeção, era tocado um segmento
musical chamado de “Entreato” (ou “Entra’cte”, no original em inglês), ao final
do qual as luzes se apagavam, e as cortinas novamente se abriam para continuar
a projeção do filme.
Ao final, um último segmento musical era tocado, já com as
cortinas fechadas. Era a chamada “Música de Saída” (“Exit Music”).
A composição Abertura – Intervalo – Entreato – Música de
Saída era gravada na película. Mesmo aqui no Brasil, os operadores (ou
projecionistas, se quiserem) eram treinados para obedecer esta sequência, e no
caso específico do Rio de Janeiro, que eu pude testemunhar de perto, todas as
apresentações em Cinerama no antigo Roxy e em Dimensão 150 no Metro-Boavista,
ou de 70 mm plano em outros cinemas, seguiam rigorosamente este script.
Os estúdios forneciam um roteiro guia, para ser observado
pela gerência e pela cabine. Um exemplo, divulgado parcialmente na Internet,
nos mostra o roteiro recomendado para o filme Ben-Hur, 70 mm, Camera 65 MGM:
A transcrição para vídeo
Os fãs de cinema que frequentaram este período de tempo vêm
constantemente exigindo que esses segmentos sejam incorporados quando o filme
original é transcrito em vídeo.
Nesses casos, quando se trata de filmes antigos, todo o trabalho
de preservação depende dos arquivos dos elementos de película e da fita
magnética contendo a trilha sonora. Idealmente, a mídia de vídeo (DVD, Blu-Ray,
etc.) deveria simular ao máximo a apresentação do cinema, o que, infelizmente,
é raro.
No clipe a seguir, o leitor pode ter uma noção de como isso
pode ser feito na mídia de vídeo. O clipe foi retirado do DVD do filme “Sweet
Charity” dirigido por Bob Fosse, e apresentado em Cinerama e depois em 70 mm
plano. A propósito, este foi o filme que inaugurou a nova cabine do Cinema
Vitória, reequipada com projetores Incol 70-35.
Na apresentação original em Cinerama (o filme foi na verdade
rodado em 35 mm Panavision e depois ampliado para 70 mm), a música começa com
as cortinas fechadas, que se abrem já com as luzes escuras, com a apresentação
do logo da Universal Pictures. No DVD, o slide “Overture” aparece brevemente,
mas a autoração apaga a imagem, para simular a apresentação do cinema:
A edição em DVD foi feita com o uso de uma fonte magnética
de 4 canais, transcrito diretamente em Dolby Digital 4.0, mas como o som é o
tempo todo frontal, o prejuízo não é expressivo. Perde-se o diálogo direcional
(o vídeo foi “Dolbysado”) e o eco da voz da atriz em um estádio, nos canais
surround.
Sweet Charity está previsto para ser lançado em Blu-Ray.
Fontes do estúdio divulgaram informações relatando que uma nova master em 4K
estaria sendo feita. Nada se soube sobre a trilha sonora, que é de grande
importância, visto ser este um filme musical.
Sweet Charity foi talvez o último grandioso filme musical
moderno. Ele dá mostra à coreografia exótica de Bob Fosse, com corpos
propositalmente contorcidos, em uma paródia da vida das celebridades. O personagem
título é uma mulher que acredita no amor e no casamento, ao mesmo que se
desilude com os romances frustrados.
O final oficial do filme (foi rodado um final alternativo)
mostra a personagem em profunda depressão, cercada por jovens hippies, lhe oferecendo
uma flor e entoando o mantra de “paz e amor”. É o roteiro dizendo à plateia que
sempre haverá esperança de mudança com o aparecimento das novas gerações.
As omissões em vídeo
Várias edições em DVD e Blu-Ray (quando se esperava que
erros fossem corrigidos) omitiram os segmentos de Abertura e Entreato,
principalmente. Um desses casos que me deixou perplexo foi o do filme “Kelly’s
Heroes” (no Brasil, com o título cretino de “Os Guerreiros Pilantras”).
O filme foi muito bem apresentado em Dimensão 150 no
Metro-Boavista, com tudo a que tem direito, inclusive o Intervalo. Porque esses
segmentos foram omitidos a Warner, que eu saiba, nunca explicou.
Mas, Kelly’s Heroes não foi o único. O problema esbarra nas
modificações de apresentação, saindo do “Roadshow” para a apresentação
convencional. Na década de 1960 vários filmes começaram a ser copiados dos
originais em 35 mm Panavision para película 70 mm, e na grossa maioria das
vezes os segmentos de Abertura, Intervalo e Entreato foram acrescentados. Então,
o correto seria reintroduzi-los nas versões em vídeo doméstico, mas isso não
foi feito.
As omissões nas salas de exibição
Eu estava uma daquelas tarde de outrora dentro do Cinema
Tijuca, assistindo a um filme em 70 mm. Durante a exibição do jornal da tela e
trailers eu comecei a ouvir a trilha sonora de abertura no background. Os
operadores nem se deram ao trabalho de desligar o som dos projetores de 70.
Quando a abertura acabou eles desligaram o projetor e aguardaram terminarem os
trailers. Um desses dias, o cinema estava tão vazio, que era possível ouvir um
operador falando com o outro, e eu ouvi distintamente um deles dizer “Vai…”,
pedindo ao colega para acionar o projetor de 70 mm.
E não foi só ali que eu vi isso. Eu fui assistir “2001, Uma
Odisseia no Espaço” em 70 mm plano, mais de uma vez, e naqueles outros cinemas
os operadores também cortaram a música de Abertura e o Intervalo.
A destruição do espetáculo, previsto para ser respeitado
pelo exibidor, negou ao espectador o prazer de ver um filme apresentado como
devia. Isso me lembrava do operador do cinema do meu tio, no interior da São
Paulo, que quando não gostava de um filme pulava um rolo inteiro, para o filme
acabar mais rápido. A plateia chiava, mas ele não dava a menor bola.
Na minha perspectiva até hoje, o ato de “ir ao cinema” devia
ser acompanhado sempre do ritual sacralizante, que era tradicionalmente
realizado na apresentação de qualquer filme: as cortinas só abriam quando a
projeção começava, e obedeciam à relação de aspecto da película, abrindo
parcialmente para os filmes planos e totalmente nos filmes scope.
Quando os cinemas começaram a retirar as cortinas, a
primeira impressão foi de desleixo e, porque não dizer, desrespeito com o
frequentador. As omissões já haviam começado com a retirada dos gongos e do
apagamento parcial das luzes. Eu ainda vi o som dos gongos ser acompanhado da
mudança de luzes coloridas na tela, igualmente removidas.
Retirar tudo isso, salvo melhor juízo, transformou os
cinemas em salas frias. Com esta multidão de anúncios eu às vezes penso estar
diante de um aparelho de televisão igual ao lá de casa, que pelo menos tem a
vantagem de, dependendo do que se está vendo, não ver qualquer propaganda, a
não ser a dos estúdios, que eu posso pular sem ninguém se sentir ofendido.
Não é à toa que os Blu-Rays Disney introduziram a
possibilidade de pular este material que nada tem a haver com o filme, indo
direto para o Top Menu, exemplo a ser seguido por todo mundo.
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* Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
* Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
Texto, imagens e vídeo reproduzidos dos sites: outrolado.com.br e youtube.com
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