sábado, 20 de julho de 2019

O que se passa em Marienbad?

"L'année dernière à Marienbad"- 1961, Alain Resnais

O QUE SE PASSA EM MARIENBAD?
Por Davi Queiroz Machado

O que se passa em Marienbad? Mistério complexo incomensurável ou o simples imperceptível? Por onde, e como, segurar este filme tão escorregadio?

Muita gente tenta falar sobre este filme. Mas o que dizer, como dizer, como entender? Passada essa confusão impactante que o filme nos causa. Percebe-se que trata-se de uma obra de arte. Naquele mesmo sentido em que viram pela primeira vez um quadro de Van Gogh. Quem daquelas pessoas comprou Van Gogh? Ninguém. Por quê? Ora, porque não tinham como entender uma nova maravilha da arte. E O Ano Passado em Marienbad não seria um quadro de Resnais que até hoje está inalcançável para cérebros humanos? Mas possuímos outras capacidades receptivas, e elas podem auxiliar na compreensão angulosa de um filme perpendicular.

As sequencias se desenrolam num tempo estranho ao nosso corpo. Há mesmo um incômodo com o filme todo, ou melhor, com os fragmentos. “Teatral” nem sei bem se seria a palavra pra definir. Talvez seja um erro procurar no vocabulário crítico de cinema uma palavra que dê conta de um filme que não conseguimos dar conta. Pelo menos a maioria daqueles que o assistiram.

Já ouvi comentários como: “Perdi foi meu tempo” “Sem pé nem cabeça!”

Não tiro totalmente a razão dos donos destas palavras. Ora, nem toda experiência estética com grandes obras de arte rendem boas reações. E obras eternas não pertencem ao tempo e se foram estranhas à primeira vista, porque não seriam atualmente? E O Ano Passado em Marienbad continua no campo do imponderável. Eis o seu charme.

Mas ter os dois personagens em quase todas as cenas dá um certo alento aqueles que precisam se situar ou ter uma referência narrativa para não se perder de um possível entendimento linear ou não-linear. Mas será mesmo que se trata de um filme de relação amorosa e suas reminiscências? Vai saber. (Quem sabe seja isso mesmo, o simples e óbvio; e não estaríamos apenas potencializando um mistério que pode nem estar lá? Se “sim”, este texto acaba aqui. Se “não”, ele continua.) Se continuou então temos uma resposta, que na verdade nem é resposta, pois este texto é uma indagação mais sentimental do que analítica. E o que o texto mais quer é: saber o que se passa com a gente quando assistimos a este filme peculiar na história da arte cinematográfica. Pois, para o bem ou para o mal, aqueles que se permitem ao filme, de alguma forma são incomodados por ele. E talvez essa seja a sensação que perdura em mim desde que o assisti: um incômodo irresistível. E não me peçam para racionalizar este sentimento. Pois “O Ano Passado em Marienbad” é um filme bem escorregadio, e nem mesmo as mãos ásperas de um deus da crítica consegue segurá-lo como gostaria.

Texto e imagem reproduzidos do site: lounge.obviousmag.org

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