Texto publicado originalmente no site MNEMOCINE, em 23 de Julho de
2008
Macunaíma: um herói sem causa
Por Sarah Yakhni *
Esse trabalho tem como objetivo analisar o filme
"Macunaíma", de Joaquim Pedro de Andrade, no sentido de perceber como
o personagem / herói desenvolve a sua trajetória e quais são os possíveis significados
simbólicos contidos nesse percurso e perceber como a questão do negro é
colocada ao longo do filme.
O filme "Macunaíma", realizado em 1969, é baseado
no livro homônimo de Mário de Andrade escrito em 1928. A recuperação de uma
obra modernista no final da década de 60 traduz uma relação íntima entre os
dois contextos históricos. A preocupação com o caráter nacional, com a
definição do que é brasileiro, em contraposição ao produto importado, as
tentativas de descolonizar a produção cultural do país, são traços marcantes do
modernismo e do cinema novo.
A obra de Mário de Andrade é expressão de ampla pesquisa
sobre a realidade e o folclore brasileiros. Sua estratégia básica era usar as
formas populares de expressão em um nível erudito, buscando a síntese entre a
arte popular e a erudita e alcançando o povo através de sua própria produção
cultural.
Alcançar o grande público também era uma das preocupações do
cinema novo em sua segunda fase, que começa depois de 64, quando o
questionamento da forma de produção autoral e a maior abertura ao esquema
industrial trazem em si a reformulação do que seriam a realidade e a verdade a
serem alcançadas. Os cinematovistas percebiam que não tinham conseguido criar
um diálogo com o grande público nem atingir as camadas populares.
Num plano mais geral, a década de 60 é marcada pela
crescente urbanização, pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e da
propaganda. No plano cultural, o tropicalismo, inicialmente oriundo do contexto
da música popular, sintetizava a tentativa de encontrar uma linguagem
brasileira para expressar os problemas brasileiros.
Nesse contexto, os modernistas são revisitados. Dois anos
antes da adaptação de Macunaíma para o cinema, José Celso Martinez Correia
dirigiu a primeira representação da peça de Oswald de Andrade, "O Rei da
Vela"(1933), dedicando-a ao cineasta Glauber Rocha depois de ter visto
"Terra em transe".
Como aponta Randal Johnson," há muitos paralelos entre
o modernismo e o cinema novo. Ambos os movimentos foram reações contra o código
dominante nas suas respectivas áreas de significação: o modernismo, contra o
parnasianismo e sua linguagem bacharelesca, artificial e idealizante que
espelhava a ideologia da estrutura de classe arcaica da sociedade brasileira; o
cinema novo, contra a chanchada e os filmes sérios produzidos em São Paulo,
especialmente os da Vera Cruz, os quais refletiam, ambos, uma visão colonizada,
idealizada e inconsequente da realidade brasileira."(1)
Mas haviam também diferenças básicas entre os dois
movimentos. Para o Cinema Novo não bastava investigar a realidade brasileira,
era preciso transformá-la, enquanto que os modernistas estavam desligados dos
acontecimentos políticos da época.
Para o Cinema Novo, a grande questão era atingir o público
sem perder a visão crítica da realidade e a possibilidade de transformá-la.
"Macunaíma" , lançado em novembro de 69, foi o primeiro filme
verdadeiramente popular do cinema novo. O filme se insere dentro do contexto do
tropicalismo, cujo procedimento básico, segundo Roberto Schwartz,
"consiste em submeter os anacronismos à luz branca do ultramoderno,
apresentando o resultado como uma alegoria do Brasil."(2)
A preocupação em representar o país, em entender a conjuntura
de crise que se apresentava com o fim do sonho de uma revolução popular e os
novos ventos do regime militar sob a vigência do AI-5, engendraram novas formas
de linguagem e expressão. Muitos cineastas encontraram na alegoria uma forma
que sintetizava a nessessidade de criação pessoal diante das dificuldades de se
colocar abertamente questões relevantes da realidade brasileira da época.
Segundo Ismail Xavier, "as alegorias entre 1964 -1970 não se furtaram ao
corpo a corpo com a conjuntura brasileira; marcaram muito bem essa passagem,
talvez a mais decisiva entre nós, da promessa de felicidade à contemplação do
inferno, passagem cujo teor crítico não deu ensejo à construção de uma arte
harmonizadora, desenhada como antecipação daquela promessa, mas sugeriu, como
ponto focal de observação, o terreno da incompletude reconhecida. Ou seja, o
melhor do cinema brasileiro recusou, então, a falsa inteireza e assumiu a
tarefa incômoda de internalizar a crise."(3)
O filme de Joaquim Pedro pode ser considerado como uma
alegoria do Brasil moderno, um Brasil que tem que dar respostas para a crise de
representação do poder, do esvaziamento dos projetos alternativos e uma nova
reflexão sobre a sociedade de consumo.
2. O filme
Em sua pesquisa, Randal Johnson conclui que "o
Macunaíma de Mário de Andrade é uma mistura de vários heróis encontrados nas
lendas coletadas por Koch-Grünberg: Konewó, um herói astuto e corajoso;
Kalawunseg, um mentiroso; e Makunaíma, herói tribal. A natureza ambivalente e
contrditória de Macunaíma está contida no seu própriio nome. O nome é composto
da raiz maku, que significamau, e o sufixo -ima, que significa
grande...Macuníma, como um herói, é bom e mau, corajoso e covarde, capaz e
inepto. As mesmas caaractrísticas foram mantidas por Mário de Andrade na
composição de o herói sem nenhum caráter."(4)
Para a análise da caracterização do herói no filme de
Joaquim Pedro, iremos buscar referência na obra de Junito Brandão sobre
Mitologia Grega, quando trata do mito dos heróis. (5) Deixaremos sómente como
pano de fundo as questões relativas à antropofagia, canibalismo já que essas
caractrísticas da obra de Joaquim Pedro foram amplamente exploradas por autores
como Randal Johnson e Ismail Xavier.
Ao acompanhar o itinerário do herói, do berço ao túmulo,
para caracterizá-lo enquanto tal o autor determina algumas características
fundamentais com as quais tentaremos fazer um paralelo com as peculiaridades de
Macunaíma e perceber, pela sua trajetória,até que ponto o nosso herói é herói.
2.1. A Infância
Segundo Junito Brandão,em primeiro lugar, via de regra, os
heróis têm um nascimento complicado, como Perseu, Teseu, Héracles e muitos
outros. Descendem de um Deus com um simples mortal e podem ter um nascimento
irregular, como consequência de um incesto. Além de um nascimento difícil ou
irregular são expostos ao mundo, por força normalmente de um oráculo, que prevê
a ruína do rei, da cidade, ou por outros motivos caso o recém-nascido permaneça
na corte ou na pólis.
Macunaíma nasce de uma mãe velha, masculina e branca. Ele é
negro e já formado, não é uma criança. Não se sabe quem é o pai e a mãe não tem
nenhuma dificuldade em parir, muito pelo contrário, ela está de pé e ele cai de
dentro de seu vestido.
O nascimento do nosso herói não é complicado e, até aonde
sabemos, ele não é descendente de nenhum Deus. Aqui cabe uma observação sobre a
sua descendência - ele parece nascido da própria terra e nesse sentido existe
um caráter mágico que emoldura a sua chegada ao mundo. Essa magia tende para
uma comicidade na figura de Grande Otelo fazendo o papel de um recém-nascido.
Em relação a presença do oráculo, a própria mãe se encarrega de profetizar sua
má sina - "Macunaíma...nome que começa com Ma tem má sina".
Poderia se pensar Macunaíma como simbolo do brasileiro que
nasce já sem infância, exposto ao mundo sim, como todos os heróis, mas com a
questão da sobrevivência enrolada no pescoço. É filho de mãe solteira e a falta
de paternidade traz uma conotação de abandono, de falta de autoridade, pois o
pai, na simbologia, é a representação de toda forma de autoridade: chefe,
patrão, professor e protetor. O pai representa, ainda, a fonte da instituição,
é aquele que dá as leis. Nesse sentido, o herói do filme nasce como que
abandonado à sua prória sorte. É um herói às avessas, sendo que na sua a sua
jornada não se configura um sentido maior, pelo menos por enquanto...
Junito Brandão coloca que, exatamente por ser um herói, a
criança já vem ao mundo com duas virtudes inerentes à sua condição e natureza:
a honorabilidade pessoal e a excelência, configurando a superioridade em
relação aos outros mortais. Nesse ponto, o nosso herói tem prós e contras a seu
favor. Por um lado, como no livro, Macunaíma passa mais de seis anos sem falar
e seu divertimento maior é decepar formigas, duas características que não
atestam a superioridade de ninguém. Por outro lado, Macunaíma apresenta um
apetite sexual incomum para sua idade (que se consuma quando vira príncipe) e
uma esperteza inata apresentada na sequência em que, como explica o narrador:
"...o bananal apodreceu e caça, ninguém pegava mais. Nem algum tatu
galinha aparecia. A fome bateu no mocambo." Enquanto os irmãos tentavam
pescar ele permanece na terra comendo as frutas que havia escondido.
A esperteza de Macunaíma não é explicada, não se sabe como
conseguiu guardar as frutas ficando a façanha por conta de uma certa magia
mesclada à outra característica do herói que é a malandragem, que, como um anjo
da guarda, o ajuda a se dar bem sempre.
Essas características da personalidade de Macunaímas se não
atestam sua superioridade em relação aos outro pessonagens, pelo menos, o
envolve numa aura de natureza mágica e fantástica que o diferencia dos outros
pesonagens, com os quais nada de mágico ou fantástico acontece.
Essa aura mágica também se manifesta em alguns episódios,
ainda na sua infância, como no caso de sua transformação em príncipe quando
fuma o cigarro mágico que Sofará prepara para ele. Como aponta Randal Johnson,
a transformação de Macunaíma é apenas superficial. Sua roupa é feita de papel e
êle logo volta ã ser a criança negra que se diverte com uma chupeta e come terra.
A caracterização de Macunaíma - príncipe de Joaquim Pedro é, assim, diferente
da de Mário de Andrade, onde o herói, através de seus próprios poderes de
transformação, torna-se um "príncipe fogoso".
Outros acontecimentos mágicos merecem atenção. É o caso do
encontro de Macunaíma com o Currupira. que além da sua conotação antropofágica,
também demonstra o livre acesso de Macunaíma ao mundo mágico dos deuses, já
que, nas lendas folclóricas brasileiras, o Currupira é um deus que protege as
florestas. O nosso herói ainda encontra com a Cotia, que no filme é uma mulher
velha, que é quem lhe mostra o caminho de volta para casa.
2.2. A Busca da maturidade
Junito Brandão segue sua análise em relação a trajetória do
herói. Para ele, um dado importante para que o herói inicie seu itinerário de
conquistas e vitórias, é a educação que esse recebe, o que significa que ele
vai desprender-se das garras paternas e ausentar-se do lar, por um período mais
ou menos longo, em busca de sua "formação iniciática". A partida, a
educação e, posteriormente, o regresso representam o percurso comum da aventura
mitológica do herói, sintetizada na fórmula dos ritos de iniciação: separação -
iniciação - retorno.
"Separando-se dos seus e, após longos ritos
iniciáticos, o herói inicia suas aventuras, a partir de proezas comuns num
mundo de todos os dias, até chegar a uma região de prodígios sobrenaturais,
onde se defronta com forças fabulosas e acaba por conseguir um triunfo
decisivo. Ao regressar de suas misteriosas façanhas, ao completar sua aventura
circular, o herói acumulou energias suficientes para ajudar e outorgar dádivas
inesquecíveis a seus irmãos."(6)
No filme de Joaquim Pedro, esse esquema circular da
trajetória do herói está presente. A morte da mãe, simbólicamente a provedora,
a protetora, é o acontecimento que marca o final da infância e o início do
itinerário do herói em busca de sua formação iniciática,que no caso é sua ida
para a cidade grande, para grande aventura.
São vários os ritos de passagem, ou iniciáticos, que Junito
Brandão destaca: o corte de cabelo, a mudança de nome, o mergulho ritual no
mar, a passagem pela água e pelo fogo, a penetração num labirinto, o
androgenismo, o travestimento.
Em relação ao filme, a passagem pelas águas está presente
duplamente. Numa primeiro momento, quando Macunaíma se banha nas águas de uma
fonte, que mais parece um esguicho, e se torna branco. É como branco que ele
vai em busca de sua formação iniciática.
Aqui cabe refletir sobre a transformação de Macunaíma para
homem branco. Em primeiro lugar , pode-se pensar essa transformação como tendo
semelhança com a mudança de nome,no sentido de uma mudaça de identidade e
assim, teria um caráter de rito de passagem., quando os heróis recebem o seu
verdadeiro e definitivo nome. Mas a transformação de Macunaíma tem um outro
significado dentro do contexto histórico do filme, que é assumir o racismo como
um dado da realidade brasileira. No filme, Macunaíma só se dá bem quando é
branco, seja quando cosegue namorar Sofará como um príncipe branco, seja quando
vira branco e vai para cidade.
A passagem pelas águas como rito de iniciação, no seu
sentido pleno, acontece na travessia, de Macunaíma e seus irmãos, por um grande
rio, dentro de uma canoa, em direção à cidade grande. Esse fato marca a busca
da aventura que representa a ruptura do passado, a infância, em relação ao
futuro, a maturidade do herói.
Junito Brandão aponta para outra característica à que o
herói está fundamentalmente ligado em seu percurso: a luta. O têrmo
"herói", observa o autor, permaneceu nas línguas modernas sobretudo
com o sentido de guerreiro, de combatente intrépido. E talvez tenha sido esse o
significado mais antigo da palavra e é principalmente essa a conceituação que
Homero empresta aos bravos da Guerra de Tróia.
O autor coloca a luta como o destino principal de um herói,
como o sentido último de sua vida. A luta tem sempre como objetivo o bem comum,
a coletividade.A caracterização de Macunaíma como herói tem aqui o seu ponto
fraco, pois a luta pressupõe uma causa e é justamente o que falta à Macunaíma,
a não ser quando vai em busca do Muiraquitã, quando o herói assume um objetivo definido
no filme, mas mesmo assim cabe ressaltar que é uma luta que não visa o bem
comum,mas apenas a posse do amuleto em benefício próprio.
No que se refere a esse ponto, pode-se dizer que o nosso
herói enfrenta duas lutas distintas. A primeira é com Ci, na garagem quando ela
o toma por alcagüete, ele explica que despistou os seus perseguidores e que
veio ao seu encontro porque estava sentindo o seu cheiro e porque ela era muito
bonita e ele "estava com uma vontade danada" dela. A luta entre eles
começa quando ela bate nele depois que ele tenta abraçá-la. Jiguê aparece, com
uma pedra grande nas mãos e golpeia Ci. Macunaíma, então, "brinca"
com Ci que está inconsciente. Ela gosta, se apaixona e será o grande amor de
Macunaíma.
Essa luta não tem um cunho de batalha heróica, é antes de
mais nada um estratagema de sedução por parte de Macunaíma.
A verdadeira e única luta travada pelo nosso herói é com
Venceslau Pietro Pietra, "o gigante Piaimã, comedor de gente", pela
posse do amuleto muiraquitã. Pode-se considerar essa luta em três etapas. A
primeira corresponde a visita que Mcunaíma faz a Venceslau, travestido de
mulher sedutora e atraente. O episódio trancorre num clima cômico, caricatural
e absurdo, com Venceslau vestido de smoking roxo com shorts verde e ligas que
seguram suas meias, tudo acompanhado por um tango argentino que dá um toque
"caliente" à tentativa de sedução por parte de Macunaíma. Essa
primeira tentativa de conseguir o amuleto acaba com Venceslau correndo atrás do
nosso herói nú, desmascarado, aos berros: "Eu não tenho preconceito! Vem
cá filho!"
A segunda etapa da luta contra o gigante Piaimã se dá com a
ajuda da macumba. Através de Exu, que encarna o espírito do gigante, Macuníma
dá uma surra em Venceslau, mas não consegue ainda o amuleto.
Na terceira e última etapa, finalmente Macunaíma consegue o
amuleto. Ele é convidado para uma feijoada em comemoração ao casamento da filha
de Venceslau. A feijoada é servida dentro de uma grande piscina, onde carne
humana dos próprios convidados substitui as carnes típicas. É num balanço, ao
lado da piscina que se dá o duelo final. Venceslau convence Macunaíma a se
balançar sobre a piscina, mas esse consegue sair do balanço, arrancar o amuleto
e fazer Venceslau subir no balanço.Apanha um arco e flecha e atira no traseiro
do gigante.
Junito Brandão observa que, no mito do herói, a vitória do
herói e sua volta à vida é sempre medida pelos benefícios que estas trazem para
toda coletividade. "Ao regressar de suas misteriosas façanhas, ao
completar a sua aventura circular, o herói acumulou energias suficientes para
ajudar e outorgar dádivas inesquecíveis a seus irmãos."(7)
O amuleto, simboliza uma força mágica, que traz uma relação
muito especial entre aquele que o possui e as forças que representam. Nesse
sentido, a vitória de Macunaíma é individual, não tem uma dimensão social , não
se consuma dentro dos padrões da trajetória dos heróis.
2.3. O Retorno
Macunaíma e seus irmãos retornam ao lugar de origem, a casa
materna, cumprindo a circularidade do itinerário do herói. Atravessam as
grandes águas novamente só que, agora, levam com eles uma infinidade de
eletrodomésticos. Esses, representam a sua transformação na jornada, traduzida
pela assimilação dos valores da sociedade capitalista da grande cidade. O nosso
herói, transformado, toca guitarra sentado na canoa, gesto que sintetiza um
sincretismo de valores do mundo rural e urbano.
Esse retorno também não representa um valor coletivo, ao
contrário, é solitário e melancólico - a maloca está caindo e o jardim está
abandonado e coberto de mato. Os irmãos saem para procurar comida e quando
voltam encontram Macunaíma dormindo. Furiosos, os irmãos percebem que ele está
mentindo quando diz que foi à caça. Como Macunaíma se recusa à cooperar com o
coletivo acaba sendo totalmente abandonado e fica à deriva durante algum tempo.
Um dia acorda "com um novo desejo em seus múculos, se lembrou que fazia
certo tempo não brincava..." Ele se dirige para o rio e vê uma moça
bonita, enquanto a narração nos informa que é Uiara, comedora de
gente...Macunaíma entra dentro d'água para seguir a moça e, no último plano,
aparece apenas sua jaqueta verde flutuando com sangue borbulhando debaixo dela.
Para Juanito Brandão, se o herói tem um nascimento difícil e
complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de lutas,
de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimentos, o último
ato de seu drama, a morte, se constitui no ápice de sua prova final: a morte do
herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão.
Ainda segundo o autor, a morte do herói se constitui no
climax de sua trajetória pois lhe confere a condição sobre-humana. Através de
seus despojos, que são carregados de poderes mágicos-religiosos, continua
atuando sobre os vivos durante longos séculos. Nesse sentido, poderia-se dizer
que os heróis se aproximam da condição divina graças à sua morte.
A morte de Macunaíma é voraz, não deixa restos mortais, nada
sobra,ele é totalmente devorado e com isso, a sua existência desaparece por
completo. A sua morte não é apenas solitária, ele foi abandonado e esquecido
por todos. Assim, a morte de Macunaíma é uma morte decadente, que não deixa
rastros para a humanidade.
3. Conclusão
Apesar da trajetória de Macunaíma obedecer algumas
características do destino de um herói na mitologia grega como a trajetória
circular, o contato mágico com os deuses, os ritos de passagem pela água, a
luta com Venceslau como ponto alto da narrativa e uma morte solitária, a sua trajetória
como herói falha justamente num ponto muito importante. Segundo Junito Brandão
a vida do herói é pautada pelo bem comum,todos os seus passos reverterão em
benefício do coletivo , alcançando finalmente, o posto e as honras a que tem
direito. O fio condutor de sua vida é uma causa pela qual ele luta. Para o
nosso herói o que falta é justamente uma causa maior, ligada ao bem comum, ele
não está à serviço da comunidade.
Herói de consciência individual, egoísta e encimesmado, ele
não tem lastro para cumprir o papel de herói, é um anti - herói. Um herói sem
causa, morre em vão.
Símbolo de um Brasil sem projeto, em crise com a sua
identidade. Um país sem uma noção forte de coletivo é um país que tende para a
autodestruição, um país que devora a si mesmo.
*Sarah Yakhni é formada pela Faculdade de Ciências Sociais
da USP. É montadora, diretora de cinema, diretora de televisão e roteirista.
Atualmente faz mestrado em cinema na Unicamp.
Texto reproduzido do site: mnemocine.com.br
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