Cineasta Brasileiro: Walter Hugo Khouri
Por Isabella Thebas
Entre a metade dos anos 1960 e final da década de 1980,
houve em São Paulo um período de intensa produção cinematográfica independente.
Essa produção ficou conhecida como cinema da Boca do Lixo, em referência à
região onde eram localizadas as produtoras de tais filmes, um quadrilátero que
inclui a rua do Triunfo e a rua Vitória no bairro da Luz no centro da cidade.
Essa produção foi equivalente a aproximadamente 40% da produção nacional da
época, sendo um grande sucesso de público.
Trata-se de um período eclético com produções de vários
gêneros. Abrindo mão de uma coerência temática, foram produzidas comédias,
dramas, policiais, faroestes, filmes de ação, kung fu, terror, entre outros,
conteúdos diversificados, porém sempre pautados pelo erotismo.
Uma vez que esse cinema tinha que se auto-sustentar, a
produção da Boca ficou marcada por filmes baratos que atingiam grande sucesso
de público. Característica marcante desse cinema, o erotismo funcionava como
regra para satisfazer o gosto popular. O convívio com elementos marginalizados,
prostitutas e criminosos que ocupavam a região, estigmatizou o cinema da Boca
como um cinema de baixa qualidade, com excesso de pornografia e narrativas que
visavam o comercial.
Dentre essa produção comercial, destacam-se alguns cineastas
com propostas mais autorais: experimentais e introspectivas. Obras que não
deixavam de carregar os elementos de erotismo, porém utilizavam-no apenas como
pano de fundo. Por exemplo, a produção autoral do cineasta Walter Hugo Khouri.
Walter Hugo Khouri nasceu em São Paulo, no ano de 1929, e ao
longo de sua carreira realizou 25 longas-metragens. Iniciou sua carreira
trabalhando na produção do filme O Cangaceiro pela Companhia Vera Cruz e
dirigiu seu primeiro filme independente em 1951, O Gigante de Pedra. Como autor
completo, escreveu o roteiro, dirigiu, operou a câmera e orientou a montagem
dessa e diversas outras obras.
Sua filmografia pode ser dividida em três fases principais,
nas quais pretendia filmar a decadência moral da classe mais abastada da
sociedade brasileira, além de transformar a estética de erotismo em um incômodo
pessoal, psicológico. Dessa forma, Khouri - diferentemente do que fora
produzido no Cinema Novo - estabelece um estilo que descreve outra face do
Brasil: o caráter existencial, a problemática dos indivíduos de classe média
alta.
Na primeira fase, essencialmente durante os anos 1950, o
cineasta persegue um ideário estético, trazendo elementos do cinema europeu.
Buscando qualidade técnica e domínio da narrativa, visava um modo de produção
que o associou a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Dessa fase, pode-se
destacar o filme Estranho Encontro de 1957, que de certa forma contrapõe-se a
Rio, 40 graus, ficção de Nelson Pereira dos Santos lançado dois anos antes que
marca o início do Cinema Novo.
Ao contrário do neo-realismo de Nelson Pereira, Khouri opta
por uma via mais intimista, com poucos personagens e ambientes fechados. Não
volta sua atenção para as realidades sociais de um país de terceiro mundo, não
interessava à sua poética a repressão ou a desigualdade. Dedicou-se a esmiuçar
a psicologia social. Dessa forma, o cineasta pode ser considerado um ponto fora
da curva na renovação do cinema brasileiro, muitas vezes julgado como um
pequeno-burguês elitista.
Na sua segunda fase, explorou preocupações mais maduras de
ordem existencial, tornou-se um cineasta marcadamente autoral e experimentou
grande aceitação da crítica. Essa produção encena a alienação de uma burguesia
que se debate nas restrições do cotidiano e procura fugir dessas limitações por
meio do sexo, com o qual visa alcançar a liberdade e a transcendência
espiritual. É possível destacar desse período o mais famoso filme de Khouri,
Noite Vazia, de 1964, onde estabelece o erotismo humano como uma forma de
auto-flagelação, longe de uma exposição descompromissada e vulgar, o sexo em
sua obra é cru, dói, e chega aos mais íntimos desejos do inconsciente humano.
Tal presença do sexo como elemento norteador dessas buscas
existenciais é a condição que aproxima o diretor às fontes de financiamento da
Boca do Lixo, fato esse que determina sua terceira fase, dos anos 1970 ao fim
da década de 1980. Nesse momento o cineasta diminui seu estilo europeu, e
investe na produção da chamada “pornochanchada”, primeiramente para
corresponder às exigências dos produtores da Boca do Lixo e de seu público.
Apesar de assumir a lógica do erotismo explícito, Khouri mantém sua marca
extremamente pessoal, obstinado a não abrir mão de sua visão de mundo.
Utilizando o erotismo a partir do incômodo, o diretor garante o interesse do
público, o investimento da Boca e a impressão de seu cinema autoral.
Fato interessante da filmografia de Khouri é a presença de
um personagem constante, Marcelo. O personagem é considerado o alter ego do
diretor, movido principalmente pelo narcisismo masculino, busca uma afirmação
sexual que vai além da conquista. Sua filosofia niilista é uma fachada que
esconde seu verdadeiro interesse, a conquista sexual.
Após a Boca do Lixo, o cineasta realiza, no início da década
de 1990, algumas co produções internacionais, como Forever(1990). Walter Hugo
Khouri morreu aos 73 anos, em São Paulo, no dia 27 de junho de 2003.
Texto reproduzido do site: institutodecinema.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário