Demi Moore e Patrick Swayze protagonizaram
este clássico dos
anos 1990.
Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em
14 de julho de 2020
Como foi filmada a memorável cena da argila em ‘Ghost’, que
completa 30 anos
Investigamos a história por trás da sequência que
transformou o filme, protagonizado por Demi Moore, Patrick Swayze e Whoopi
Goldberg, no campeão de bilheteria de 1990
Demi Moore e Patrick Swayze protagonizaram este clássico dos
anos 1990.
Por Carlos Megía (S Moda)
São duas da manhã de uma noite chuvosa. Molly não consegue
dormir e, na penumbra de seu ateliê, começa a esculpir um vaso de cerâmica. No
toca-discos, Unchained melody começa a soar. Justo quando Bill Medley clama
pela primeira vez por seu darling, Sam, recém-saído da cama como demonstra seu
torso nu, senta-se detrás dela. Após observá-la durante alguns segundos, funde
suas mãos na argila com as da jovem, que molda uma figura de forma fálica.
Sincronizados com o refrão da balada, Sam consegue que Molly desvie sua atenção
do barro e se centre unicamente nele. O resto da noite é história. O resto da
sequência, também. Na segunda-feira, 13 de julho, aquela que é considerada a
cena romântica mais sexy da sétima arte, que fez de Ghost um fenômeno pop da
década de 1990, completou três décadas. Por ocasião da efeméride, repassamos a
história por trás da aula de cerâmica mais conhecida da nossa época.
“Não tínhamos nem ideia de que iria se tornar a cena
romântica mais famosa da história do cinema. Éramos apenas atores tratando de
fazer nosso trabalho da melhor maneira possível”, dizia na biografia One last
dance o saudoso Patrick Swayze. Ghost – Do outro lado da vida, a história de um
jovem morto num assalto que tenta se conectar do além com sua namorada para
salvar sua vida, foi o filme de maior bilheteria de 1990 no mundo todo. Numa
época em que as grandes produções de super-heróis e as franquias juvenis não
dominavam as salas com mão de ferro, era possível que dramas ou comédias de
orçamento médio, como esta ou Uma linda mulher, Esqueceram de mim e Dança com
lobos, ocupassem os primeiros lugares de arrecadação nos cinemas. Com um
orçamento de 22 milhões de dólares (119 milhões de reais, pelo câmbio atual),
Ghost conseguiu arrecadar mais de 500 milhões.
Nos ensaios da mítica cena da argila, a tensão sexual já era
evidente. Embora ambos estivessem vestidos, o diretor Jerry Zucker confessou
que mesmo os atores se sentiam envergonhados enquanto a preparavam. A química
que exibem é um marco, levando-se em conta que a relação entre eles na rodagem
não era boa e eles mal se falavam. Segundo Demi Moore, estavam tão nervosos
como “dois colegiais num primeiro encontro”, e Swayze, que inclusive a tinha
ensaiado em casa com sua mulher, Lisa Niemi, “ruborizava” só de falar a
respeito.
A cena foi rodada com uma equipe técnica reduzida e diante a
supervisão de ceramistas, que assessoravam e davam forma ao embrião de vaso que
depois a atriz continuava moldando. Como recordou Gwynne Watkins por ocasião
dos 25 anos do filme, Moore estava obcecada em não permitir que a sua blusa sem
mangas e parcialmente desabotoada deixasse um dos seios à mostra, e pediu ao
seu colega de elenco que o tampasse se isso acontecesse. Do ponto de vista
técnico, os respingos da argila representaram um desafio, e foram necessárias
dezenas de tomadas antes de passar à seguinte. “De todas as cenas que rodei, era
nas de amor que eu me sentia menos seguro. Sempre senti uma pressão extra,
levando em conta que as revistas me chamavam de Mr. Sexy. É irônico que a cena
da argila com Demi seja uma das mais famosas de toda a minha carreira”, relatou
o ator em sua biografia.
Sequência 1. Molly insone.
CBS PHOTO ARCHIVE / CBS VIA GETTY
IMAGES
O filme foi indicado a cinco Oscars e transformou seu trio
de protagonistas em estrelas fulgurantes da nova década cinematográfica que
acabava de começar. Moore chegou a ser a atriz mais bem paga de Hollywood, à
frente inclusive da Julia Roberts pós-Uma linda mulher; Whoopi Goldberg foi a
primeira atriz negra em 50 anos a receber uma estatueta (melhor atriz
coadjuvante); e Swayze conseguiu se livrar do papel de ator de filmes de ação
após Matador de aluguel e Next of Kin. Ele não foi a primeira opção para o
personagem de Sam: Michael J. Fox, Bruce Willis (marido de Demi Moore naquela
época) e Harrison Ford recusaram o papel antes dele. “Li o roteiro três vezes e
ainda não saquei qual é”, alegou Ford.
No primeiro tratamento do roteiro, a personagem de Demi
Moore era uma escultora inspirada na venezuelana Marisol Escobar, que, em vez
de moldar argila, esculpia grandes blocos de granito ou de madeira. O diretor
temia que isso fosse visto pelos espectadores como excessivamente rude e
arquetípico. A profissão de ceramista ocorreu ao diretor Jerry Zucker durante a
rodagem de Corra que a polícia vem aí, ao observar um dos técnicos de som lendo
uma revista sobre cerâmica. A mulher do roteirista do filme, Bruce Joel Rubin,
também era uma aficionada da técnica e tinha um torno em casa. “Quando as
pessoas vêm me visitar e veem o ateliê, piscam os olhos e me dizem, ‘Já sabemos
o que você faz à noite’”, contou ele ao Chicago Tribune. Demi Moore recebeu
aulas para que a cena fosse a mais realista possível.
Sequência 2. Sam decide pôr a mão na massa.
CBS PHOTO ARCHIVE
/ CBS VIA GETTY IMAGES
A natureza carnal da sequência, essa coreografia passional
em que desemboca a insônia do casal, foi produto da improvisação dos
protagonistas. A tal ponto que em algum lugar nos arquivos da Paramount há uma
cena de sexo inédita que foi descartada da montagem final, quando ficou
comprovada a força dramática do ocorrido no torno de cerâmica. “Quando vimos o
material filmado no dia anterior, nós olhamos entre nós e soubemos que o que
tínhamos era alucinante. A cena da cerâmica era tão erótica que não precisávamos
de mais nada”, admitiu Zucker na edição norte-americana da Vanity Fair. “A
eletricidade entre eles era tal que soubemos que não precisávamos de outra cena
de amor”, acrescenta Rubin.
“Demi e eu brincávamos um com o outro e inventamos essa cena
na hora. Foi muito sexy brincar com toda aquela argila, então tudo o que
fizemos foi nos deixarmos levar, liberar nossa imaginação, e quando tocamos os
braços saiu faísca. As melhores cenas de amor não precisam do que eu chamo de
‘agarração’, isso na verdade costuma levar toda a tensão embora. Você não quer
ver os personagens quebrando os ossos. Quer ver como se olham fixamente nos
olhos, em um momento íntimo e pessoal, que transmita desejo. Isso é o que eu
considero que é sexy”, escreveu em suas memórias, Time of my life, o ator, que
morreria em 2009, aos 57 anos, de câncer de pâncreas.
Sequência 3. O vaso é o de menos.
CBS PHOTO ARCHIVE / CBS
VIA GETTY IMAGES
A sequência exibe também uma elipse temporal, considerada
durante anos por muitos como um erro de continuidade, já que Sam e Molly lavam
as mãos antes de desatar a paixão restante na cama. O diretor defende que esta
pausa para a higiene pessoal foi deliberada, e não um descuido. Tampouco estava
no roteiro que o vaso se rompesse quando Sam põe suas mãos nele, mas a reação
instantânea e natural de ambos garantiu um valor extra à sequência.
Graças ao sucesso esmagador do filme, Unchained melody, a
inesquecível balada dos The Righteous Brothers, voltou às paradas mais de três
décadas depois de seu lançamento original. A canção foi uma sugestão de Lisa
Weinstein, produtora do filme, e, por um desses acasos da vida, seu intérprete,
Bill Medley, é o mesmo que três anos antes havia cantado (I’ve had) The time Of
my life, outro hino do cinema dos anos oitenta (Dirty dancing) também com
Swayze. Com a cena da cerâmica transformada em um ícone da cultura pop e
qualificada como a mais sexy da história do cinema, foi parodiada e
referenciada diversas vezes nestes anos: por séries de televisão (Family guy,
Two and a half men), filmes (Corra que a polícia vem aí 2 ½) e celebrities como
Irina Shayk. Esta tragicomédia fantástica virou um clássico do cinema romântico
tão imperecível que, por ocasião de seu 30º aniversário, retornou em fevereiro às
salas britânicas, antes do fechamento forçado dos cinemas por causa da crise do
coronavírus.
Texto e imagens reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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