Nelson Pereira dos Santos (1928 – 2018)
Nelson Pereira dos Santos (São Paulo, São Paulo, 1928 - Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018). Diretor, produtor, roteirista, montador,
ator e professor. Em 1947, liga-se ao grupo teatral Os Artistas Amadores, do
qual fazem parte os atores Paulo Autran (1922-2007) e Madalena Nicol (1917-1996).
Forma-se em direito pela Faculdade de Direito da USP em
1953. Inicia sua carreira na imprensa, em 1946, como revisor no Dário da Noite
de São Paulo e, depois, como redator no Diário Carioca (1956-1958) e no Jornal
do Brasil (1958-1969). Faz uma viagem de dois meses para Paris, período em que
conhece o cineasta Joris Ivens (1898-1989).
Retorna ao Brasil em 1950, quando realiza seu primeiro filme
Juventude, um documentário de 45 minutos sobre os jovens trabalhadores da
cidade de São Paulo. Na primeira metade da década de 1950, atua como assistente
de direção em Balança, Mas Não Cai (1952), de Paulo Vanderlei (1903-1973); O
Saci (1953), de Rodolfo Nanni (1924) e Agulha no Palheiro (1953), de Alex Viany
(1918-1992).
Realiza Rio, 40 Graus, seu primeiro longa-metragem, em 1955.
Nessa fita, apresenta para o público o compositor Zé Keti (1921-1999) que
compõe para o filme a música “A Voz do Morro”, de grande sucesso. Ambos se
tornam bons amigos. Após dirigir Rio, Zona Norte (1957), produz O Grande
Momento (1958) de Roberto Santos (1928-1987). Dirige, também, Mandacaru
Vermelho (1961), Boca de Ouro (1963), e Vidas Secas (1963), baseado na obra do
escritor Graciliano Ramos (1892-1953). O filme recebe, em 1964, o prêmio do
Office Catholique de Cinéma (Ocic) no festival de Cannes. Na segunda metade dos
anos 1960, roda El Justicero (1967) e Fome de Amor (1967). Participa da
criação, em 1968, do curso de cinema da Universidade Federal Fluminense, onde
leciona.
Faz Azyllo Muito Louco (1970), baseado no conto “O Alienista”
(1882) de Machado de Assis (1839-1908). Em 1971, roda Como Era Gostoso o Meu
Francês, visão irônica da antropofagia como resistência cultural. Entre 1970 e
1980, dirige três obras relacionadas à cultura popular: O Amuleto de Ogum
(1974), Tenda dos Milagres (1977) e Estrada da Vida (1980).
Em 1984, adapta Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. O
filme recebe os prêmios de melhor filme da Crítica Internacional do Festival de
Cannes e do Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana, concedidos em
1984. No período da chamada “retomada do cinema brasileiro”, dirige A Terceira
Margem do Rio (1993), baseado em contos de Primeiras Histórias, de Guimarães
Rosa (1908-1967) como: “Fatalidade”, “Sequência”, “A menina de lá”, além do
conto que dá título ao filme. Depois vem Cinema de Lágrimas (1995), encomendado
pelo British Film Institute (BFI) para comemorar os 100 anos do cinema.
Faz para a televisão Casa Grande e Senzala (2000), baseado
na obra clássica do cientista social Gilberto Freyre (1900-1987). Suas últimas
realizações no cinema são os documentários sobre o historiador Sérgio Buarque
de Holanda (1902-1982), Raízes do Brasil (2003) e sobre Tom Jobim (1927-1994),
em A Música Segundo Tom Jobim (2011) e o longa Brasília 18 Por Cento (2006). Em
2006, é eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), tornando-se o
primeiro cineasta a fazer parte da instituição.
Análise
Em Rio, 40 graus, Nelson Pereira dos Santos transforma os
representantes das camadas populares do Rio de Janeiro em protagonistas da
narrativa. O destaque dado a esses personagens é suficiente para fazer do filme
um marco do cinema brasileiro moderno. Sua importância reside no ineditismo de
conteúdo e no modo de produção.
Na primeira metade dos anos 1950, com a falência Companhia
Cinematográfica Vera Cruz, tentativas de implantar um cinema industrial no
Brasil fracassam. Rio, 40 Graus representa uma nova possibilidade de produção
fílmica. Nelson Pereira dos Santos incorpora as lições do neorrealismo
italiano, movimento cinematográfico surgido na Itália após a Segunda Guerra
Mundial, que defende a utilização de atores não profissionais e filmagens em
locações reais, longe dos estúdios. O cineasta continua a investigação do modo
de vida dos grupos populares em Rio, Zona Norte, cujo protagonista é Espírito
da Luz, compositor de samba que vende as suas composições para tentar alcançar
o sucesso.
Em relação ao “díptico sobre as pessoas comuns” do Rio de
Janeiro, o cineasta Glauber Rocha (1939-1981) afirma: “Se em Rio, 40 graus a
câmera narra e expõe com ardor os dramas, as misérias e a contradição da grande
cidade, em Rio, Zona Norte a câmera estuda o meio, documenta, pergunta, expõe,
acumula dados”1. Seu comentário sintetiza elementos importantes do cinema de
Nelson Pereira dos Santos, com atenção às questões sociais e sobriedade cênica.
Às vésperas do golpe de estado civil-militar de 1964, o cineasta
produz Vidas Secas, baseado na novela de Graciliano Ramos. Parafraseando o
crítico literário Otto Maria Carpeaux (1900-1978), o cineasta não agita o mundo
árido do sertão nordestino, mas fixa-o, estabiliza-o. Essa estabilidade
reflete-se nos poucos movimentos de câmera e na interpretação concisa dos
atores que encenam Fabiano e sua família.
Vidas Secas revela mais que a afinidade entre cineasta e
escritor. Marca a tendência do cinema novo brasileiro de retomar o pensamento
literário e científico dos anos 1930. Nesta época, surgem as obras de
pensadores que procuram interpretar a nação, como Gilberto Freyre, Sérgio
Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. (1907-1990) e de escritores como Rachel de
Queirós (1910-2003), José Lins do Rêgo (1901-1957), Jorge Amado (1912-2001),
além do próprio Graciliano, que revelam, por meio de narrativas socialmente
empenhadas, as condições e os modos de vida da gente pobre do Nordeste
brasileiro.
A aridez é deixada de lado no filme El Justicero, comédia
cuja narrativa centra-se na classe média da Zona Sul carioca. Acreditava-se que
a única cópia desse filme era no formato de 16 mm, no entanto, em recente
mostra sobre o realizador, a Universidade de Harvard, Estados Unidos, exibe uma
cópia de 35 mm2.
Em 1967, dirige Fome de Amor, obra ímpar na filmografia de
Santos pela estrutura anti-ilusionista e complexa organização das imagens com a
trilha sonora. O som muitas vezes afasta-se da cena que acompanha e provoca um
descompasso entre o que é visto e ouvido. Esse filme pertence a uma série de
obras realizadas por artistas brasileiros que têm como meta rediscutir o papel
do intelectual na sociedade, após a derrota das forças progressistas com o
golpe militar de 1964.
Como Era Gostoso o meu Francês obtém sucesso de público, com
mais de 800 mil espectadores. A narrativa sobre um aventureiro francês,
capturado pelos índios Tamoios, que se servirão do estrangeiro num banquete
antropofágico, é utilizada pelo cineasta para comentar nossa condição de país
periférico. O crítico Ismail Xavier (1947) vê a fita como uma “ironia
antropofágica que ativa o imaginário de uma sociedade indígena tropical sem
culpa, idílica, mas condenada, numa narrativa que inverte as referências e faz
a paródia da literatura de viagens própria ao colonizador”3.
O universo da cultura popular, em seu aspecto religioso, é o
tema central de O Amuleto de Ogum. Aqui o diretor lança um olhar sem
preconceitos sobre as manifestações religiosas do povo: “A única ideia em
relação à umbanda foi no sentido de mostrar que ela é uma religião, com um
respeito absoluto por sua teologia, seus ritos, sua formação, sua hierarquia e
pela liberdade que existe na própria umbanda e que varia de terreiro para
terreiro”, comenta o crítico Jean-Claude Bernadet (1936)4.
Esse mesmo universo é retratado em Tenda dos Milagres.
Inspirado na obra homônima de Jorge Amado, a película narra a vida de Pedro
Arcanjo, intelectual da classe popular que defende o candomblé e a presença da
cultura negra na formação do país, além de se opor ao preconceito racial. Em
Jubiabá (1987), segunda transposição fílmica de uma obra de Amado, o diretor
concentra-se na relação amorosa entre o negro Baldo e a branca Lindinalva para,
segundo o próprio Santos, discutir a questão racial brasileira5.
Com Memórias do Cárcere, o diretor retorna a Graciliano
Ramos. Por meio do relato autobiográfico do escritor, faz um retrato social do
Brasil, que vive os últimos anos da ditadura militar. A referência à ausência
do estado de direito que vitimou o escritor, foi utilizada para discutir a
instabilidade política e social presente na história da República Brasileira
desde sua fundação. Segundo Jean-Marie Le Clézio (1940), a qualidade de
Memórias reside no fato de tratar das prisões físicas, feitas de pedras e
grades, e de outras igualmente reais: “as prisões do egoísmo, da fome, do
endividamento, do racismo, do desprezo”.
Em 2011, lança nos cinemas A Música Segundo Tom Jobim, obra
que caminha em sentido oposto ao de vários documentários atuais, ao abdicar do
tradicional método de entrevistas para fazer somente a música falar pelo compositor...
Texto reproduzido do site: enciclopedia.itaucultural.org.br
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