Publicado no site RÁDIO PEÃO BRASIL, em 24 de janeiro de 2018
A tradição e o legado de Eisenstein no cinema
Em 20 de janeiro comemoram-se os 90 anos do lançamento do
filme Outubro, com o qual Sergei Eisenstein comemora os 10 anos da Revolução
Russa. Eisenstein deixou uma marca indelével na arte da modernidade: o cinema.
Por José Carlos Ruy
Após o fim da Guerra Civil contra-revolucionária, em 1922,
Lênin – que era o principal dirigente do governo soviético – mandou reabrir os
estúdios cinematográficos. “De todas as artes, o cinema é para nós a mais
importante”, justificou o fundador do Estado Soviético.
O cinema nascia então como uma arte de massas de intensa
vitalidade, que permitiu o aparecimento de filmes e diretores que contribuíram
para consolidar as bases da arte da modernidade – o cinema. A linguagem fílmica
foi sistematizada, experimentada, na tentativa de apreender os dramas humanos
diretamente em seu meio social. Na URSS revolucionária, herdou do teatro do
Proletkult o protagonismo das massas populares, magnificamente exemplificada
nos filmes Encouraçado Potemkim (1925) e Outubro (1928), ambos de Serguei
Eisenstein (1898-1948). Em Encouraçado Potenkim ele ousou e inovou ao usar a
população de Odessa, cidade à margem do Mar Negro, para reconstituir o levante
de 1905 e pela primeira vez na história do cinema trabalhou com massas de 10
mil figurantes, polarizados em torno de dois personagens coletivos: o
“encouraçado” e a “cidade”. Em Outubro, foram as m assas que protagonizaram a
célebre cena da tomada do Palácio de Inverno, em São Petersburgo, no dia 7 de
novembro de 1917.
Uma das inovações mais importantes dos cineastas soviéticos
– principalmente de Eisenstein – foi o uso da montagem como elemento
fundamental da linguagem do cinema, enriquecendo a experiência de pioneiros do
cinema com o conhecimento do mecanismo da escrita chinesa na qual a
justaposição de ideogramas permite a formulação de ideias.
Com mais de 90 anos após seu lançamento, O Encouraçado
Potemkim (1925) mantém a atualidade. Não apenas pelo seu tema, que o tornou um
clássico do cinema mundial, mas também pela maneira revolucionária de sua
realização.
Seu tema exemplifica o desenvolvimento da consciência de
classe: marinheiros mal tratados pelos oficiais que os comandam, em condições
de trabalho profundamente degradadas, revoltam-se e acompanham a revolução
proletária que ocorria em Odessa em 1905.
A história foi narrada de maneira inovadora por Eisenstein,
o grande mestre da montagem que baseia a narrativa na maneira como as imagens
são usadas.
A tecnologia ainda não havia desenvolvido a maneira de unir
som e imagem em movimento. O cinema era mudo, e tudo o que havia para
transmitir a mensagem desejada eram as próprias imagens em movimento,
reforçadas em certos momentos por letreiros projetados junto com o filme. E
pela música tocada por instrumentistas postos diante da tela onde o filme era
projetado.
Sendo o cinema mudo, eram as imagens que precisavam falar! E
a ferramenta para fazer as imagens transmitirem o que o cineasta pretende é a
montagem. No O sentido do cinema (Sergei M. Eisenstein, El Sentido del cine,
México DF, Siglo Veintiuno Editores, 1974), Eisenstein descreveu a montagem de
maneira simples: “suponhamos, por exemplo, um túmulo e uma mulher de luto
chorando: dificilmente alguém deixará de chegar a esta conclusão: uma viúva”.
A inspiração vinha dos ideogramas chineses, que Eisenstein
estudou, e também de autores clássicos, como Leonardo da Vinci e suas anotações
sobre o uso da perspectiva; ou da literatura russa (Tolstói, sobretudo); e Karl
Marx, de quem cita a frase: “não apenas o resultado mas também o método são
parte da verdade. A investigação da verdade deve ser verdadeira em si mesma; a
verdadeira investigação é a verdade desdobrada, cujos membros deslocados se
unem no resultado”.
Este esforço todo teve o objetivo de compreender como o
pensamento se forma no cérebro através da justaposição de imagens, traduzidas
em palavras. Ele buscava traduzir, no cinema, os sentidos que o cineasta
pretendia transmitir. Por exemplo, em chinês, a justaposição de um ideograma
que significa “telhado” ao lado de outro que significa “esposa” resulta em
outro, que significa “lar”.
Um exemplo do uso dessa técnica narrativa pode ser visto, em
O Encouraçado Potemkim, na célebre cena da escadaria, que justapõe imagens de
luz (“alegria”) a outras da repressão czarista contra os revoltosos, na
escadaria (ela própria um signo da hierarquia social existente então). Naquela
cena, o horror é traduzido pelo assassinato de uma mãe e a descida, escada
abaixo, do carrinho com o bebê que ela conduzia. É uma das cenas mais famosas
de toda a história do cinema, tendo sido lembrada no filme Os Intocáveis (1987),
de Brian de Palma, de 1987, que faz referência a ela.
Fonte: Portal Vermelho
Texto e imagens reproduzidos do site: radiopeaobrasil.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário